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Opinião

No Reino Unido e na França, eleitores votam por mais proteção do Estado

As históricas eleições no Reino Unido e na França mandaram um recado importante: os eleitores de duas das mais icônicas democracias ocidentais votaram por mais proteção.

Na terra do Rei Charles III, os trabalhistas voltaram ao poder com ampla maioria no Parlamento, depois de 14 anos de caóticos governos conservadores.

O manifesto do partido liderado pelo advogado de direitos humanos e novo primeiro-ministro, Keir Starmer, não deixa dúvidas quanto às prioridades escolhidas pelos britânicos: reduzir as filas do sistema de saúde e contratar mais professores para as escolas públicas, além de combater a pobreza com a geração de empregos mais produtivos.

Se no Reino Unido o triunfo dos trabalhistas não chegou a surpreender, na França, por outro lado, o pleito foi bem mais agitado. Numa reviravolta digna de cinema, uma ampla coalizão reverteu a vitória em primeiro turno do Reunião Nacional (RN), a ultradireita nacionalista, e garantiu à esquerda o maior número de cadeiras na Assembleia Nacional.

É bem verdade que o RN, liderado por Marine Le Pen, não pode ser considerado um derrotado: a sigla dobrou o seu portfólio de representantes e se transformou na terceira maior força política de um país bastante dividido ideologicamente. Não à toa, Le Pen bradou que a vitória de sua agremiação foi apenas "adiada".

Como bem notou Paul Krugman, economista norte-americano e Prêmio Nobel, o curioso é que a ultradireita francesa baseou seu programa em uma retórica com pontos de intersecção com a esquerda.

O RN prometia baratear a conta de luz para a população e reduzir a idade de aposentadoria para os trabalhadores, revertendo a impopular reforma da Previdência aprovada no ano passado pelo presidente Emmanuel Macron. Para pagar a fatura, o partido planejava, claro, cortar benefícios para imigrantes, seus eternos alvos preferenciais.

Como não poderia deixar de ser, analistas do mercado financeiro torciam o nariz para uma possível vitória do partido de Le Pen, assim como já faziam para a esquerda, temendo o impacto nas contas públicas e estimando déficits de mais 100 bilhões de euros ao ano.

'Tecnocratas' já não enchem os olhos do eleitorado

Nas páginas das principais publicações do mundo, um coro parece estar se formando entre os analistas: não está fácil ser governo, independentemente do espectro ideológico.

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Mandatários mundo afora têm penado para acalmar os ânimos de eleitores cada vez mais ansiosos por "mudança". Macron, que até tem estatísticas econômicas positivas para apresentar, como emprego em alta e inflação em baixa, talvez seja o melhor dos exemplos.

Mas há outros. Na Índia, Narendra Modi, identificado com a direita, até se reelegeu no mês passado, apesar da votação muito menor que a inicialmente prevista. Nos Estados Unidos, Joe Biden, mais à esquerda, corre o risco de perder o comando da Casa Branca para Donald Trump, aquele mesmo do "America First" (em tradução livre, algo como "América em primeiro lugar").

Apesar da insatisfação contra tudo o que está aí, há uma maré se formando, ao menos nas economias desenvolvidas: as pessoas parecem clamar por algum tipo de proteção.

No Reino Unido, esse desejo se materializou na massiva opção pelo manifesto do partido trabalhista, baseado na reconstrução da decadente rede de serviços públicos.

Na França, esse sentimento foi capturado não só pelo programa da direita nacionalista xenófoba, que promete defender os franceses dos supostos perigos da imigração, mas também pela esquerda, que se guia pela ideia de distribuição de riqueza, cobrando mais impostos dos ricos.

Por ora, só há uma certeza: "tecnocratas", como bem encarna a figura de Macron, estão cada vez menos atraentes aos olhos do eleitorado. A arquitetura política e econômica construída na já distante década de 1980, baseada na globalização produtiva, na desregulamentação de mercados e no corte de gastos públicos, está definitivamente em xeque.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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