Precisamos acabar com o mantra de que empresa estatal é patrimônio do povo
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A saída neste mês de agosto dos secretários especiais de Desestatização e Desburocratização reacenderam o debate sobre o real compromisso do governo Bolsonaro com princípios liberais. Mais particularmente, o fato de Salim Matar ter deixado o cargo gerou uma longa discussão sobre a real intenção e capacidade do governo atual levar adiante um amplo processo de privatizações no país. As dúvidas levantadas são pertinentes, seja pelo histórico político contrário a reformas do nosso presidente, seja porque privatizar implica habilidade política para convencer a sociedade dos benefícios de implementar um programa de venda de ativos do Estado.
O segundo aspecto é o que mais me preocupa, porque privatizar implica afetar o interesse de grupos da sociedade, que, em maior ou menor escala, vivem das rendas geradas por empresas públicas. Também implica tirar das mãos de políticos o controle que hoje acabam tendo sobre cargos chaves em estatais. E esses grupos são muito eficientes em defender seus interesses particulares travestindo-os de interesse público. Aliás, o próprio termo "interesse público" é algo um tanto quanto fluído e pode dar margem a todo tipo de interpretação.
Alguns, por exemplo, podem entender que o interesse público estaria associado à necessidade de que as estatais cubram um maior contingente possível de serviços prestados, atuando inclusive em segmentos de mercado com forte concorrência ou em regiões de interesse de determinados grupos. Nesses casos, a função objetiva dessas empresas acabariam sendo maximizar seu tamanho, e não o seu lucro.
Outros podem considerar que as empresas estatais têm a "função social" de gerar empregos ou a obrigação de distribuir verbas para áreas denominadas meritórias, como cultura, esporte, etc. Nada contra tais objetivos, mas uma análise mínima de custo-efetividade indica que a realização deste tipo de política pública fora dessas empresas teria um efeito muito melhor e com mais transparência.
Há também aqueles que imaginam que as estatais são capazes de oferecer seus serviços a preços muito mais baixo do que as empresas privadas, uma vez que não visam lucro. No limite, encontramos discursos de determinados grupos que defendem que certos serviços deveriam ser oferecidos "gratuitamente", esquecendo-se que a contrapartida natural é a injeção de recursos orçamentários público.
Na última década observamos ainda uma corrente que tomou conta dos governos anteriores e que entendeu que essas empresas eram importantes para a consolidação de políticas desenvolvimentistas por meio de compras públicas. Não é segredo para ninguém que o resultado acabou sendo o pior possível. Muita corrupção e ineficiência, além da não entrega de determinados serviços, como os casos de plataformas marítimas.
Finalmente há aqueles menos radicais que justificam que não haveria razão para que empresas estatais que dão lucro sejam privatizadas, esquecendo-se que, em geral, essas empresas são monopólios ou estão inseridas em setores fortemente oligopolizados. Sem falar que a rentabilidade dessas empresas acaba sendo inferior ao uso alternativo que poderia se fazer com os recursos obtidos com uma eventual privatização (ex.: redução dos juros pagos com o abatimento da dívida pública).
Sob o ponto de vista técnico, existem razões de sobra para se acreditar que um amplo processo de privatização das nossas empresas estatais pode elevar substancialmente o nível de bem-estar do povo brasileiro. Em uma resenha muito bem detalhada, o economista César Mattos aponta claramente as razões para se entender que teríamos muito a ganhar com a redução da participação do Estado no mercado (veja na íntegra o texto do economista: Economia da Privatização). Elevar a eficiência das empresas, reduzir a possibilidade de uso político, melhorar as contas públicas, atrair capital privado, principalmente estrangeiro, permitir investimentos em áreas e setores que o setor público não teria condições, são apenas algumas das razões.
Na realidade, o autor do texto aqui citado desmonta cada "falso argumento" em defesa de empresas estatais e mostra que, mesmo em situações da transferência de monopólios naturais para o setor privado, uma boa governança regulatória criaria uma situação superior ao pressuposto equivocado de que empresas públicas têm mais incentivo para perseguir o melhor resultado para a sociedade. Mais do que isso, ele traz fortes argumentos que indicam que empresas públicas têm mais incentivos para a adoção de condutas predatórias anticompetitivas.
Desde que me conheço por gente escuto discursos do tipo "o petróleo é nosso" ou que "este ou aquele governo" quer entregar o (nosso) patrimônio estatal para a iniciativa privada. Mas a realidade é que ao longo de toda minha vida cansei de ver empresas públicas serem alvos de todo tipo de problema. Ineficiências na prestação de serviços, atuação anticompetitiva em mercados, prejuízos astronômicos e quebras que requisitaram injeção de mais dinheiro público, além de um nível de corrupção "nunca antes" visto em outro lugar no mundo são apenas alguns dos problemas observados.
Fato é que "o que é de todos, na grande maioria das vezes, acaba sendo de ninguém". Para mim, só o custo de oportunidade do Estado ter que perder tempo cuidando deste nosso denominado "patrimônio nacional" (o invés de cuidar da educação, saúde e segurança) já seria razão suficiente para empreendermos um forte processo de privatizações. E note-se que, na média, essas empresas na mão do setor privado ampliarão o nível de eficiência e lucratividade, contribuindo, consequentemente, com mais pagamento de imposto para o Estado.
Se há um debate relevante a ser feito não é sobre se devemos ou não privatizar, mas sim como realizar este processo. E para mim a questão fundamental não é arrecadatória. Mais do que gerar recursos para o Estado, devemos aproveitar essa oportunidade para constituirmos um modelo de privatização que permita elevar o nível de concorrência no mercado, inclusive com venda em separado de ativos, como deveria ser o caso dos setores elétrico e de petróleo e gás. E, por óbvio, este processo deve ser acompanhando pelo reforço do ambiente regulatório, inclusive com o fortalecimento da autonomia e independência das nossas agências regulatórias e consolidação de mecanismos críveis de prestação de contas para a sociedade.
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