Felipe Salto

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Opinião

As metas fiscais do PLDO 2025 e as consequências para o país

Na segunda-feira (15), o Poder Executivo Federal enviou ao Congresso o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) para 2025. Queremos mostrar aos leitores o conteúdo dessas diretrizes para a elaboração do Orçamento público. Antes, porém, cabe contextualizar o tema para mostrar sua importância.

A Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO) já era importante em nosso ordenamento e tornou-se ainda mais depois da Emenda Constitucional nº 109, de 2021. Ela conferiu à LDO a prerrogativa de estabelecer "as diretrizes da política fiscal e respectivas metas, em consonância com trajetória sustentável da dívida pública". Essa determinação está agora estampada no parágrafo segundo do artigo 165 da nossa Constituição Federal.

No artigo 163, a referida emenda introduziu o inciso VIII, estabelecendo que lei complementar disporá sobre sustentabilidade da dívida pública, com indicadores de dívida e convergência para determinado limite, por meio de resultados fiscais e outras medidas de ajustes, inclusive alienação de ativos, podendo recorrer ainda à suspensão de medidas que impliquem mais gastos, ações listadas no artigo 167-A da Constituição Federal.

Com essas inovações, o tema da sustentabilidade da dívida pública adquiriu patamar constitucional e, como tal, deveria ser levado na devida conta. Qualquer previsão legal ou mesmo constitucional que piore a situação fiscal por meio de aumento de gasto ou elevação de receita teria que ser analisada à luz desses comandos.

Mas qual é a razão de tal preocupação com o tema? Foi um capricho dos legisladores, na ocasião? De modo algum. A garantia da sustentabilidade da dívida é ameaçada por uma gestão fiscal pouco responsável. Gastos públicos sistematicamente mais elevados que a arrecadação precisam ser financiados por meio do endividamento público. A dívida é um instrumento útil para a gestão pública, mas aumentos sistemáticos, sem perspectiva de controle, causam estragos no funcionamento da economia e prejudicam a população.

Uma das condições para o crescimento econômico sustentado é a estabilidade macroeconômica, em termos de inflação, juros e taxa de câmbio. A estabilidade macroeconômica, por sua vez, requer gestão fiscal responsável, sem déficits sistemáticos e endividamento crescente.

A percepção de insustentabilidade fiscal e da dívida provoca incerteza, encurta o horizonte dos agentes econômicos, encarece o crédito, especialmente em prazos mais longos, fatores que retraem o investimento produtivo na economia. O resultado é a vulnerabilidade do país a crises externas e internas e o baixo crescimento econômico, em prejuízo da qualidade de vida da população. Por tudo isso, o tema recebe atenção da Carta Maior.

Além da Lei de Diretrizes Orçamentárias, outra norma que busca dar tratamento prático para as determinações constitucionais, é a Lei Complementar (LC) nº 200, de 2023, a nova regra fiscal, introduzida em substituição ao teto de gastos da União. Essas duas deis se complementam em termos da busca da sustentabilidade fiscal e da dívida pública.

De acordo com a LC nº 200/2023, a LDO deve conter metas anuais de resultado primário (receitas não financeiras menos despesas não financeiras) para o exercício a que se refere e para os três exercícios seguintes, metas essas compatíveis com a trajetória sustentável da dívida pública, entendida como a estabilização da relação entre a Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) e o Produto Interno Bruto (PIB), tudo devidamente demonstrado no chamado Anexo de Metas Fiscais da LDO.

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O Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias relativo ao exercício de 2025 é o primeiro sob a vigência da LC nº 200, de 2023. A LDO 2024 já havia estipulado uma trajetória de ajuste fiscal com meta de déficit zero para 2024 e indicativo de superávit de 0,5% do PIB para 2025 e de 1% do PIB para 2026.

Tratou-se de números ambiciosos, suportados pelas regras do novo limite de gastos introduzido pela LC nº 200/2023. Ocorre que nesses doze meses, desde o envio do PLDO 2024 ao Congresso Nacional, as projeções fiscais dos agentes econômicos continuaram a retratar um déficit bem acima dos valores estabelecidos na LDO, não apenas para 2024, mas também para 2025 e 2026.

Tal fato se deu em que pese a aprovação de medidas de elevação de receita ao longo de 2023, bem como do ótimo desempenho arrecadatório do primeiro trimestre de 2024. Um dos problemas foi a ausência de medidas voltadas para a despesa que, aliás, cresceu de modo significativo em 2023.

Nesse contexto, acrescido do cenário externo desfavorável (política monetária dos Estados Unidos e tensão no Oriente Médio), o PLDO 2025 trouxe mudanças que tornaram mais incerta a garantia da sustentabilidade fiscal. Em particular, a trajetória de ajuste fiscal prevista foi alterada, de modo a torná-la mais gradual, alimentando o pessimismo do mercado quanto à efetiva disposição do atual governo de melhorar a situação fiscal ainda no atual mandato.

Assim, embora a meta de déficit zero de 2024 tenha sido mantida, a meta para 2025 foi definida em zero, tal qual 2024, inferior ao 0,5% do PIB que havia sido indicado pela LDO 2024. No entanto, a mera redução a zero do compromisso para o ano que vem não seria capaz de deteriorar as expectativas dos agentes econômicos na intensidade verificada nos últimos dias.

No PLDO, a meta zero para 2025 só é alcançada quando se descontam das despesas os precatórios que excedem o limite específico, no montante de R$ 39,9 bilhões. Incluindo-se esse montante passa-se a um déficit de R$ 29,1 bilhões ou 0,23% do PIB. É fato que o desconto dos R$ 39,9 bilhões foi autorizado pelo Supremo Tribunal Federal quando apreciou o tema no fim do ano passado. Mas seria desejável definir a meta zero sem a exclusão, já que, do ponto de vista da sustentabilidade fiscal e da dívida, o que interessa é o resultado efetivo.

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Ademais, por determinação da LC nº 200/2023, a meta pode ser considerada cumprida, desde que o resultado efetivo fique em um intervalo que vai de mais a menos 0,25% do PIB, em relação ao centro da meta. Em 2025, o intervalo inferior seria de R$ 31 bilhões. Isso quer dizer que a meta pode vir a ser considerada cumprida mesmo com um déficit de R$ 70,9 bilhões (39,9 + 31), o equivalente a 0,57% do PIB! Isso é bem diferente de zero, não é, caro leitor?

Algo similar ocorre em 2026, já que a meta é de R$ 33,1 bilhões ou 0,25% do PIB, mas a ela só se chega com os descontos dos precatórios excedentes no valor de R$ 47,5 bilhões, de modo que o resultado efeito esperado é de déficit de R$ 14,4 bilhões, sem contar o intervalo de tolerância de meta. Na LDO 2024, indicava-se uma meta de 1% do PIB de superávit para 2026.

Em relação ao biênio 2027-2028, também abrangido pelo PLDO 2025, os resultados esperados são de superávit de 0,5% e 1% do PIB de superávit, respectivamente, ou R$ 70,7 bilhões e R$ 150 bilhões, na mesma ordem. Como o STF só autorizou descontos dos precatórios até 2026, as metas desses dois anos coincidem com os respectivos resultados esperados.

Optou-se, portanto, por um maior gradualismo no ajuste fiscal, quando se compara a LDO 2024 e o PLDO 2025. O superávit de 1% que, a depender das suposições adotadas, não basta para estabilizar a dívida pública, só seria alcançado em 2028 e não mais em 2026, como indicado na LDO 2024.

De acordo com os resultados previstos para o período 2024 a 2028, considerando-se ainda as suposições macroeconômicas adotadas no PLDO 2025, notadamente crescimento econômico e inflação, a trajetória de dívida resultante parte de uma Dívida Bruta do Governo Geral, em relação ao PIB, de 74,4%, em 2023, e vai a 79,7% do PIB, em 2027, caindo daí em diante, até chegar a 74,5% do PIB, em 2034.

Vale lembrar que o referido indicador de dívida foi escolhido para se aferir a sustentabilidade da dívida, de acordo com determinação da LC nº 200/2023. Com base nos resultados esperados indicados no PLDO 2025 e demais suposições adotadas, há atendimento das exigências do artigo 169 da Constituição Federal e da referida lei, já que se logra estabilizar a dívida em período razoável.

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Seria preciso avaliar a compatibilidade entre os pressupostos macroeconômicos utilizados e o resultado primário previsto com a referida a trajetória. O principal ponto a destacar, entretanto, é que o resultado primário externado no PLDO 2025 para o período 2024 a 2028 parece bastante otimista.

Em nossas projeções na Warren Investimentos, entendemos que o déficit fiscal ficará próximo de 0,75% do PIB, no período 2024-2026, para só depois seguir trajetória mais consistente de queda, até chegar ao equilíbrio por volta de 2032-2033. Considerando-se esses resultados, assim como os demais pressupostos que utilizamos, a dívida não se estabilizaria até 2033, embora possa apresentar incrementos decrescentes.

O cumprimento dos comandos constitucionais e legais a respeito da sustentabilidade da dívida não se resume a definir uma sequência anual de resultados primários na LDO que, mediante simples cálculos matemáticos, geram uma trajetória de estabilização da dívida. Se a definição não vier acompanhada de medidas efetivas em termos de receita e despesa para viabilizar o alcance das metas, os agentes econômicos traçam seus cenários realistas.

Quando não se evidencia a sustentabilidade na dívida no horizonte relevante de projeções, as consequências processam-se por todo o sistema econômico, com juros e câmbio elevados, mais inflação, instabilidade e baixo crescimento econômico, em prejuízo de toda a população.

Felipe Salto é economista-chefe e sócio da Warren Investimentos. Foi secretário da Fazenda e Planejamento do estado de São Paulo e o primeiro diretor-executivo da IFI.

Josué Pellegrini é doutor em economia pela USP e economista da Warren Investimentos. Foi diretor da IFI e consultor legislativo do Senado Federal.

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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