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Graciliano Rocha

REPORTAGEM

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Mudança na Petrobras mata competição, diz ex-conselheiro da era Dilma

Petrobras: fim da paridade com preços internacionais - Reuters
Petrobras: fim da paridade com preços internacionais Imagem: Reuters

Colunista do UOL

17/05/2023 04h00

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O economista Mauro Rodrigues da Cunha é um veterano do período mais conturbado da história recente da Petrobras, entre 2013 e 2015, quando governo e acionistas minoritários quebravam o pau nas reuniões do conselho da estatal por conta de uma política de preços artificialmente baixos (em relação ao mercado internacional) para manter a inflação sob controle.

Ocorrida primeiro a portas fechadas, a lavagem de roupa suja ganhou a luz do sol quando dezenas de horas de reuniões do conselho de administração foram parar no Congresso durante a CPI da Petrobras, de 2015.

Naquele conjunto de áudios, prevalecia um clima tenso em que representantes dos minoritários (o próprio Cunha e depois, a partir de 2014, também o conselheiro José Monforte) cobravam mudanças na governança da empresa para um conselho presidido por Guido Mantega (Fazenda).

O paroxismo das hostilidades veio no segundo semestre, quando a disputa eleitoral entre Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB) se aproximava. Ali, o representante dos trabalhadores da empresa, Silvio Sinedino, passou a criticar não só a política de preços, como também a cobrar publicamente o afastamento de diretores ligados ao MDB. (Este jornalista ouviu a íntegra dos áudios dessas reuniões durante a CPI.)

Naquele momento, o país era sacudido pelas revelações da existência de um cartel de empreiteiras que fatiava os contratos da Petrobras entre si, superfaturava o preço de obras e pagava propina a políticos e dirigentes da estatal. O que se viu nos anos seguintes já é parte da história: Dilma ganhou a eleição, mas perdeu o cargo num processo de impeachment. Lula foi preso e teve seus processos anulados porque o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu que os processos conduzidos por Sergio Moro (hoje senador) não foram justos.

Do ponto de vista empresarial, anulações de processos por violações da imparcialidade do juiz não alteraram o fato de que houve, sim, um esquema de desvio bilionário admitido por delatores e a estatal calculou em R$ 6 bilhões as perdas com corrupção no balanço de 2014 (fechado no ano seguinte). A conta do TCU (Tribunal de Contas da União) é que a sangria provocou um rombo três vezes maior.

O que veio na sequência foi uma política linha-dura de blindagem da governança. Sob o governo de Michel Temer, foi aprovada a Lei das Estatais, restringindo o acesso de políticos a cargos da administração das empresas controladas pelo governo. A guinada foi completada com a política de preços baseada em paridade com as importações (PPI).

No governo de Jair Bolsonaro, o presidente também criticou pesadamente a política de preços da Petrobras, trocou o comando da estatal quatro vezes, mas não mexeu na maneira como a empresa formava o seu preço ao consumidor. Sob Lula, a Lei das Estatais foi flexibilizada e, nesta terça (16), um comunicado da empresa acabou com a política de preços sem informar o que vai substituí-la.

Para Mauro Rodrigues da Cunha, o fim da política de preços é um péssimo sinal para uma companhia "com o histórico da Petrobras". Ele conversou com o colunista por telefone logo após o comunicado da empresa. Cunha segue atuando como conselheiro de empresas de capital aberto, como Klabin e AES.

A seguir os principais trechos:

UOL: Que avaliação o senhor faz do comunicado da Petrobras que encerrou a política de paridade com preços internacionais?

MAURO RODRIGUES DA CUNHA: Em primeiro lugar, o comunicado é propositalmente confuso. É péssimo para uma companhia com o histórico da Petrobras, de arbitrariedade na definição de preços e que tem uma posição dominante no mercado. Qualquer enrolação em torno de como será a política não esconde que é uma mudança ilegal.

Por que ilegal?

CUNHA: É ilegal nos termos da Lei do Petróleo. No artigo 61, parágrafo 1º, a Lei 9.478/97 estabelece que as atividades econômicas desenvolvidas pela Petrobras ocorrerão em caráter de livre competição com outras empresas, em função das condições de mercado. E tem também a Lei do Cade [Lei 12.529/2011, que estabelece o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência].

Por que a paridade com o preço internacional deveria ter sido mantida, na visão do senhor?

CUNHA: A Petrobras é um player dominante no Brasil. Seguir qualquer coisa diferente seria interferir no livre mercado e na competição, que está na lei. E essa era a razão da paridade existir. Não é uma visão neoliberal, mas um instrumento de defesa também da concorrência. Agora não tem mais parâmetro.

Que efeito isso pode ter sobre a concorrência?

CUNHA: Imagina um competidor de mercado, que importa combustível e, de repente, a Petrobras que é uma empresa dominante no mercado, decide arbitrariamente baixar o preço. Ele vai sair do mercado neste mesmo momento. Sobretudo agora que a paridade foi substituída por um sistema opaco. A Petrobras vai matar o livre-mercado.

Foi uma promessa do presidente Lula em campanha mudar a política de preços.

CUNHA: Deveriam então ter mudado a Lei do Petróleo e a Lei do Cade, em vez de desobedecê-las.