Reduzir tempo de tela para crianças é questão de saúde e de trabalho
O best-seller do momento — "A Geração Ansiosa", do psicólogo norte-americano Jonathan Haidt — demonstra uma tese para lá de convincente: a exposição excessiva a tablets e smartphones está envenenando a cabeça de crianças e adolescentes.
Desde 2010, casos de depressão e até de suicídio vêm explodindo nas primeiras faixas etárias dos países desenvolvidos, analisados no livro. No Brasil, reportagem da Folha de S.Paulo do último domingo aponta tendência semelhante: a taxa de pacientes de 0 a 14 anos com transtornos de ansiedade já supera a dos adultos.
A hiperconectividade, diz Haidt, é a principal causa desse fenômeno absolutamente preocupante. Não é difícil visualizar o que o autor está denunciando: qualquer restaurante de fim de semana tem uma penca de crianças vidradas em telas de dispositivos eletrônicos, até mesmo enquanto comem.
Levando em conta os cada vez mais evidentes danos à saúde mental causados por smartphones e companhia ilimitada, até surpreende a demora para que o problema fosse tratado como o que realmente é: uma verdadeira epidemia.
Reduzir o tempo de tela para crianças e adolescentes é, antes de tudo, um imperativo de saúde pública. Mas, para além desse evidente bem maior, também pode ser uma necessidade econômica: garantir gerações futuras mais focadas - e produtivas.
Mudança de foco a cada 47 segundos
No mundo do trabalho, há anos a tecnologia digital, sobretudo a contida nos nossos celulares de bolso, é investigada como uma "arma de distração em massa", para usar a definição do jornalista espanhol Joseba Elola.
Um estudo seminal de 2016 feito por pesquisadores do prestigiado MIT (Massachusetts Institute of Technology), em conjunto com especialistas da Microsoft, concluiu que os funcionários de empresa mudaram de tela — e de foco — a cada 47 segundos. Difícil acreditar que, de lá para cá, a situação tenha melhorado.
Não à toa, o psicólogo e influencer Álvaro Bilbao cunhou a expressão "monkey mind" (mente macaco, numa tradução livre) para ilustrar a crescente incapacidade de prestar atenção ao que outra pessoa está dizendo. É como se nossa concentração pulasse de galho em galho, o tempo todo.
Smartphones e habilidades socioemocionais
É evidente que essa espécie de "sequestro do foco", um verdadeiro arrastão promovido pelas tecnologias digitais, não se resume à chamada geração Z, dos nascidos entre 1997 e 2012. Quem não se sente ansioso hoje em dia? Aliás, se você avançou até aqui neste texto, sinta-se parte de um clube bastante seleto.
Mas as evidências apontam que, para esta geração que nasceu e cresceu entorpecida pela hiperconectividade, as consequências podem ser mais graves. O comprometimento da sociabilidade, ou seja, da capacidade de se portar em sociedade, é uma das principais.
No Brasil, 91,4% das crianças diziam ter facilidade para fazer amizades na escola, no começo do século. Esse número caiu para 86,3% em 2012 e, dez anos depois, desabou para 69,6%, ainda segundo os dados compilados pela Folha.
Os dados acendem alertas importantes sobre uma eventual escassez de "habilidades socioemocionais", tão cobradas dos profissionais de sucesso nos dias de hoje. Isso inclui saber ouvir críticas, cultivar empatia e demonstrar capacidade para lidar com adversidades.
Uma recente reportagem da revista inglesa The Economist fornece outro exemplo nesse sentido. Apesar de não ter atravessado recessões profundas e contar com um mercado de trabalho mais amistoso do que o enfrentado pelos Millennials (nascidos entre 1981 e 1996), a geração Z dos países desenvolvidos é menos empreendedora. "Quem consegue citar alguém dessa geração que tenha fundado uma startup?", ilustra a publicação.
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Quero receberÉ importante não sucumbir à tentação do conflito geracional e resistir ao clichê de que os jovens de hoje são menos durões que os de antigamente. Mas há um alerta urgente no ar: precisamos atenuar a dependência do smartphone, principalmente entre crianças e adolescentes. Para o bem da vida — e do futuro profissional — delas.
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