A importância do Fórum de Lisboa
Escrevo este artigo estando ainda em Lisboa, prestes a retornar ao Brasil. Levo uma montanha preciosa de informações, reflexões e análises produzidas por aqui. Organizado pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL), pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) e pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), o Fórum de Lisboa está na sua 12ª edição. Foram três dias de debates acerca do tema geral "Avanços e recuos da globalização e as novas fronteiras: transformações jurídicas, políticas, econômicas, socioambientais e digitais".
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e professor do IDP Gilmar Mendes, grande idealizador do fórum, merece nosso aplauso. O bem público produzido por meio de discussões tão ricas, protagonizadas por atores plurais e relevantes, é imensurável.
Pude participar, de 26 a 28 de junho, das atividades de muitos painéis, e atesto a qualidade das discussões e dos palestrantes convidados. Escolhi integrar-me aos debates sobre tributação, federalismo, economia, desenvolvimento e comércio internacional, temas de maior interesse pessoal e profissional, no meu caso, mas também participei de sessões sobre o futuro das democracias representativas, a questão do agronegócio e outros.
Os participantes são acadêmicos, políticos, representantes dos três Poderes, advogados, economistas e especialistas do mais alto gabarito. Eu diria que é evento raro — e talvez não tenha paralelo — uma reunião de tantas pessoas gabaritadas e com poder para colaborar no processo de transformação das políticas públicas do Brasil, de Portugal e do resto do mundo.
Cito, por exemplo, as discussões sobre a reforma tributária do consumo brasileira e seus aspectos sociais e federativos. Entre os debatedores, estavam o deputado e vice-líder do governo, na Câmara, Pedro Paulo (PSD-RJ), e a renomada jurista e tributarista, professora Misabel Derzi, ambos com alertas fundamentais a respeito do Comitê Gestor criado para gerenciar o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), a parte subnacional do novo Imposto sobre o Valor Adicionado (IVA) criado pela Emenda Constitucional nº 132/2024 no Brasil. Ambos alertaram para os riscos à autonomia federativa. Derzi mostrou, particularmente, que a entidade fere o pacto federativo. Uma discussão essencial, que precisará ser enfrentada, agora, durante a regulamentação da reforma tributária, por meio dos projetos de lei já em tramitação no parlamento.
O Fórum de Lisboa, antes chamado Fórum Jurídico de Lisboa, transformou-se no principal locus do debate sobre os rumos da economia brasileira. É fundamental que os desdobramentos dessa iniciativa sejam traduzidos e mastigados por matérias jornalísticas, artigos de opinião, colóquios acadêmicos e audiências públicas no Congresso Nacional. É riquíssimo o conteúdo produzido.
O futuro do mercado de carbono foi debatido em um painel com a presença do ex-Ministro da Fazenda Joaquim Levy e de especialistas como Cristiane Coelho, advogada e ex-procuradora da Fazenda Nacional. Curiosa a conclusão que pude apreender dessa discussão: o Brasil está receoso em avançar na regulamentação do mercado de carbono, como se o movimento pudesse limitar o escopo do nosso pujante agronegócio. Ao contrário, precisamos avançar na instalação e sofisticação desse mercado, justamente, porque detemos uma capacidade gigantesca de oferta frente a uma demanda crescente do resto do mundo.
Em outro debate interessantíssimo, os ex-ministros Nelson Jobim e Raul Jungman discutiram as políticas de Defesa Nacional. Me chamou muito a atenção o resgate da história recente das políticas públicas nessa matéria, a partir das mudanças estruturais promovidas no Governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. Além disso, ficou claro que não há como se discutir uma nova estratégia de Defesa Nacional sem olhar a sério as questões orçamentárias. A esse respeito, a Instituição Fiscal Independente (IFI) publicou, há alguns anos, a sua Nota Técnica nº 45, sobre a composição do orçamento público nessa área, com comparações internacionais que permitem concluir: o Brasil não gasta pouco em Defesa, mas as despesas estão concentradas em folha e previdência.
No painel com o Presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e com o professor e presidente da FGV, Carlos Ivan Simonsen Leal, discutiu-se a evolução da economia global e das relações de comércio. Temas como o peso da política fiscal, o futuro do dólar como moeda de reserva internacional e o peso da China tomaram conta do rico diálogo travado. É um alento que o fórum nos permita escapar do debate meramente conjuntural para uma discussão sob as luzes de faróis altos.
Pedro Nery, especialista em previdência social e desigualdade, Luiz Carlos Trabuco Cappi, presidente do Conselho de Administração do Banco Bradesco, e outros especialistas compuseram uma sessão muito instigante sobre a responsabilidade social no setor privado e no setor público. O Brasil segue maculado pela pobreza e pela desigualdade. Compartilhar experiências é fundamental no caminho para a construção de soluções inovadoras e fiscalmente responsáveis.
A regulamentação da Inteligência Artificial (IA) também ganhou um espaço de relevo nos trabalhos do fórum. O próprio presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, participou desta sessão, ao lado de outros especialistas, como a professora Laura Schertel Mendes. É gigantesco o desafio de aproveitar de maneira plena os avanços da IA, ao mesmo tempo, em que se discute sua limitação, tendo em vista os desdobramentos esperados sobre o emprego, os processos decisórios, a qualidade das informações e o controle em geral dos efeitos do uso da IA em diferentes setores de atividade econômica.
Diversos ministros do STF, autoridades do Brasil e de Portugal, acadêmicos desses e de outros países realizaram, assim, um evento magnífico. É lamentável que parte da imprensa não enxergue a importância do Fórum de Lisboa. Felizmente, a realidade se impõe, de modo que o vastíssimo conhecimento e as experiências geradas vão se espalhar naturalmente para redundar numa positiva corrente de boas influências sobre as políticas públicas no Brasil.
Parabéns ao ministro Gilmar Mendes e, em seu nome, a todos os envolvidos na organização do Fórum de Lisboa. Vida longa à iniciativa!
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