CLT paga até oito vezes mais imposto do que um milionário no Brasil
O governo federal está de olho nos cerca de 250 mil brasileiros com renda anual de ao menos R$ 1 milhão, segundo dados da Receita Federal.
O motivo é simples: eles pagam, na pessoa física, muito menos tributos do que poderiam. Proporcionalmente, um CLT pode arcar com quase oito vezes mais que um desses milionários, por exemplo.
A ideia em debate no Ministério da Fazenda, segundo apurou a Folha de S.Paulo, é criar um imposto mínimo, entre 12% e 15%, sobre os rendimentos desse seletíssimo clube — tão restrito que não representa nem 0,01% dos 102 milhões de brasileiros com alguma ocupação, de acordo com o IBGE.
A pedido do jornal, o Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da Universidade de São Paulo (Made-USP) calculou o impacto dessa eventual tributação. Se o imposto de 15% realmente vingar, a receita do governo pode alcançar R$ 90 bilhões anuais.
O plano é usar essa montanha de dinheiro para aumentar a faixa de isenção do imposto de renda e tentar cumprir a promessa de campanha feita por Lula nas eleições de 2022: poupar da mordida do Leão os brasileiros que ganham até R$ 5.000 por mês.
'Alíquota efetiva para milionários não ultrapassa 5%', diz pesquisador
O não tão curioso caso dos milionários (e bilionários) pouco tributados é uma aula de como opera a desigualdade no nosso país.
Vejamos o caso de um típico trabalhador de carteira assinada. De cada R$ 10 ganhos como salário, até R$ 4 podem ser descontados em pagamentos de imposto de renda e contribuição previdenciária. Uma senhora garfada.
Porém, "quando se atenta apenas para os milionários, a alíquota efetiva atual não ultrapassa 5%", afirmou à Folha o pesquisador Guilherme Klein Martins, do Made-USP. Um tapinha de nada.
Isso quer dizer que, proporcionalmente, um empregado CLT pode recolher até oito vezes mais em tributos do que um dos 250 mil milionários do país. Não é preciso ser especialista para entender que tamanha discrepância não faz qualquer sentido.
Isso acontece por diversos motivos. O mais polêmico deles é a isenção de imposto de renda para os chamados "lucros e dividendos". Desde 1995, esses recursos são livres de tributação, o que coloca o Brasil na contramão dos países mais desenvolvidos do mundo.
Como esta coluna já noticiou, é conhecido o caso do cidadão contribuinte com renda total de R$ 1,4 bilhão que, em 2019, declarou o equivalente a R$ 1,3 bilhão em dividendos livres de impostos, segundo a própria Receita Federal.
Tributos no Brasil estão longe de provocar 'fuga de capitais'
Toda vez que este assunto vem à tona, os opositores de sistemas tributários "progressivos" — quer dizer, que cobram proporcionalmente mais dos mais ricos — batem nas mesmas três teclas.
Primeiro: o governo precisa cortar na carne, e não aumentar impostos. Segundo: tributos altos geram fuga de capitais e, por essa razão, são ineficientes. Terceiro: elevação de impostos para ricos desincentiva investimentos.
Newsletter
OLHAR APURADO
Uma curadoria diária com as opiniões dos colunistas do UOL sobre os principais assuntos do noticiário.
Quero receberEsses argumentos precisam, sim, ser levados em conta, diz o pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Manoel Pires, um dos maiores especialistas sobre o tema no país. Mas essa nem de longe é a realidade do país.
"A evidência que se tem sobre um sistema tributário progressivo afetar a capacidade econômica dos mais ricos, e acabar gerando um efeito contraproducente, é que isso aconteceria em níveis de progressividade muito elevados, muito distantes do que a gente vê no Brasil", afirmou Pires, em entrevista a esta coluna.
"O aumento da progressividade do sistema é muito bem-vindo. O imposto mínimo, sem dúvida, é uma uma forma de fazer isso de forma engenhosa", disse o pesquisador do Made-USP à Folha.
Até aqui, o governo tem sido cauteloso sobre o projeto. O vazamento da ideia pode ser até um balão de ensaio para a segunda fase da reforma tributária, prevista para o ano que vem.
Depois de reformar o sistema de cobrança de imposto sobre o consumo, será a vez de remodelar a forma como são taxadas as rendas dos brasileiros. Um conceito precisa estar no centro do debate: justiça tributária. Isso quer dizer que os ricos precisam pagar mais para que os pobres possam pagar menos. Como em qualquer país civilizado.
Deixe seu comentário