Os pratos a equilibrar no Orçamento de 2024
As despesas públicas primárias (que não incluem juros da dívida) se subdividem em obrigatórias e discricionárias. Respectivamente, são gastos que não podem ser cortados e aqueles onde há maior margem para o chamado contingenciamento. Para 2024, a proposta de orçamento do governo federal prevê R$ 211,9 bilhões em despesas discricionárias.
Após superar o debate da mudança da meta, o governo agora enfrenta a antecipação da discussão sobre as possibilidades de contingenciamento. O tema vai aparecer em março, quando da apresentação do relatório bimestral do orçamento, como avaliamos pioneiramente aos nossos clientes na Warren investimentos.
A saber, existe uma liturgia no processo orçamentário. Sua essência não mudou com o advento das novas regras fiscais. Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), Lei Orçamentária Anual (LOA), acompanhamento por meio de relatórios bimestrais e checagem de metas em janeiro do ano subsequente, por meio da estatística fiscal divulgada pelo Banco Central.
A peça orçamentária (LOA) ainda está tramitando no Congresso Nacional. Também não se apreciou, ainda, a proposta de diretrizes orçamentárias (LDO), onde está fixada a famigerada meta de déficit zero para o ano que vem. Tudo isso precisará ser feito ao longo dos poucos dias que restam até o Natal.
São três pratos, pelo menos, para equilibrar: conter o déficit entre 2023 e 2024; segurar a sanha por gastos muito altos, garantindo margem de contingenciamento; e preservar o recém-aprovado arcabouço fiscal (Lei Complementar nº 200/2023).
São objetivos interligados e intrincados, dependentes de uma boa articulação política e de capacidade técnica. A equipe econômica atual já mostrou que tem as duas coisas.
Com o afastamento da hipótese de abandono da meta fiscal zero para o ano que vem, na última quinta-feira, o debate sobre as possibilidades de corte de despesas rapidamente se instalou. No arcabouço fiscal, está previsto um corte máximo de 25% das despesas discricionárias, que incluem os investimentos, as emendas parlamentares, o custeio da máquina, parte do gasto em saúde e em educação.
Os tais 25% foram carimbados na lei do arcabouço para preservar valores mínimos de gastos ao funcionamento da máquina pública. Eles autorizariam uma redução na "capa de gordura" dos gastos, em relação à proposta orçamentária, de R$ 52,7 bilhões. Essa gordura é fruto de uma proposta inflada para o gasto discricionário.
Para 2023, estimo R$ 161 bilhões para esse tipo de despesa. Se o valor integral pretendido para 2024 fosse mantido, teríamos um crescimento de quase 32%. Além disso, o patamar superaria bastante a média histórica recente.
A verdade é que dificilmente o governo conseguiria gastar essa cifra mastodôntica. Acaba sobrando no fim do ano, como acontecerá em 2023. É o que se convencionou chamar de "empoçamento". Há margem para gastar, mas não há capacidade, na prática, de diversas áreas setoriais.
Nos últimos dias, surgiu uma novidade. O governo passou a defender que o gasto nunca poderia crescer abaixo de 0,6%, descontada a inflação. Ocorre que esse comando, conforme a lei do arcabouço, aplica-se para o limite para gastar e não para o gasto em si.
Sob essa interpretação singular do parágrafo 1º do artigo 5º da LC 200, o governo acabaria limitando as possibilidades de contingenciamento, mas acalmaria os ânimos das alas do governo vencidas no debate recente da mudança da meta de déficit zero para 2024.
Conseguiria, ainda, maior força para acionar os gatilhos (medidas automáticas de contenção da evolução do gasto) do arcabouço fiscal, lá na frente. Pode acontecer. Mas vale a pena tomar o risco?
Vamos aos números. Se nossas contas estiverem certas, o governo terá um déficit de 0,74% do PIB, no ano que vem, mesmo contingenciando R$ 39,6 bilhões. Se o contingenciamento for limitado a valores inferiores a estes, mesmo com déficit projetado, então, de duas uma: ou bem uma parte do gasto não congelado precisará empoçar, por obra da incapacidade de gastar, na ponta, ou o resultado fiscal ficará mais negativo.
O ideal seria preservar a interpretação mais direta da lei do arcabouço e evitar inovações a essa altura do campeonato. O Orçamento de 2024 está inchado e, uma vez contingenciadas as despesas discricionárias segundo as hipóteses legais previstas, a despesa total ainda assim vai crescer. Bastante.
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