Tallis Gomes queria ser Musk, mas teve o mesmo fim do tóxico ex-CEO da Uber
Até postar o "Deus me livre de mulher CEO" e se ver obrigado a renunciar ao comando da própria empresa, Tallis Gomes levava nas redes sociais a pacata vida do influencer digital e startupeiro brazuca que tem Elon Musk como guru.
Entre frases de efeito motivacionais — "cada um tem a vista da montanha que subir" — e dicas sobre como levantar um negócio num país atrasado como o nosso, o "empreendedor em série" e fundador da escola de negócios G4 Educação não se furtava de mostrar uma quedinha pela retórica dos extremistas de direita. Qualquer semelhança com o discurso do bilionário sul-africano dono do X/Twitter não é mera coincidência, com o perdão do clichê.
No último 7 de setembro, por exemplo, Tallis usou sua conta no Instagram para discretamente sensibilizar seus 809 mil seguidores sobre a relevância do ato bolsonarista na Avenida Paulista. "Vc está pronto para legar uma nação de escravos aos seus filhos?", provocou, fechando a reflexão com uma patriota bandeira do Brasil.
Dias antes, ele já havia manifestado preocupação com o futuro do país. Tanta apreensão tinha motivo: uma decisão da Justiça retirando do ar perfis ligados a Pablo Marçal, o coach e candidato à Prefeitura de São Paulo, condenado por golpes bancários.
Como se viu, a campanha de Marçal promovia competições pagas em fóruns de internet para produzir conteúdos eleitorais, o que contraria a lei. A justificativa, no entanto, não convenceu Tallis Gomes. "A boa e velha 'democracia'", ironizou e indignou-se.
Mas é no culto ao trabalho duro que o fundador de aplicativos como Singu e Easy Taxi mais se identifica com Elon Musk. Em agosto, durante participação em um podcast, fez algum barulho bradando que não contratava esquerdista "mimizento". De quebra, encheu a boca para dizer que seus colaboradores ralam das 8 da manhã até uma da madrugada.
"Se você não meter umas 70, 80 horas por semana de trabalho, você não vai construir nada na vida, mano", profetizou. A carga pode até soar excessiva para mim e para você, profissional mediano de carteira assinada e refém da jornada padrão CLT. Mas saiba que isso nem cócegas faz nas 120 horas de batente que Musk diz cumprir a cada sete dias.
Uma foto do treino de jiu-jitsu aqui, uma imagem do pé disruptivamente sobre a mesa ali, uma ou outra polêmica sem grande importância acolá, tudo corria bem até Tallis Gomes resolver tirar a dúvida de um internauta no Instagram. Que tal casar com uma mulher CEO de empresa? Jamais. Por quê?
"Salvas raras exceções (eu particularmente só conheço duas), essa mulher vai passar por um processo de masculinização que, invariavelmente, vai colocar meu lar em quarto plano, eu, em terceiro plano e meus filhos, em segundo plano", escreveu, do alto de sua autoestima.
Não demorou para que a declaração virasse trending topic. A Hope, marca de roupa feminina, defenestrou Tallis de seu conselho consultivo. O empresário entendeu o tamanho do estrago e até pediu desculpas: "injustificável". Agradeceu pelo apoio (sim!) e pelas críticas, garantiu que levaria o episódio como "aprendizado". Também aproveitou para anunciar sua saída da presidência do conselho e do cargo de CEO da G4 Educação.
"A empresa é maior do que qualquer um de nós e continuará na sua grande missão de ajudar na geração de empregos no nosso país através do empreendedorismo", ponderou.
Impossível não comparar a decisão de Tallis Gomes à de Travis Kalanick, o ex-presidente da Uber. Acossado por uma série de escândalos, o fundador de uma das mais conhecidas corporações de tecnologia do mundo tornou-se suficientemente tóxico para ter de renunciar ao cargo de comandante da empresa.
O currículo de absurdos de Kalanick, ressalve-se, era consideravelmente mais grave. Incluía até mesmo denúncias de assédio, o que — é importante frisar — não aconteceu no caso do brasileiro. Mas, no fim das contas, o desfecho não foi tão diferente assim. Tallis mirou em Musk e acertou em Kalanick. Aprendizado.
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