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Auxílio Brasil expõe o populismo e irresponsabilidade dos nossos políticos

Jefferson Rudy/Agência Senado
Imagem: Jefferson Rudy/Agência Senado

22/10/2021 04h00

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Nas últimas semanas, tomou corpo a discussão sobre a transformação do programa Bolsa Família em Auxílio Brasil, sem que ao menos tivesse sido implementada uma avaliação séria de custo-benefício e custo-efetividade dos programas assistencialistas hoje vigentes, com o objetivo de se desenhar uma política de Estado séria e eficiente.

Aliás, o economista Ricardo Paes de Barros, um dos maiores especialistas na área, há anos vem alertando para a necessidade de revisão do atual cenário. Em particular, ele tem apontado para a necessidade de consolidar os programas vigentes em um só e atrelá-lo a metas de desempenho, que elevem a produtividade na economia e permitam encontrar o caminho de saída da pobreza.

O grande problema, entretanto, é que uma boa parte dos nossos políticos só sobrevive da miséria e da pobreza, na medida em que é exatamente essa dependência extrema que lhes permite a reeleição constante a partir de atitudes populistas, que envolve ser o pai de programas assistencialistas que não resolvem os problemas de longo prazo e criam outros ainda maiores para a sociedade.

O presidente Jair Bolsonaro, por exemplo, quer a todo custo o Auxílio Brasil de R$ 400,00, sem se preocupar com os efeitos sobre as contas públicas e sobre a economia no futuro. Lula já veio em seu Twitter dizer que o PT defende R$ 600,00, sem explicar de onde sairá esse dinheiro.

Já o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP/AL), em conjunto com o Centrão e com a própria ala política do governo, tem apresentado todo tipo de proposta esdrúxula e absurda como sendo a única forma de viabilizar a destinação de recursos para os mais carentes da sociedade.

Na visão deles, uma combinação de um calote dos precatórios (que, por definição, já é um calote), com uma "pedalada fiscal supostamente legalizada" que permitisse furar o teto dos gastos definido na Constituição, seria a melhor saída para recuperar a popularidade do presidente e permitir sua reeleição.

Contudo, essa lógica apresenta dois problemas. O primeiro é que essa estratégia não seria necessária se o governo e o Congresso tivessem cumprido seriamente seus respectivos papéis. Da parte do governo, melhorar a eficiência do gasto público, implementar um amplo processo de privatizações, encaminhar decentes propostas de reformas administrativa e tributária.

Da parte do Congresso, levar à frente uma agenda econômica séria que contemple reformas estruturantes e deixar de lado esse fetiche de acabar com os mecanismos de combate à corrupção também ajudaria muito. Com isso sobraria dinheiro mais do que suficiente para criar um programa sério de apoio aos mais necessitados no Brasil.

Mas infelizmente o que temos visto em Brasília é uma total irresponsabilidade. No Executivo, nenhuma melhoria na qualidade dos gastos públicos, fraudes no auxílio emergencial, péssima gerência da pandemia e abertura dos cofres públicos para criação de orçamento secreto para liberar emendas bilionárias aos nossos parlamentares, no melhor estilo "compra de votos", são apenas alguns exemplos.

No Congresso, aprovação de uma "pseudoprivatização" da Eletrobras, que mais atende a interesses de determinados grupos, o encaminhamento de uma reforma do imposto de renda, que não resolve o imbróglio tributário vigente e desincentiva novos investimentos, o início de uma discussão covarde e corporativista sobre reforma administrativa, que não alcança Judiciário e militares, além de preservar "privilégios adquiridos", são outros exemplos.

E isso sem falar dos fundos partidários e eleitoral bilionários, gastos absurdos no Legislativo, e a criação de mais um Tribunal Regional Federal (TRF 6), para uma justiça que é uma das mais caras e ineficientes do mundo, segundo vários estudos internacionais. Em outras palavras, seria possível criar um programa eficiente, sem calotes e sem furar o teto dos gastos.

Mas o pior de toda essa história é que ao trilharmos o caminho do descontrole fiscal, como tudo indica, criaremos um segundo problema que é muito maior. O câmbio e a inflação continuarão a subir, forçando o Banco Central a elevar ainda mais os juros.

Consequentemente, o déficit e dívida pública crescerão, o nível de investimento e o PIB cairão, elevando ainda mais o desemprego no país no médio e longo prazo, fazendo com que necessitemos de mais recursos para programas assistenciais. E isso sem falar da óbvia queda de arrecadação tributária, associada ao menor nível de atividade econômica.

Assim, entraremos em um ciclo vicioso, que certamente levará o país a um agravamento da crise econômica e social que vivemos. E tudo isso na esperança de reeleger o presidente e a mesma turma do Centrão que tem ocupado o Congresso há anos e dificultado a retomada do crescimento do país.

Claramente a equipe econômica sabe disso. Não por outra razão, ontem, os Secretários Especial do Tesouro e Orçamento, Bruno Funchal, e do Tesouro Nacional, Jeferson Bittencourt, pediram demissão; sendo que há rumores da saída de outros técnicos do Ministério da Economia, que não concordam com o populismo fiscal que tomou conta do governo.

Mas infelizmente, declarações recentes do Ministro da Economia, Paulo Guedes, indicam que ele próprio já sucumbiu e está disposto a dar o calote e quebrar o teto dos gastos. Como disse um amigo economista, doutor pela Escola de Chicago, o Ministro inovou e acabou de criar o "teto solar dos gastos". Pena para sua imagem e principalmente para o país, que terá que arcar com mais essa conta.