Felipe Salto

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Opinião

Nó das emendas parlamentares indica que reforma orçamentária é urgente

A discussão do Orçamento de 2024 redirecionou os holofotes para o problema das emendas parlamentares. O espírito da Constituição de 1988 era muito claro: a iniciativa do Orçamento Público é do Poder Executivo, que estima as receitas e fixa as despesas públicas.

Ao Congresso, cabe aprovar o plano de vôo, com base nas leis e na própria Constituição. Essa lógica, infelizmente, nunca funcionou e, recentemente, a dinâmica piorou. A rigidez orçamentária atingiu níveis muito altos e o prejuízo à boa gestão fiscal já é uma realidade.

O ex-Ministro da Fazenda Mailson da Nóbrega sempre relata que, no âmbito das discussões da primeira proposta de Orçamento para 1989, após a promulgação da Constituição, o Congresso reestimou as receitas públicas calculadas pelo Executivo. Com base nisso, fixou gastos novos, por meio de emendas parlamentares.

Essa prática vigorou por muito tempo, até que a lógica do teto de gastos (Emenda Constitucional nº 95/2016) passou a limitar o próprio gasto total, dificultando a vida dos parlamentares para aumentar as fatias de gastos sob seu comando, mesmo reestimando as receitas projetadas originalmente pelo Executivo.

Desse processo, originou-se o chamado "Orçamento Secreto", representado pelo uso das emendas de relator do Orçamento (que deveriam servir apenas para ajustes). Elas se transformaram no locus para remanejar e gerenciar recursos públicos vultosos, sem transparência.

Ainda antes disso, em 2015, a Emenda Constitucional nº 86 tornou impositivas as emendas parlamentares individuais, isto é, sua execução passou a ser obrigatória, no total de 1,2% da Receita Corrente Líquida (RCL), um indicador muito usado para medir a arrecadação. Em 2022, esse percentual subiu para 2%, com a Emenda 126. A saber, elas só podem ser contingenciadas na mesma proporção em que o Executivo cortar as demais despesas não obrigatórias (discricionárias).

Em 2019, a Emenda 100 tornou as emendas de bancada estadual também mandatórias, em 1% da RCL. Isto é, já se tem, pela Constituição, um carimbo de 3% da RCL para emendas parlamentares, individuais e de bancada, no regramento atual.

A esse montante, soma-se a inovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2024, que transformou as emendas de comissão permanente do Congresso em impositivas, no total de 0,9% da RCL. A meu ver, algo que jamais poderia constar de uma lei ordinária, como a LDO, onde se deveria discutir, como diz o nome, as diretrizes e parâmetros gerais para a elaboração do Orçamento.

Essa fatia de quase 4% da receita representará, para o ano que vem, mais de R$ 50 bilhões, pelas minhas contas. Trata-se de um componente adicional à rigidez orçamentária, já que as emendas de comissão vão ganhar uma blindagem praticamente igual à das despesas obrigatórias, a exemplo dos salários e dos gastos previdenciários. Estimo que a rigidez orçamentária deverá subir para 95% do orçamento primário (sem contar gastos com juros da dívida pública).

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Esse contexto de dificuldade para administrar o Orçamento é bastante ruim para o Executivo e para o país. A participação do Parlamento no processo da política fiscal e orçamentária é fundamental, mas não gerenciando e tomando as rédeas, na prática, de um pedaço do Orçamento. Essa alocação de uma fatia gigantesca dos recursos públicos, ano a ano, sem critérios claros, é temerária. É urgente uma reforma fiscal e orçamentária para tratar dessa questão.

O Executivo precisa retomar a gestão orçamentária, a atividade precípua de planejar e de cuidar dos espaços fiscais necessários ao financiamento das diferentes políticas públicas, de modo contínuo, sem desanimar na tarefa de garantir a sustentabilidade das contas públicas. Para isso, seria importante retomar a agenda de discussão da nova Lei de Finanças Públicas.

A Lei nº 4.320, que rege todo o processo do Orçamento, é de 1964. Ela foi recepcionada, em 1988, pela nova Constituição, mas já deveria, há muito, ter sido repensada. A modernização do processo orçamentário, a qualidade dos instrumentos de planejamento e a efetividade das regras fiscais, a exemplo do Novo Arcabouço Fiscal, só encontrarão lugar quando avançarmos numa nova lei geral para cuidar das contas do país.

Temas como a classificação das despesas (obrigatórias e discricionárias), a lógica do processo orçamentário, a relação entre as etapas de definição de diretrizes e projeções e a de elaboração do Orçamento propriamente dito, sem mencionar a vinculação de tudo isso a um plano de médio prazo funcional deveriam constar dessa reforma do processo fiscal e orçamentário.

Enquanto não trabalharmos nessa agenda, o Congresso tenderá a ampliar, cada vez mais, como se vê, o escopo de sua atuação e ingerência sobre o Orçamento Federal. Não é esta a sua função e não era este o espírito do legislador constituinte, que mandou o Orçamento Público ser fixado, a partir de estimativas de receita. O verbo fixar, bastante claro, não foi usado à toa, como sempre alerta o ex-Ministro Mailson.

A redução do grau de liberdade na gestão fiscal é prejudicial ao equilíbrio fiscal de médio prazo. A dificuldade para gerir os gastos e cumprir as metas estipuladas em lei prejudica a economia e, pior, bloqueia a agenda de melhoria dos programas orçamentários e das despesas carregadas por anos a fio no Orçamento sem qualquer discussão ou avaliação.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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