Felipe Salto

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Opinião

Quem pariu a desoneração da folha que a embale!

O Congresso Nacional derrubou o veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à desoneração da folha de pagamentos — veto corretíssimo, aliás. A medida levou à prorrogação de uma renúncia fiscal bilionária e a ampliou, por meio da redução da alíquota de contribuição previdenciária para os municípios. Essa novela já se estende por mais de um ano e não terminará tão cedo. É hora de o Congresso pagar a fatura por ele fabricada.

No bojo de um acordo abrigado no STF (Supremo Tribunal Federal), a partir da decisão do ministro Cristiano Zanin pela inconstitucionalidade da desoneração, o Legislativo e o Executivo estão novamente em pé de guerra.

Zanin apontou com clareza e amplo embasamento técnico, econômico e jurídico a inconstitucionalidade. Não se fabrica gasto tributário sem apontar o custo e, pior, sem respeitar o princípio constitucional da sustentabilidade fiscal. Terceiro, é preciso ter compensação. Dinheiro não cai do céu.

O Poder Executivo enviou uma Medida Provisória para tratar de compensar os efeitos fiscais da desoneração da folha em 2024, condição indispensável imposta no bojo do acordo do STF para que a medida siga valendo integralmente no ano corrente. A MP nº 1.227 altera as regras para os chamados créditos do PIS/Cofins.

A limitação foi vista como draconiana por amplos setores da indústria, do agronegócio e do empresariado como um todo. Não demorou a que a pressão chegasse aos ouvidos do senador Rodrigo Pacheco, presidente do Senado e do Congresso Nacional. Sua reação foi igualmente rápida, optando pela devolução da MP ao Executivo, sob a argumentação de que se estaria ferindo o princípio da "não surpresa". Haveria argumentos técnicos melhores, mas vá lá.

Como se não fossem os responsáveis pela geração do custo de mais de duas dezenas de bilhões de reais referentes à desoneração da folha, devolveram a MP e não apresentaram medidas compensatórias à altura. Fala-se em repatriação de recursos, depósitos judiciais, a própria tributação dos importados (batalha já superada) e outras medidas que não chegariam nem a um terço do necessário, nas minhas contas.

É o tipo de pacote contra o qual ninguém se levanta. Aliás, péssimo sinal para quem está em busca de recursos. Se ninguém reclama, é porque se trata de pura fumaça, como afirmei em minha entrevista recente ao programa do jornalista William Waack, na CNN (13 de junho).

Tenho uma saída melhor para que o Congresso salde a fatura. O presidente Lula falou pouco e bem quando, em Genebra, afirmou que o Congresso criou o gasto e, portanto, precisa apresentar a compensação, já que a medida proposta pelo Executivo foi rejeitada.

Minha proposta é que se limitem as emendas parlamentares de comissão e de bancada estadual a 1% da despesa discricionária orçada. Além disso, pode-se promover algum ajuste nas emendas parlamentares individuais, igualmente, mas preservando sua essência e boa parte de seu valor. A medida renderia mais do que o necessário para resolver o imbróglio da folha. Estimo R$ 30 bilhões de economia.

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Ora, se é tão importante, na visão do presidente Rodrigo Pacheco e do Parlamento, que a desoneração da folha seja garantida até dezembro, sem mudanças, por que não consulta os parlamentares a respeito dessa possibilidade? Quando algo é essencial — e como dinheiro não dá em árvore -, cabe conclamar todos ao "sacrifício".

O artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000) determina que medidas com impacto fiscal pelo lado das receitas devem ser compensadas por ações também do lado da arrecadação. Entretanto, o que está em jogo, no texto exarado pelo ministro Zanin, é a compensação na sua essência, pelo princípio constitucional da sustentabilidade fiscal, além da explicitação do custo, como manda o artigo 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT).

Isto é, o artigo 14 é o caminho natural e óbvio para equacionar renúncias tributárias, mas o caso em tela é bastante particular. A regra da LRF é mais apropriada, ipsis literis, para ser aplicada quando se está tratando do processo orçamentário típico, com cálculo e compensação para o ano corrente mais dois à frente, inclusive.

Estamos no meio do ano para o qual o ministro Zanin mandou que se propusesse a compensação (e o cálculo do custo). Já estamos fora de qualquer padrão em termos de respeito à liturgia do processo orçamentário e, por essa razão, vale a determinação do STF, no âmbito acordo. E a determinação não entrou em detalhe a respeito de como garantir a sustentabilidade fiscal. O importante é liquidar a fatura.

Uma tesourada nas emendas parlamentares estaria de bom tamanho para compensar a renúncia fiscal da folha. O benefício seria, aliás, triplo: resolve-se a novela da desoneração; preserva-se o resultado fiscal; e reduz-se a ineficiência contida hoje em parte dos gastos realizados via emenda parlamentar. Ineficiência que, vale dizer, só aumentou com o advento da modalidade "Pix", onde o recurso chega à base sem qualquer compromisso e com baixíssimo grau de controle.

Quem pariu Mateus que o embale!

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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