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José Paulo Kupfer

Investimento externo não só cai, como deixa de lado a indústria brasileira

28/10/2020 04h00

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Divulgado nesta terça-feira (27), pela Unctad (Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento), o relatório semestral dos volumes e dos fluxos de investimentos diretos produtivos ao redor do mundo aponta um declínio acentuado das inversões, no primeiro semestre de 2020. Com a pandemia de Covid-19, os investimentos externos encolheram praticamente pela metade, em relação a igual período de 2019.

Segundo a Unctad, "o declínio é maior do que o previsto e as perspectivas para o futuro são incertas". Para a entidade, estão mantidas as projeções do começo do ano, segundo as quais a queda nos fluxos de investimentos externos diretos alcançará de 30% a 40% do montante registrado em 2019.

As economias desenvolvidas sofreram mais do que as emergentes com as perdas de investimentos diretos, no primeiro semestre de 2020. No grupo dos desenvolvidos, o encolhimento chegou a 78% do que havia sido investido no primeiro semestre de 2019, não passando, no conjunto, de US$ 98 bilhões. Nos Estados Unidos, a contração chegou a 61%, com o volume total investidos não passando de US$ 51 bilhões.

No grupo dos emergentes, o recuo, nos primeiros seis meses do ano, limitou-se a 16% do volume destinado em 2019. Os países emergentes da Ásia, com China à frente, evitaram recuos maiores. Na Ásia como um todo, a queda foi de 12%, e na China, de apenas 4%. Pela primeira vez, as economias emergentes asiáticas absorveram mais da metade do volume total de inversões diretas no mundo.

O Brasil, um tradicional receptor de investimentos diretos externos, foi mais atingido do que a maior parte dos emergentes, mas manteve a sexta posição entre os países que mais atraem esses investimentos. O volume destinado também caiu praticamente pela metade, entre janeiro e junho deste ano, em relação ao primeiro semestre do ano passado, com ingresso no país de apenas US$ 18 bilhões.

Além da pandemia, que paralisou as atividades econômicas em todo o mundo, no caso brasileiro, a queda também se deveu ao baixo índice de privatizações, um processo que costuma contar com a participação de estrangeiros. O pico dos investimentos diretos destinados ao Brasil se deu em 2011, quando ingressaram US$ 97,4 bilhões.

A Sobeet (Sociedade Brasileira de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica), em seu boletim de agosto deste ano, observa que, além da queda no volume de investimentos estrangeiros diretos, o fluxo tem se concentrado, crescentemente, em atividades do setor primário, notadamente o segmento de petróleo e gás, em detrimento da indústria. Os serviços, que respondem por cerca da metade dessas inversões, têm mantido fluxos mais estáveis.

Entre 2011 e 2018, de acordo com a Sobeet, o setor primário, com ênfase no segmento de extrativos, em que despontam petróleo, gás e extração de outros minerais, recebeu 14,3% do total de investimentos diretos no país. Já entre 2019 e junho de 2020, o fluxo de recursos diretos subiu para 24,9% do total.

Nos mesmos períodos, os investimentos externos diretos na indústria caíram de 34,6% para 22,7%. O segmento que mais sentiu a queda foi a metalurgia, que viu sua participação recuar de 4,7% do total, entre 2011 e 2018, para apenas 0,7%, de 2019 a junho deste ano. Depois, pela ordem de magnitude no encolhimento, vêm veículos automotores, indústria farmacêutica, química e produtos alimentícios. Somente o segmento de papel e celulose, que tem um pé no agronegócio, com alta forte de 1,4% para 3,5% do total, e a indústria de equipamentos elétricos, registraram altas.

No caso dos serviços, a ligeira alta geral, de 50,9% do total de investimentos diretos em 2011-2018, para 51,9%, de 2019 a junho de 2020, compensando algumas quedas setoriais, foi assegurada por elevação forte no ingresso de recursos para o segmento de distribuição de energia elétrica, gás e saneamento, que absorveu 6,8% do total de investimentos, entre 2011 e 2018, e pulou para 10,7%, entre 2019 e junho de 2020. Também contribuiu positivamente o segmento de transportes, com avançou de 2,5% para 3,3% do total. O segmento do comércio, principal segmento receptor de investimentos externos diretos no setor de serviços, recuou, entre os dois períodos, de 9% do total para 8,6%.

Esse redirecionamento setorial do investimento externo direto, ocorrida no Brasil, nota a Sobeet em seu boletim, não se verificou em outros países. Dados da Unctad permitem calcular que a relação entre investimentos na indústria e no extrativismo, na América Latina, varia de 1,9 a 5,1. Na média dos países asiáticos, a relação é ainda mais acentuada, oscilando de 17 a 32,9 - ou seja, a cada dólar dirigido ao setor primário, US$ 32,90 vão para indústrias. No Brasil, a relação está em 0,9.

São relevantes e preocupantes, segundo a Sobeet, as implicações dessa nova situação em prazos mais longos. A primeira delas é a de atrelar os ciclos de investimento estrangeiro à evolução das cotações internacionais das commodities.

Além disso, ao se dirigir com mais intensidade a setores primários, de extração mineral, os investimentos diretos colaboram menos com a geração de empregos, visto que atividades de extração de óleo, gás e minérios tendem a ser menos intensivas em mão de obra do que atividades industriais e de prestação de serviços. Há dúvidas também se o novo perfil dos investimentos diretos que se dirigem ao Brasil contribuirão, na mesma intensidade anterior, para difundir conhecimentos e competências às empresas brasileiras nas quais passam a investir.