TikTok e Roblox ainda vão ser vistos como os antigos cigarros de chocolate
Quando eu era pequeno, na já distante década de 1980, havia um chocolate em forma de cigarro. Parecia inofensivo ver crianças se lambuzando com o doce de qualidade duvidosa e imitando os trejeitos de adultos fumantes, com os bastões entre os dedos. Hoje, além de risadas, a lembrança provoca uma pergunta inevitável: como aquilo era permitido?
Daqui a 40 anos, é bem provável que tenhamos a mesma sensação quando olharmos para trás e nos dermos conta do que fizemos com crianças e adolescentes ao autorizar a exposição excessiva a telas e o acesso descontrolado a plataformas digitais. Isso vale tanto para redes sociais, como TikTok, quanto para os novos videogames, caso da Roblox.
Não à toa, procuradores do Ministério Público de 13 unidades da federação nos Estados Unidos entraram com ações judiciais contra o TitkTok, na semana passada. Um deles define como "nicotina digital" o algoritmo da big tech chinesa.
É verdade que os processos têm como pano de fundo uma guerra comercial entre as duas maiores economias do mundo, concorrentes na corrida pela tecnologia digital. Há tempos, o Congresso norte-americano ensaia uma lei para obrigar a asiática ByteDance, dona da rede social, a vender suas operações nos Estados Unidos. Mas isso não vem ao caso.
O ponto é que os procuradores afirmam que o TikTok, além de viciar crianças e adolescentes com "explosões de dopamina em seus cérebros", expõe seus usuários a potenciais abusos e a violações de privacidade. O algoritmo também contribui para todo tipo de dano à saúde mental: depressão, ansiedade, perda de sono e dismorfia corporal (uma insatisfação com a própria aparência).
Uma das armadilhas para capturar a atenção dos jovens usuários são as coins, moedas virtuais utilizadas para recompensar performances, que podem ser trocadas por dinheiro de verdade. Quanto mais popularidade, mais dinheiro digital na conta do usuário — e no bolso do TikTok. O aplicativo fica com até 50% das transações, segundo os procuradores.
A Roblox, plataforma febre no mundo inteiro por permitir que seus jogadores criem e monetizem seus próprios games, segue a mesma receita. Sua moeda virtual — o robux — também pode ser usada para liberar o acesso a fases exclusivas ou comprar acessórios especiais, como uma espada super poderosa ou um tênis voador.
Também na semana passada, uma competente investigação da Repórter Brasil, republicada pelo UOL, revelou que a companhia entrou na mira do MPT (Ministério Público do Trabalho) em São Paulo por possível exploração de trabalho infantil.
A jornalista Isabel Harari mergulhou em fóruns de bate-papo na internet e descobriu uma nebulosa indústria que recruta crianças e adolescentes para atuar na programação de games para a Roblox, borrando a fronteira entre diversão e trabalho.
Alguns são pagos em robux. Outros, em PIX. Mas muitos jovens com menos de 18 anos ficam pelo caminho. Mesmo gastando diversas horas por dia em frente a uma tela para programar jogos idealizados por outras pessoas, eles são remunerados apenas em "esperança": a de, quem sabe, entrar no bilionário mercado da indústria tech.
Dia após dia, pesquisas científicas vêm nos alertando para os prejuízos causados pela superexposição a telas e plataformas digitais. Acreditar que cabe apenas aos pais impor limites aos filhos é passar um cheque em branco a companhias com mais poder e dinheiro do que muitos países.
Construir uma regulamentação para impedir que big techs continuem fazendo o que bem entendem é mais do que necessário: é urgente. Não se trata de banir plataformas, assim como não extinguimos o tabaco e o açúcar. Mas existe um limite que precisa ser traçado: algoritmos não podem ser cigarros de chocolate.
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