'Desemprego baixo se deve a 2 mi que deixaram mercado de trabalho', diz FGV
Em abril, a taxa de desemprego no Brasil bateu 7,5% — o nível mais baixo em dez anos. Ao longo de 2023, a massa de rendimentos do trabalho teve crescimento de 11,7% acima da inflação.
No entanto, o mercado aquecido vem despertando preocupações, sobretudo no possível impacto sobre a inflação. "Não à toa, o Banco Central deu uma parada na taxa de juros", avalia Fernando de Holanda Barbosa Filho, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV).
Em entrevista exclusiva à coluna, Barbosa afirma que parte da queda do desemprego se deve a pessoas que deixaram de procurar ocupação, em virtude da expansão dos programas de transferência de renda, desde a pandemia.
"Vamos supor que a gente voltasse para o nível pré-pandemia de participação no mercado de trabalho: a taxa de desemprego hoje seria substancialmente mais elevada do que aquela que a gente observa", por volta de 9%, calcula o pesquisador.
Titular da Secretaria de Políticas Públicas de Emprego durante o governo de Jair Bolsonaro, responsável por ações de qualificação de mão de obra e geração de postos de trabalho, Barbosa também fala sobre a necessidade de incrementar a produtividade no país.
"A pergunta é: por que, embora a gente tenha uma população cada vez mais qualificada, em termos de anos de escolaridade, a produtividade não tem aumentado?"
Confira a íntegra da entrevista abaixo.
O desemprego está na casa de 7,5%. A renda do trabalho teve alta em 2023, o maior salto desde o Plano Real. Como o senhor avalia o atual cenário do mercado de trabalho?
Uma parte importante dessa taxa muito baixa é porque a gente perdeu alguns milhões de pessoas no mercado de trabalho. Houve mudança na participação do trabalhador por conta do aumento dos benefícios sociais. Vamos supor que a gente voltasse para o nível pré-pandemia de participação no mercado de trabalho: a taxa de desemprego hoje seria substancialmente mais elevada do que aquela que a gente observa. Em vez de ela ficar no 7,5%, ela ia para a casa dos 9%.
A gente teve a pandemia, o pessoal saiu e não voltou. Não só não voltou, como não deve voltar. E não volta justamente por conta do crescimento dos programas de transferência de renda. O Bolsa Família antigamente custava entre 0,4% e 0,5% do PIB. Hoje custa 1,5%. A um valor baixinho, aquilo não desestimulava a trabalhar. Mas, no valor atual, isso desestimula. As pessoas saíram do mercado de trabalho, o pessoal de baixa renda, e aparentemente não vai voltar. O que isso faz? Isso reduz a oferta de trabalho.
Mas isso é necessariamente ruim? A gente está falando de um público que tem uma renda muito baixa e que talvez esteja deixando de procurar um trabalho que muitas vezes é precário e que remunera mal?
Mas isso se reflete no mercado de trabalho mais apertado. Vou te dar um exemplo. A gente desperdiçou, pelas nossas regras previdenciárias [antes da reforma de 2019], grande parte do bônus demográfico [período em que a população economicamente ativa supera a de idosos e de pessoas até 14 anos], porque pessoas com 53 anos se aposentavam.
Naquela hora que era para a economia fazer o "catch-up" [se desenvolver], porque você tem mais gente trabalhando, o PIB acelera e você consegue ganhar renda per capita, parte disso a gente jogou no lixo porque deixava as pessoas se aposentarem com 50 anos. Então, você ia recuperar parte disso [com a reforma].
Agora, simplesmente a gente jogou esse efeito fora, porque 2 milhões de pessoas saíram do mercado de trabalho e não vão voltar. Você criou uma taxa de desemprego artificialmente baixa, porque a gente mudou o termômetro, basicamente, de medir o mercado de trabalho. A taxa parece muito baixa. Na verdade, todo mundo que quer está trabalhando, mas uma grande parcela da população desistiu de procurar emprego.
Alguns economistas dizem que a atual taxa de desemprego está inclusive abaixo da chamada "taxa natural", aquela que não pressiona a inflação, pela falta de mão de obra. O senhor concorda com essa avaliação?
É muito difícil calcular [a taxa natural] agora. O padrão anterior era em torno de 9,5%. Mas, se eu tirar dois pontos, porque as pessoas saíram do mercado de trabalho nesse momento, ela cairia para 7,5%. No entanto, não há a menor dúvida de que ela está por perto.
O que surpreendeu é que, em abril deste ano, ela [a taxa de desemprego] veio bem mais baixa. Depois de um tempo em que a taxa ficou estável em torno de um determinado valor, oscilando 0,1 para baixo, agora a gente tem uma taxa de desemprego que bateu 7,2% com o ajuste sazonal.
A gente está em uma situação na qual o mercado de trabalho está aquecido, a renda está crescendo forte e aquela gordura que a gente criou durante a pandemia foi embora.
E existe o risco de que esse processo possa gerar inflação. É isso?
Exatamente. Na hora que você pega o crescimento do mercado de trabalho, o salário começa a aumentar e aquela gordura que você tinha entre o ganho de produtividade e a queda do salário acaba, você começa a gerar problema.
Porque, se agora eu tenho um trabalhador que me custa mais do que ele produz, o que eu tenho que fazer? Repassar o preço. Não à toa, o Banco Central deu uma parada na taxa de juros, teve sinais externos, mas também tem sinal interno de aquecimento do mercado de trabalho.
A produtividade do trabalho no Brasil é muito baixa, cresce na base de 1% ao ano há décadas. Mas o que isso quer dizer na prática e qual é a explicação para esse fenômeno?
À medida que se vai adotando nova tecnologia, o mesmo trabalhador é capaz de gerar mais produto ao longo do tempo. Aquele mais produto que ele vai gerando vira os ganhos de produtividade, e aí obviamente uma parte importante daquilo vira salário.
A gente tem um trabalho no Observatório [da Produtividade, do Ibre/FGV] em que a gente mostra que os ganhos no salário médio do Brasil, ao longo dos últimos anos, se deve à melhora da composição educacional da população. Então, a pergunta é: por que, embora a gente tenha uma população cada vez mais qualificada, em termos de anos de escolaridade, a produtividade não tem aumentado?
A gente demorou décadas para universalizar a educação. A gente só fez isso na década de 90. Em geral, a primeira fase é essa: você universaliza e a qualidade cai. É natural você ter um problema de qualidade. O problema é que a gente não consegue resolver.
E aí tem outra parte: possivelmente a gente está formando alunos que estão sendo treinados em coisas que o mercado de trabalho não demanda. Logo, quando ele chega para trabalhar, ele não adiciona produtividade.
O mercado está cada vez mais demandante. Não vamos nem falar em AI [Inteligência Artificial, na sigla em inglês]. A AI pode ser complementar ou substituta. Se você tiver uma mão de obra bem qualificada, ela é complementar. Se você tiver uma mão de obra fraca, ela é substituta.
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