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OPINIÃO

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Crise do Orçamento escancara manobras e desmoraliza regras fiscais

21/04/2021 04h00

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Aparentemente o governo e o Congresso Nacional fecharam um acordo para tentar resolver o imbróglio que criaram com o orçamento de 2021. Supostamente, a ideia é combinar vetos a emendas de parlamentares com a redução de gastos públicos envolvendo programas ministeriais e com o funcionamento da máquina. Não precisa ser um expert em orçamento público para saber que há um risco enorme de que essa conta não feche e que, dadas as restrições, o governo possa comprometer sua prestação de serviços à sociedade.

Para além desse problema, foi aprovado nesta terça-feira o Projeto de Lei nº 2 (PLN 2), que permite a abertura de créditos extraordinários no orçamento da ordem de R$ 35 bilhões, sem que sejam adotadas medidas compensatórias, tais como corte de outras despesas ou elevação de receitas. Apesar de o objetivo ser meritório - pois serão recursos direcionados ao BEm (Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda), ao Pronampe (Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte) e ao combate à covid-19 - esse valor se somará, por fora, aos R$ 247 bilhões de déficit público primário já previsto no orçamento, agravando ainda mais a situação caótica das nossas contas públicas.

Pior ainda é ver que neste ambiente de terra arrasada, o Congresso Nacional conseguiu a proeza de derrubar nesta segunda-feira um veto de 2009 do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que impedia uma reestruturação de cargos dentro da Receita Federal com elevação de salários de funcionários de nível. Como resultado, criou-se um gasto corrente adicional da ordem de R$ 3 bilhões, segundo estimativas iniciais; e isso, com apoio do próprio governo e do PT.

Em realidade, o que temos observado, tanto por parte do Executivo como pelo Legislativo, é uma total desmoralização da lei que definiu o teto dos gastos e um verdadeiro atentado à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Manobras fiscais têm sido tentadas o tempo todo em Brasília, trazendo de volta o risco de voltarmos ao padrão das "pedaladas fiscais" da então ex-presidente Dilma Rousseff, só que, desta vez, travestidas de algo legal. Entretanto, o grande problema é que essa estratégia não é sustentável nem no médio e muito menos no longo prazo.

Basta ver para onde tem caminhado nossa curva de juros futuros e a própria taxa de câmbio. Pior ainda é observar o efeito de toda essa bagunça sobre nossos índices de inflação. Não por outra razão, o presidente do Banco Central do Brasil (BC), Roberto Campos, afirmou em um evento virtual que, neste momento, a instituição é apenas um passageiro, sendo o piloto o lado fiscal da economia. Essa frase pode ser interpretada com um alerta aos nossos políticos sobre a trajetória suicida que estamos trilhando.

O Banco Central deve continuar elevando os juros para conter a inflação, conforme já sinalizado ao mercado. Mas mesmo esse instrumento monetário tem sua eficácia limitada quando o Estado ignora os efeitos derivados do desrespeito à restrição orçamentária e desconsidera a necessidade de realizar uma boa gestão de recursos escassos, como é o caso do Brasil.

Nosso caminho não será fácil, ainda mais se lembrarmos que nossa Constituição Federal, por si só, foi pródiga em criar direitos sem se preocupar com quem pagaria a conta. Mais do que isso, foram criadas ao longo do tempo várias legislações dando benesses a determinados grupos da sociedade e isentando outros de pagamentos de impostos. Por si só, esse arcabouço institucional criado já define uma trajetória de gastos públicos que exigirá cada vez mais recursos da sociedade.

Vale lembrar que, em 1994, a carga tributária brasileira era da ordem de 29% do PIB. Em 2019, ano antes da pandemia, ela já estava em 32,5%, muito próxima à média de 34% dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Mesmo assim, tivemos um déficit primário da ordem de 1,57% do PIB. Essa situação se torna ainda pior quando lembramos que nessa conta não estão incluídos os juros da dívida, que deverão pressionar ainda mais o déficit público (conceito nominal) nos próximos meses ou até mesmo nos próximos anos, a depender do comportamento da inflação.

Claro que sempre se pode alegar que há muita gordura para cortar antes de pensarmos em elevar impostos. É verdade que existe muita ineficiência no setor público e que a corrupção desvia uma parte dos recursos do Estado. Mas para melhorarmos este cenário, precisamos melhorar o padrão de governança da máquina pública, inclusive por meio de uma reforma administrativa abrangente. Também é fundamental fortalecer os mecanismos institucionais e judiciais de combate à corrupção. O problema é que essas questões não estão sendo endereçadas e, mesmo que estivessem, a conta ainda assim não fecharia.

No fundo, já passou da hora de empreendermos um debate sério sobre qual Estado queremos e quais gastos públicos são realmente relevantes. Definitivamente "não existe almoço grátis" e o Estado não cria recursos, apenas os transfere entre membros da sociedade. Objetivamente, os "privilégios adquiridos de alguns" têm como contrapartida o "direito de pagar imposto de outros". E quando olhamos a forma como nosso orçamento é construído e as distribuições de recursos aprovadas, fica claro o quão injusto e ineficiente é o nosso Estado.

Pior ainda é saber que se continuarmos a elevar a tributação no país, principalmente com essa estrutura disfuncional e regressiva que temos hoje, reduziremos ainda mais nossa capacidade de gerar renda e emprego na economia. E tudo isso sem ter como contrapartida, na grande maioria das vezes, um nível minimamente aceitável de prestação de serviço público.

Nesse sentido, é fundamental cobrarmos dos nossos políticos uma discussão mais séria no processo de elaboração do orçamento público, que leve em consideração o que o Estado pode efetivamente agregar à sociedade (e não o contrário) e que sejam estabelecidos critérios de transferência de renda mais justos, eficientes e transparentes.