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OPINIÃO

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Decisão do STJ está ultrapassada; lista da ANS é que deveria melhorar

Superior Tribunal de Justiça, em Brasília (DF) - Marcello Casal JrAgência Brasil
Superior Tribunal de Justiça, em Brasília (DF) Imagem: Marcello Casal JrAgência Brasil

Em coautoria com Cláudio Galvão de Castro Junior, médico hematologista com área de atuação em transplante de medula óssea

16/06/2022 04h00

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Na última semana, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) finalmente decidiu se o rol de procedimentos descritos nos planos de saúde seria exemplificativo ou taxativo. De maneira geral, o que se percebeu foi uma tentativa do Tribunal de conciliar a necessidade de se preservar a vida das pessoas com a saúde financeira das operadoras de planos de saúde. Mas nos parece que essa discussão é só a base do problema.

É fato que os avanços constantes da medicina têm trazido benefícios incontestáveis para a saúde de todos nós. Há intervenções, como as vacinas, com baixíssimo custo por habitante e que geram benefícios gigantes. Mas há também tratamentos oncológicos e para doenças raras que salvam milhares de vidas, mas que são muito mais caros.

Conhecer quais são os tratamentos que oferecem o benefício desejado e dentro de um valor aceitável é uma discussão presente em todo o mundo. Um bom exemplo de sistema de saúde pública é o National Health Service (NHS) ou Serviço Nacional de Saúde britânico. Esse sistema possui um Instituto chamado NICE (The National Institute for Health and Care Excellence), numa tradução livre, Agência Nacional para Saúde e Cuidados de Excelência.

O NICE faz avaliações recomendando o que deve ou não ser incorporado ao sistema de saúde, considerando variáveis como custo, gravidade e frequência da doença, além de possíveis tratamentos alternativos. Essas avaliações impactam diretamente na assistência prestada pelo NHS. Tal é a credibilidade do NICE que muitas indústrias farmacêuticas comemoram a aprovação dos seus produtos por esse Instituto.

No Brasil, a Agência Nacional de Saúde (ANS) foi criada com a finalidade institucional de promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde. Ela regula as operadoras setoriais, inclusive na sua relação com os consumidores, contribuindo para o desenvolvimento das ações de saúde no País.

Assim, há todo o sentido que a ANS estabeleça um Rol de procedimentos que devem ser oferecidos aos usuários dos planos de saúde. Garantir que esses procedimentos sejam custo-efetivos, levando à melhor assistência possível aos usuários e garantindo a solvência das operadoras, é algo de interesse público.

Tratamentos inadequados prejudicam os consumidores e as próprias operadoras, pois podem custar caro demais, ter desfechos clínicos inadequados, ou ambos. Infelizmente, o que se percebe é que o Rol de procedimentos da ANS (iniciativa louvável e necessária) tem apresentado diversos problemas desde sua criação.

O primeiro deles é a morosidade na inclusão de novos procedimentos pois, por regras arbitrárias, este rol só pode ser alterado com intervalos de tempo que chegavam a dois anos. Também há regras estranhas, que envolvem a incorporação automática de drogas endovenosas, mas que exigem a incorporação em separado de drogas por via oral.

Dada a velocidade dos avanços, muitas vezes um tratamento melhor e até mais barato é recusado pela operadora, por não constar do Rol vigente; e isso causa atrasos, judicializações, inevitável aumento de custo e piora dos resultados dos pacientes.

A ANS e as operadoras se defendem dizendo que o Rol será aperfeiçoado, porém, essa é uma conversa que se ouve há anos, sem que haja uma melhoria perceptível. Infelizmente, as sociedades médicas de especialidades só são chamadas a opinar depois que os relatórios que ensejam o novo Rol definido ficam prontos.

Diferente do NICE, os pareceres da ANS muitas vezes não são escritos por especialistas na área e reverter o seu conteúdo em uma audiência pública torna-se uma tarefa árdua, gerando posteriormente todo tipo de problema. Exames diagnósticos, por exemplo, são problemáticos, particularmente em se tratando daqueles pouco solicitados, mas que nem por isso são caros.

Este também é o caso de dosagem de nível sérico de bussulfano e voriconazol, usados em pacientes transplantados, que acabam por não serem pagos. As operadoras e a ANS alegam que basta pedir a incorporação, porém, o processo é árduo, consome tempo e verbas.

No fundo, a discussão sobre o Rol ser taxativo ou não é algo ultrapassado. Há muito tempo deveríamos estar discutindo como melhorá-lo, por meio do aperfeiçoamento dos processos de análises, incorporações e exclusões de procedimentos.

Ao simplesmente assumirmos que o Rol vigente vai regular o que pode ou não ser fornecido aos usuários de planos de saúde, sem considerar que ele deveria ser entendido como um processo dinâmico a ser aperfeiçoado, estaremos mantendo uma sobrecarga maior de judicialização, com tratamentos inadequados e de aumento de custos.

A discussão precisa ser muito mais profunda. Por um lado, revogar todo e qualquer Rol, obrigando as operadoras a cobrirem tudo, implicará um aumento de custos insano, inviabilizando, no limite, a saúde suplementar. Por outro, deixar as pessoas completamente desassistidas também não é aceitável.

É preciso ter um olhar correto, construindo um Rol técnico, coerente, ético e custo-efetivo, muito distante do que temos hoje. Ao se persistir a discussão nos moldes atuais, o prejuízo será de todos; operadoras, usuários e do próprio SUS, que terá que abarcar mais milhões de pessoas excluídas da saúde suplementar.