Justiça bate cabeça em decisões sobre bloqueios de motoristas de aplicativo
Ações movidas na Justiça estadual — também chamada de "Justiça comum"— por motoristas de aplicativo que questionam o cancelamento de seus cadastros por plataformas têm gerado uma série de decisões contraditórias.
Na avaliação de fontes ouvidas pela coluna, as divergências são alimentadas pela falta de um entendimento consolidado das instâncias superiores do poder judiciário sobre a natureza dessa atividade profissional e pela demora na aprovação de uma regulamentação específica pelo Congresso Nacional.
Só no TJSP (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo), existem ao menos 400 processos com pedidos de indenização e de reativação de contas feitos por condutores que se sentiram lesados pelo descredenciamento realizado unilateralmente por aplicativos. O teor das decisões varia bastante.
Em um caso analisado pela 25ª Câmara do TJSP, por exemplo, os juízes de segunda instância sustentaram que a Uber tem "liberdade contratual" e pode fazer o "desligamento sem justificativa e sem aviso prévio do motorista".
Em sentido contrário, a 36ª Câmara ordenou que a plataforma reativasse a conta de um profissional por entender que a empresa não havia comprovado a violação dos termos de uso.
Já a 30ª Câmara negou pedido de indenização porque a Uber teria demonstrado o motivo do bloqueio da conta: "cancelamentos excessivos" de corridas por parte do motorista, como se os condutores fossem obrigados a aceitar um número mínimo de viagens.
STF precisa decidir sobre vínculo CLT
Na avaliação de Edouard Dardenne Neto, professor da pós-graduação em Direito da PUC (Pontifícia Universidade Católica) e do Mackenzie em São Paulo, o passo mais importante para harmonizar a jurisprudência — ou seja, garantir decisões semelhantes — deve ser dado pelo STF (Supremo Tribunal Federal).
Em processo relatado pelo ministro Edson Fachin, a corte vai bater o martelo sobre a existência ou não de vínculo empregatício, nos moldes da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), entre motoristas e aplicativos. O julgamento também vai determinar que ramo do poder judiciário terá competência para analisar os contratos entre profissionais e plataformas: Justiça do Trabalho ou Justiça Comum.
No entanto, diz o professor, tanto os TJs como o STJ (Superior Tribunal de Justiça), segunda e terceira instâncias da Justiça Comum, poderiam estabelecer parâmetros para as ações que já vêm julgando.
Basicamente, há duas perguntas a serem respondidas: as plataformas podem descredenciar motoristas sem motivação? Em caso negativo, que critérios precisam seguir caso tenham de justificar o bloqueio de profissionais? "Isso precisa ser determinado, a gente precisa ter transparência", afirma Dardenne Neto.
Para o procurador do MPT (Ministério Público do Trabalho) e professor de Direito da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), há uma "confusão" de linhas de pensamento jurídico nas decisões da Justiça que reconhecem a liberdade das plataformas para descredenciar motoristas, sem justificativa.
Na opinião de Carelli, que defende o vínculo empregatício CLT entre motoristas e aplicativos, só um empregador de fato poderia romper unilateralmente um contrato, pagando os encargos da rescisão.
Já num contrato de natureza não trabalhista, como querem as plataformas, a relação não poderia ser extinta sem cláusulas claras previstas em contrato. "É toda uma confusão que vai causar cada vez mais confusões. Qualquer um — que queira ver — vai ver que o motorista é um trabalhador", afirma.
O que dizem motoristas e plataformas
Reclamações sobre punições injustas e desligamentos arbitrários impostos por plataformas são recorrentes entre motoristas.
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Quero receberNão à toa, o tema da "transparência" foi um dos mais debatidos na comissão montada em Brasília pelo governo federal, no ano passado, para tentar construir uma nova regulamentação para a categoria. O grupo de trabalho deu origem ao Projeto de Lei Complementar 12/2024, atualmente em tramitação no Congresso.
"As plataformas têm que justificar e, mais do que justificar, informar que o motorista vai ser bloqueado", defende Carina Trindade, presidente do Sindicato dos Motoristas por Aplicativos do Rio Grande do Sul e integrante da comissão montada na capital federal. "Aquele motorista que comprou um carro ou investiu num carro mais caro para trabalhar precisa saber que vai ser bloqueado e ter uma chance de se defender", complementa.
Em nota, a Amobitec (Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia) afirma que as decisões judiciais divergentes causam "insegurança jurídica". Segundo o texto, uma decisão da terceira turma do STJ já estabeleceu que "não existe impedimento para que a plataforma de aplicativo de transporte individual suspenda imediatamente a conta de motorista em razão de ato considerado grave".
Por fim, a nota informa ainda que a entidade defende a "evolução da relação entre plataformas e motoristas parceiros em direção a uma maior transparência, incluindo o estabelecimento de critérios claros para todos". Porém, sustenta que eventuais "regulamentações não devem incluir dispositivos que venham a promover a intervenção direta na operação das empresas".
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