Investimentos de chineses no México acirram debate sobre migração nos EUA
Apesar da retórica incendiária contra os imigrantes, sobretudo por parte de Donald Trump, empresas dos Estados Unidos necessitam dessa mão de obra — fato comprovado pela explosão do número de vistos de trabalho temporário para mexicanos nos últimos anos.
A disputa comercial dos Estados Unidos com a China, que avança cada vez mais sobre o mercado consumidor norte-americano com a instalação de fábricas no México, é uma novidade importante desta eleição em relação à anterior, vencida por Joe Biden.
Na prática, não existe uma diferença tão expressiva assim entre democratas e republicanos na condução da política migratória, entendida por ambos os partidos como questão de segurança nacional.
Essas são as principais análises de Eduardo Villarreal Cantú, professor de ciência política da Unam (Universidade Nacional Autônoma do México), em entrevista à coluna. Ele também é coordenador de análise e incidência do ProDESC, uma organização de direitos humanos que atua na questão migratória.
Atualmente, existem cerca de 11 milhões de pessoas vivendo sem autorização nos Estados Unidos, segundo dados do Pew Research Center. Desse total, 4 milhões são mexicanos.
Vistos de trabalho temporário para mexicanos vêm crescendo
Se nas eleições passadas Trump tinha como mote a construção de um muro na fronteira entre os dois países, agora o candidato republicano fala em deportação em massa e até em pena de morte contra imigrantes envolvidos em crimes contra norte-americanos.
Apesar do tom inflamado, o fato é que a entrada autorizada de mexicanos vem crescendo aceleradamente nos últimos anos, incluindo a gestão de Trump. "Uma coisa é o discurso e outra é a realidade da demanda por trabalho. A política migratória nos Estados Unidos é muito influenciada pelo lobby dos empresários", afirma Cantú.
Em sua avaliação, corporações — principalmente na agricultura e no setor de serviços — precisam de mão de obra barata para postos de trabalho que os americanos não estão dispostos a encarar.
Prova disso é que o número de vistos de tipo H2, concedidos para trabalhadores temporários na agricultura e no setor de serviços, teve um incremento significativo entre 2010 e 2022. De acordo com dados do Anuário de Migração e Remessas do governo mexicano, o salto foi de 85 mil para 361 mil.
Por outro lado, o governo também precisa acalmar os ânimos da classe média e garantir que ela "não vai perder empregos", complementa o professor.
Concorrência da China estimula protecionismo
Nestas eleições, avalia Cantú, um pano de fundo importante é o crescimento dos investimentos da China no México, de olho no chamado "nearshoring". O conceito em inglês é usado para designar a produção de mercadorias em locais próximos aos mercados consumidores.
O movimento não é propriamente novo. Há quase três décadas, marcas de roupas, por exemplo, vêm instalando fábricas no vizinho dos Estados Unidos. Além de baratear os custos de produção, elas aproveitam os benefícios do tratado comercial entre os países para garantir a entrada no mercado norte-americano de produtos 100% "made in Mexico".
Mas o fluxo de investimento vem se intensificando e se dirigindo para setores mais intensivos em tecnologia. "O discurso do Trump tem sido mais forte, enfatizando que não vai permitir a entrada dos chineses via México", explica Cantú.
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Quero receberRecentemente, a montadora chinesa de carros elétricos BYD, uma das principais concorrentes da Tesla, de Elon Musk, anunciou a construção de uma fábrica no México. O comunicado veio na esteira da decisão do governo de Joe Biden, tomada em maio, de quadruplicar as tarifas sobre carros importados diretamente da China.
"Durante muito tempo, os Estados Unidos diziam que o capitalismo se fazia sob a ideia de livre mercado e onde fosse mais barato produzir", diz o professor. "Mas, agora que a China está usando México e a América Central como espaços de mão de obra barata, os Estados Unidos estão tomando medidas protecionistas", complementa.
Republicanos e democratas não são tão diferentes assim
Questionado sobre como Donald Trump e Kamala Harris conduzirão as políticas sobre migração, Cantú avalia que, "em essência, não muda muito".
Primeiro porque a entrada de pessoas de outros países é vista, tanto por republicanos quanto por democratas, como uma questão de segurança nacional. E os responsáveis pelo controle das fronteiras, independentemente do governo de ocasião, tendem a assumir uma postura mais conservadora.
Além disso, é impossível deter por completo a entrada de estrangeiros à procura de trabalho, uma vez que as próprias empresas americanas dependem dessa mão de obra barata.
Cantú aposta que um eventual governo de Kamala Harris terá um olhar um pouco mais atento a violações dos direitos humanos da população que tenta entrar nos Estados Unidos sem autorização.
"Trump seguirá sendo incendiário e agressivo no discurso. Mas, em termos de governo, não creio que haja muitas diferenças", finaliza.
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