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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

COP26 mostra muitas promessas e pouca explicação sobre como cumpri-las

Glasgow, Escócia, Reino Unido: Entrada principal da conferência da COP26 sobre mudança climática - Mark Lowery/iStock
Glasgow, Escócia, Reino Unido: Entrada principal da conferência da COP26 sobre mudança climática Imagem: Mark Lowery/iStock

05/11/2021 04h00

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Não tenho dúvida sobre a necessidade de se preservar o meio ambiente, principalmente para que as gerações futuras tenham uma qualidade de vida melhor do que a nossa. O problema não é o "se" devemos preservá-lo, mas sim o "como" fazê-lo, em "qual ritmo" e "quem" pagará essa conta.

É muito fácil levar ativistas para discursos bonitos e ver políticos fazendo promessas de todo tipo para seus respectivos eleitorados. Mas a questão é muito mais complexa do que parece e envolve muitos vetores que devem ser bem pensados e planejados, para que a execução seja factível e não se torne fonte interminável de conflitos no futuro.

Nesse sentido, a interface entre meio ambiente e economia é um ponto nevrálgico neste debate. Não por outra razão, um dos principais argumentos em defesa da preservação do meio ambiente está associado aos efeitos que sua destruição causa na economia, impondo um custo excessivo à sociedade, mensurado pelos gastos incorridos com desastres derivados de efeitos climáticos, doenças, redução da produtividade no campo, etc.

Não pretendo aqui discutir tais aspectos, mesmo porque isso envolveria um trabalho crítico de levantar hipóteses e testar causalidades por métodos científicos, coisa que nem sempre se observa em documentos que são apresentados em defesa de mudanças drásticas no comportamento atual da sociedade moderna.

Não que eu duvide que a interação humana com o meio ambiente gere problemas. Apenas sinto falta de estudos "menos engajados" (mais neutros cientificamente falando), que possam indicar a proporção e a rapidez do estrago que estamos causando; mesmo porque isso pode nos ajudar a definir o rumo menos custoso da mudança que devemos empreender.

Se o efeito positivo da preservação do meio ambiente sobre a economia já está incutido na cabeça da maioria das pessoas, o seu custo associado não é algo tão conhecido. Não obstante, a existência da COP 26 indica que a humanidade já assumiu que a análise de custo-benefício das alternativas apresentadas pende positivamente para a decisão de preservar o meio ambiente.

Assumindo essa hipótese como verdadeira, restaria então definir qual a trajetória que apresenta a melhor relação custo-efetividade, ou seja, quais serão as escolhas que podem nos levar aos objetivos de preservação definidos aos menores custos econômico e social possíveis. E nesse aspecto, parece que estamos navegando sem um norte claro que nos permita encontrar a saída desse labirinto.

Há uma série de perguntas que não foram feitas ou, se foram, não estão adequadamente respondidas. Pelo lado da demanda, por exemplo, seria fundamental avaliar o crescimento econômico nos anos vindouros. Essa é uma questão-chave para sabermos qual a necessidade de oferta futura de energia.

Outra questão importante é saber (pelo lado da oferta) como e em qual ritmo conseguiremos fazer a conversão da matriz energética hoje vigente, sem que haja escassez de energia ou sem que o preço se eleve substancialmente, gerando recessões econômicas e efeitos sobre nível de renda e emprego.

Coordenar e planejar o crescimento da oferta de acordo com as necessidades do lado da demanda é o mínimo que se espera nesse processo; e certamente terá impacto sobre o ritmo da mudança que poderemos realizar de maneira sustentável, não só ambientalmente, mas econômica e socialmente.

Se avançarmos ainda mais nessa discussão, há ainda que se questionar qual o custo de oportunidade que alguns países, como Brasil, Canadá, Rússia, incorrerão na preservação de suas florestas e qual o benefício que trarão para todos os demais habitantes do planeta. É de se esperar que o esforço empreendido por esses países seja compensado de alguma maneira por todos os beneficiados.

No fundo, a questão ambiental é muito mais complexa do que simples slogans ecologistas. Haverá sempre custos assimétricos (inclusive de oportunidade) entre países (e mesmo entre grupo dentro de países) no processo de preservação ambiental que precisam ser claramente discutidos, negociados e até mesmo compartilhados.

O debate recente entre EUA, de um lado, e China e Rússia, do outro, é apenas um exemplo do nível de dificuldade envolvida. E isso sem falar do impacto sobre os países mais pobres, que podem ser os que mais sofrerão com metas mal desenhadas e ritmos de mudanças inadequados.

Na prática, criar um acordo global de preservação do meio ambiente é naturalmente uma tarefa hercúlea, dadas as disparidades econômicas e sociais entre os vários países, além das diferentes matrizes energéticas e disponibilidade de recursos naturais (principalmente florestais).

Em realidade, para que uma reunião do tipo da COP 26 fosse efetiva, ela deveria ser capaz de mapear os grandes blocos de custos incorridos pelos diversos stakeholders envolvidos nesse processo, identificar os maiores beneficiários e os com maiores possibilidades contributivas e definir um rateio "justo" da conta de preservação ambiental a ser paga ao longo do tempo.

No jargão econômico da teoria dos jogos, seria como conseguir transformar um "jogo não cooperativo" entre países, no qual todos perdem, em um "jogo cooperativo", em que todos contribuem em alguma medida (ambiental e/ou financeiramente) para que as futuras gerações possam usufruir dos recursos naturais poupados.

Visto de outra maneira, a COP 26 deveria, no mínimo, ser capaz de produzir incentivos adequados para que todos se engajassem na redução das emissões e criar penalidades críveis por descumprimento de metas acordadas. Por isso, tenho sido cético sobre o que pode sair de Glasgow.