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Decisões equivocadas podem adiar concessão de saneamento no Rio de Janeiro

Cedae (RJ): será feito leilão de concessão em cidades na área de atuação da empresa de água e esgoto - Mauro Pimentel/AFP
Cedae (RJ): será feito leilão de concessão em cidades na área de atuação da empresa de água e esgoto Imagem: Mauro Pimentel/AFP

e Leandro Vilela*

29/04/2021 04h00

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Nesta sexta-feira, dia 30 de abril, deve ocorrer o leilão de concessão de distribuição de água e tratamento de esgoto em munícipios de atuação da Companhia Estadual de Água e Esgoto (Cedae). Este processo tem sido bastante conturbado por decisões judiciais e pressão corporativista e política. Infelizmente, esse debate tem sido conduzido por ideias equivocadas, que têm como único objetivo garantir interesses de determinados grupos em detrimento da sociedade fluminense.

Em particular, há que se ter em mente que, ao contrário do que tem sido divulgado na grande mídia, o caso não envolve uma privatização de empresa pública do estado do Rio de Janeiro (a Cedae), mas sim de uma concessão de um serviço municipal. Mais especificamente, o serviço de distribuição de água e coleta de esgoto é uma atribuição municipal e não estadual.

No caso particular do estado do Rio de Janeiro, o serviço foi concedido, na maioria dos municípios do interior e em toda a Região Metropolitana da Capital, à Cedae, uma companhia estadual.

Entretanto, esses municípios, em consórcio, recentemente entenderam por bem realizar um processo licitatório competitivo para selecionar novas empresas para prestar o serviço em quatro blocos diferentes, mediante pagamento de outorga e comprometimento de investimentos da ordem de R$ 30 bilhões (algo que a Cedae nem de longe teria condição de fazê-lo).

Nesse contexto, o primeiro equívoco pôde ser observado em uma decisão monocrática recente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), na qual o desembargador Adolpho Andrade Mello reduziu o prazo máximo de concessão de 35 anos previsto no Edital para 25 anos.

Para isso, o nobre magistrado levou em consideração o disposto na Lei Estadual 2.831/1997, que estabelece o prazo máximo de 25 anos para as concessões estaduais.

Essa decisão, motivada pelo pedido de um grupo de cinco deputados estaduais de oposição - Luiz Paulo (Cidadania), Lucinha (PSDB), Waldeck Carneiro (PT), Gustavo Schmidt (PSL) e Flávio Serafini (PSOL) - mostra também um total desconhecimento técnico sobre como são definidos os valores de referência de outorga em leilões.

Ao reduzir o prazo da concessão em dez anos, o magistrado simplesmente limitaria o tempo disponível para recuperação dos investimentos realizados, tornando a concessão municipal não atrativa para a iniciativa privada. Felizmente, essa decisão foi derrubada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux.

Em uma outra decisão recente, a do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 1ª Região, o leilão foi suspenso com o fundamento da ausência de um estudo sobre os impactos da concessão nos contratos de trabalho vigentes e nos direitos adquiridos dos empregados da Cedae. Neste caso, a desembargadora Claudia Regina Vianna simplesmente não entendeu que a empresa não será privatizada.

Mais uma vez, o presidente do STF derrubou essa nova decisão, estabelecendo ainda que não poderá haver outras decisões de primeira ou segunda instâncias que venham a impedir o leilão da próxima sexta-feira.

Não obstante, bastaria ler o edital de concessão para ver que a Cedae continuará responsável pela produção de água potável, por meio da Estação de Tratamento de Água do Guandú, e dos serviços atualmente prestados em alguns municípios que não aderiram ao convênio firmado para este leilão.

Ademais, não competiria ao magistrado interferir no processo de concessão municipal para garantir "eventuais direitos adquiridos" (ou, visto de outra forma, deveres de pagadores de impostos) de trabalhadores de uma empresa estadual. Há que se lembrar também que a transferência da operação propriamente dita para o vencedor do leilão não ocorrerá imediatamente.

Ao contrário, será um longo processo, que deverá durar no mínimo oito meses (dois até a assinatura do contrato de concessão e mais seis de transição operacional, prazos estes que podem ser prorrogados). Assim, não se vislumbra qualquer dispensa de trabalhadores eficientes no curto prazo.

Mais do que isso, os serviços prestados atualmente pela Cedae nas áreas que serão concedidas para novas empresas terão continuidade e novos investimentos serão realizados, gerando um impacto positivo sobre o mercado de trabalho.

Na realidade, o que se espera é uma realocação de trabalhadores da Cedae para as novas concessionárias e, certamente, os bons funcionários e com mais conhecimento acumulado até acabarão ganhando neste processo, dados os incentivos para o estabelecimento de critérios mais objetivos (menos políticos) de avaliação e de remuneração vigentes no setor privado.

Finalmente, observamos ainda nesta semana a manifestação do presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), Andre Ceciliano (PT). Conforme informado em seu site: "Por que condicionar o leilão da Cedae à renovação do regime de recuperação fiscal?", o presidente da Alerj colocará em votação na próxima quinta-feira, dia 29 de abril, véspera do leilão, "a Proposta de Decreto Legislativo 57/21 que condiciona a venda da Cedae à assinatura da renovação do RRF - e não uma simples adesão à Lei Complementar 178".

Se isso for levado adiante, a confusão entre o que é competência estadual e municipal surgirá novamente. Novamente, o leilão não trata da venda da Cedae, mas sim da concessão de um serviço municipal, que atualmente é prestada pela Cedae.

E, neste caso específico, o presidente da Alerj mistura ainda outros assuntos totalmente distintos e não correlacionados, posto que pretende usar uma concessão municipal como forma de pressionar o Governo Federal a aceitar os termos da repactuação (mais uma vez) da dívida do estado do Rio de Janeiro, que foi irresponsavelmente formada ao longo dos anos.

Note-se que essa estratégia tem como contrapartida uma piora na condição de vida do cidadão fluminense, principalmente do mais pobre, uma vez que a Cedae não tem os recursos necessários para continuar a investir adequadamente na manutenção de redes, quanto mais para implementar um processo amplo e rápido de universalização do serviço.

Obviamente essa limitação continuará a se refletir nos indicadores de doença e mortalidade, além de pressionar ainda mais os gastos públicos com saúde no Rio.

Talvez seja hora de todos os envolvidos nesta sequência de decisões refletirem melhor se estão de fato se guiando pelo interesse público genuíno ou apenas atendendo, mesmo que inconscientemente, a interesses corporativistas ou políticos. Mas enquanto isso não acontece, quem corre o risco de perder com toda essa insegurança jurídica e institucional criada é o morador do estado do Rio de Janeiro.

* Leandro Vilela é economista e advogado especializado em regulação