Logo Pagbenk Seu dinheiro rende mais
Topo

Cleveland Prates

Bolsonaro ignora seu programa econômico, com desemprego e inflação em alta

07/01/2021 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

O presidente Bolsonaro foi eleito com base em três pautas: a de costumes; a de combate à corrupção; e a econômica. Em que pese as três estarem em alguma medida interligadas, tentarei me concentrar neste texto apenas na agenda econômica para avaliar o que foi cumprido até o momento. Para isso, valho-me da proposta apresentada pelo então candidato do PSL, Jair Bolsonaro, intitulada "Brasil Acima de Tudo, Deus Acima de Todos", cujo princípio apresentado está teoricamente baseado no liberalismo econômico.

Como ponto de partida, há que se destacar que foi apresentada e aprovada uma legislação principiológica específica, que busca restringir a atuação do Estado sobre o domínio econômico e garantir o livre mercado (Lei nº 13.874 de 2019). Entretanto, ela é só um ponto de partida. Na realidade, seria necessário revisar uma série de leis que geram uma burocracia interminável, várias relacionadas à forma como o Estado atua ou que envolve a exigência de registros em cartórios, que dificultam e encarecem sobremaneira realizar negócios no país. Aliás, no relatório Doing Business 2020, o Brasil está na 124º colocação em um ranking de 190 países analisados (somente uma posição abaixo daquela destacada na apresentação no programa do PSL em 2018). A notícia mais alentadora neste aspecto é que ainda neste início de ano, o Rio de Janeiro e São Paulo contarão com um plano piloto para abertura e fechamento de firmas (Balcão Único). Mas ainda há muito que se fazer, principalmente se pretendemos alavancar os tão necessários investimentos em infraestrutura.

No que tange à abertura comercial, também caminhamos muito pouco. Apesar dos esforços da equipe econômica e da premência sugerida no programa de governo, o que temos assistido é uma submissão desta pauta a todo tipo de atropelo por parte do próprio presidente. No início do governo Bolsonaro, por exemplo, foi anunciado o acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia, que vinha sendo negociado havia anos. Entretanto, perdemos essa janela de oportunidade pela postura agressiva do governo brasileiro no que diz respeito a questões de meio ambiente. Aliás, as declarações do presidente e de seus ministros, que muitas vezes são mais fortes do que seus atos, têm dado base para todo tipo de dificuldade nas relações comerciais internacionais.

Há que se pontuar também que o alardeado corte geral de tarifas anunciado como fundamental para elevar a competitividade do país e reduzir preços ao consumidor não avançou, se limitando a poucos casos. De toda forma, as análises de pedidos antidumping na área de defesa comercial passaram a seguir critérios mais técnicos, reduzindo o espaço para medidas protecionistas neste âmbito.

No capítulo privatizações, praticamente nada foi feito. Pelas minhas pesquisas, foram extintas apenas três empresas (CorreiosPar, Casemg e Codomar) e autorizado o processo de extinção de uma quarta (a Ceitec). Aliás, o presidente tem se posicionado contra a venda de ativos federais incluídas no PPI, como o caso da Casa da Moeda e da Ceagesp. Pior é ver a criação da NAV Brasil, derivada de parte da Infraero. Sem falar de sua restrição a privatizações de bancos públicos e até mesmo às maiores empresas, como a Petrobras. Tudo indica que a previsão de reduzir em 20% o volume da dívida (hoje já muito maior) por meio de privatizações não será nem de perto alcançada.

Algumas poucas concessões caminharam nos setores aeroportuários, rodoviário e ferroviário. De toda forma, há a expectativa de que a partir deste ano uma série de concessões sejam levadas à frente. Atualmente o governo tem uma lista de 201 projetos envolvendo privatizações e concessões, sendo que 115 estão previstos para 2021. Há concessões previstas nas mais diversas áreas, como portos, aeroportos, rodovias, ferrovias, óleo e gás e energia elétrica. Se isso realmente ocorrer, o nível de investimento e eficiência poderão se elevar razoavelmente na economia.

Por sua vez, muitos dos projetos discutidos durante o governo Temer referentes às reformas microeconômicas, tão relevantes para elevar o nível de investimento no país, começaram a andar no Congresso. São exemplos a Lei do Gás, a BR do Mar e a aprovação do novo marco legal do saneamento. Na esfera institucional, foram aprovadas a Lei das Agências Reguladoras, com objetivo de melhorar a governança e garantir indicações técnicas para cargos de diretoria, e a Lei de Recuperação Judicial, que procurou dar condições negociais para facilitar a recuperação de empresas. Há ainda o Projeto de Lei de Autonomia do Banco Central, que aguarda votação na Câmara, e que pode reforçar a percepção de que a instituição estará blindada de pressões políticas para fazer o que deve.

Já as reformas maiores, que exigem uma discussão mais ampla, pouco avançaram. Muito por culpa do presidente, fizemos uma reforma da previdência limitada, (que protegeu algumas categorias, como a dos militares), e cuja economia prevista para os dez anos subsequentes já foi totalmente "queimada" neste último ano de pandemia. A Reforma Administrativa enviada ao Congresso caminha no mesmo sentido. Muito limitada e mantendo vários privilégios hoje existentes, e com resultado previsto só para o longo prazo. Já a parte da Reforma Tributária que está no Congresso busca apenas simplificar o pagamento de tributos federais. Entretanto é omissa sobre a regressividade do nosso sistema e deverá aumentar a já elevada carga tributária hoje vigente. Em outras palavras, pouco avançamos no sentido de corrigir a nossa trajetória "suicida" do déficit público e não apontamos para um Estado mais justo, ao contrário do quanto especificado no programa do PSL, que indicava, inclusive, a necessidade de se criar um sistema de imposto de renda negativo na direção de uma renda mínima universal.

Na esfera da gestão pública, a proposta era reduzir o número de ministérios (de 29 para 23), cortar cargos em comissão, acabar com o aparelhamento da máquina pública e trabalhar com a ideia de "orçamento base zero" (discutir todos os objetivos das pastas e gastos necessários, ao invés de tomar por base os gastos dos anos anteriores).

De fato, houve uma redução no número de ministérios no início do governo, mas atualmente caminhamos no sentido inverso. Foi recriado o Ministério das Comunicações e hoje já se discute recriar o antigo Ministério da Indústria e Comércio e Serviços (MDIC) e desmembra o da Justiça e Segurança Púbica. Já os Cargos em Comissão, além de não terem sido cortados, continuam a ser utilizados em larga medida para abrigar amigos e aliados ideológicos sem qualificação para os cargos, ou para atender aos interesses dos apoiadores de última hora do grupo do Centrão. Particularmente são preocupantes algumas indicações políticas para as agências reguladoras. A ideia de trabalhar com "orçamento base zero" foi abandonada e substituída pelo velho hábito de construir o orçamento para o próximo ano olhando para o passado e liberar recursos de acordo com os interesses de aliados políticos (ver: Governo Bolsonaro bate recorde na liberação de emendas).

Fato é que hoje estamos com um nível elevado de desemprego (14,2%), sem auxílio emergencial, uma trajetória de inflação que começa a dar sinais preocupantes, principalmente pelos índices de preços ao produtor observados e pelo total descontrole fiscal. Neste cenário, há três possibilidades. A primeira é o presidente se concentrar no que realmente importa e fazer as correções econômicas necessárias, observando, inclusive, o que está no seu próprio programa de governo. A segunda será deixar tudo como está e perder o apoio eleitoral e político que tem. Já a terceira é cair em um populismo econômico, gastando cada vez mais para se reeleger e adotar medidas intervencionista no domínio econômico, como o controle de preços, principalmente dos serviços públicos. É aguardar para ver qual será sua escolha.