Governo atende Uber e 99 em regulamentação do trabalho de motoristas de app
Uber e 99 saem como as grandes vitoriosas na divulgação do Projeto de Lei Complementar (PLC) do governo federal que regulamenta a atividade dos motoristas de aplicativo. Anunciado na tarde de segunda-feira (04), em Brasília, o texto segue agora para o Congresso Nacional, onde deverá ser apreciado e votado pelos parlamentares.
Quase seis meses após o encerramento de uma comissão especial montada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) para costurar um acordo entre representantes de empresas e lideranças de motoristas e entregadores, e que acabou não fechado, o PLC foi finalmente divulgado. A proposta, no entanto, trata apenas dos condutores de aplicativos de transporte e não abrange os profissionais do delivery.
Basicamente, o projeto de lei cria um novo regime — o do "trabalhador autônomo por plataforma" — que contempla as duas bandeiras centrais das empresas do setor. Primeiro: afasta o vínculo empregatício nos moldes da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).
Segundo: determina o pagamento apenas pelo tempo efetivamente gasto em corridas e não remunera o período total à disposição dos aplicativos. Isso quer dizer que os intervalos entre as viagens, que segundo pesquisas podem somar até 40% de uma jornada diária, não vão ser recompensados.
Outro pilar do PLC é a chamada "inclusão previdenciária", para garantir cobertura do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) aos motoristas. Durante o funcionamento da comissão em Brasília, as empresas usaram a proposta como uma espécie de moeda de troca pelo não reconhecimento do vínculo CLT.
Apesar de toparem pagar o INSS dos motoristas, as plataformas sempre discordaram do governo sobre o percentual das alíquotas e defendiam uma contribuição mais baixa. O projeto do governo fixa uma contribuição de 7,5% para trabalhadores e de 20% para os aplicativos — a base de cálculo é de um quarto do valor repassado pelos aplicativos aos motoristas. Mas não será surpresa se as porcentagens forem revistas para baixo no Congresso, onde o ambiente pró-empresas é ainda mais forte.
Empresas festejam Projeto de Lei
A nota oficial da Amobitec (Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia), entidade representante das plataformas líderes de mercado, saudou o projeto do governo como um "passo importante" na regulamentação da atividade por conferir "segurança jurídica" às empresas. A Uber soltou um comunicado na mesma linha, classificando o texto como "importante marco".
Já os críticos consideram que o governo cedeu demais e que demandas históricas da categoria, como a definição de regras claras para impedir o bloqueio arbitrário de trabalhadores, ficaram de fora do PLC.
Nesse caso específico, o texto afirma apenas que as empresas devem seguir o "princípio da transparência" na redação dos contratos e na gestão dos termos de uso das plataformas, sem entrar em detalhes de como isso será feito.
Até mesmo medidas simples aventadas em minutas que circularam ao longo das negociações na comissão especial em Brasília, como a criação de pontos de apoio com banheiros e refeitórios para os trabalhadores, foram retiradas da versão final do projeto.
Governo acena para movimento sindical
Pelo que a coluna apurou, a ideia do governo é deixar as definições sobre esses temas para negociações coletivas. Dessa maneira, o governo também aproveitou o PLC para acenar à sua base histórica: o movimento sindical.
O texto estimula o debate de convenções entre empresas e uma "entidade sindical da categoria profissional 'motorista de aplicativo de veículo de quatro rodas'", a ser criada.
Nesse ponto, o xis da questão é o da representatividade. Sindicatos tradicionais, historicamente ligados ao governo, levaram tempo para captar as mudanças do mundo do trabalho e para dialogar com os uberizados.
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Quero receberPor essa razão, novas lideranças e uma ampla gama de associações foram se formando ao longo dos anos, país afora. Nesse contexto de disputa por protagonismo, conferir legitimidade aos sindicatos não vai ser um desafio trivial.
PLC é divulgado enquanto STF julga uberização
Há quem interprete o projeto de lei como uma estratégia de "redução de danos" por parte do governo, num momento em que o plenário do STF (Supremo Tribunal Federal) analisa o tema da uberização para harmonizar o entendimento sobre os 10 mil processos em curso na Justiça trabalhista, segundo levantamento do gabinete do ministro Edson Fachin.
Analisando votos individuais dos ministros, a tendência é que o STF derrube as decisões dos magistrados trabalhistas que apontam vínculo empregatício e mandam plataformas assinarem a carteira de seus motoristas e pagarem direitos básicos, como férias e 13o salário.
Hoje, o Supremo discute até mesmo o envio das ações movidas por motoristas e entregadores contra aplicativos para a chamada Justiça comum, como se os contratos entre as partes não tivessem natureza trabalhista, mas apenas civil.
Ainda segundo essa leitura, o governo estaria criando um novo regime para garantir benefícios básicos, como piso de remuneração, e manter a competência da Justiça trabalhista, num contexto desfavorável para os trabalhadores no STF.
Entregadores exigiam pagamento de 'hora logada'
O governo segue tentando costurar um acordo semelhante com os entregadores. Na cerimônia de ontem, o presidente Lula e o ministro Luiz Marinho criticaram publicamente o iFood, líder do segmento, por supostamente não ceder nas negociações. A empresa se apressou em soltar nota, negando.
Durante o funcionamento da comissão em Brasília, os entregadores se mostraram mais organizados e combativos do que os motoristas na reivindicação de direitos. Dentre outras demandas, a categoria não abria mão do pagamento da chamada "hora logada", o tempo total à disposição das plataformas.
Por fim, resta uma dúvida fundamental: como o governo pretende regulamentar o trabalho de outros profissionais em avançado processo de uberização, como garçons e faxineiras? Se a estratégia for a de copiar irrestritamente o modelo dos motoristas de aplicativo, está pavimentado o caminho para implosão definitiva da CLT.
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