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José Paulo Kupfer

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Contas públicas dão sinais enganosos de retomada na economia

17/05/2022 09h08

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A arrecadação de impostos e tributos deu uma pequena arrefecida em março, mas continua alta. Conforme informou o Banco Central nesta segunda-feira (16), no primeiro trimestre de 2022, as contas públicas registraram superávit primário (sem considerar despesas com juros da dívida pública) muito próximo de R$ 110 bilhões, um novo recorde para o período, em mais de 20 anos, e o dobro do resultado obtido no primeiro trimestre de 2021.

Depois de ameaçar superar 100% do PIB (Produto Interno Bruto), a dívida pública bruta tem recuado há cinco meses consecutivos. Em dezembro, representava 80,3% do PIB. Em março, desceu para 78,5% do PIB. A marcha à ré da dívida em relação à produção total de riquezas no país é um reflexo direto do fato de que as receitas públicas estão superando as despesas.

Esse resultado, porém, reflete uma espécie de falso positivo da recuperação da economia e da retomada mais consistente dos negócios. Uma inflação de dois dígitos, que teima em não ceder e, ao contrário, dá sinais de avançar, não só está na base da melhora na arrecadação, mas também do freio que virá à frente, com o Banco Central mantendo as taxas básicas de juros igualmente em dois dígitos.

Receitas públicas podem crescer por diferentes canais. O primeiro é o próprio crescimento da atividade econômica. Quando produção, prestação de serviços e vendas se expandem, o conjunto de impostos, taxas e contribuições também sobe. Quanto mais se produz e mais se vende, mais aumenta o volume de tributos recolhidos.

Isso ocorre não só porque os tributos estão embutidos nos preços dos produtos e serviços. É verdade que, quando a atividade está em alta, o aumento do volume de produção e comercialização resulta em elevação do volume de impostos recolhidos.

Mas, quando a atividade está em alta, o emprego também avança. Mais emprego significa mais renda e, além da produção e do consumo, a renda também paga imposto. Por isso, quando o emprego e a renda crescem, a arrecadação cresce também.

Um terceiro canal de aumento da arrecadação quando a economia está em expansão. Nesta situação, a tendência é que as empresas consigam produzir e vender mais, obtendo lucros. Sobre lucros, assim como sobre o consumo e a renda, também incidem impostos, taxas e contribuições.

Crescimento econômico é, portanto, uma espécie de motor a impulsionar receitas públicas. Há, contudo, pelo menos ainda dois outros canais de elevação do volume arrecadado. Um deles se vincula à criação de novos tributos ou aumento de alíquotas nos já existentes. Novos tributos ou novas alíquotas mais altas resultarão, é claro, em mais arrecadação.

Porém, mesmo sem crescimento da economia e sem novos tributos ou alíquotas, há um canal clássico de crescimento de receitas públicas: a inflação. As transações econômicas e as rendas passíveis de sofrer incidência de impostos, contribuições e taxas são denominadas em valor monetário. Traduzindo, os tributos incidem sobre os preços cobrados nos bens e serviços vendidos e nas rendas que eles geram.

Se a produção e as vendas não crescem, mas os preços sobem — ou seja, a inflação se apresenta —, o resultado final é uma elevação nominal dos valores sobre os quais incidem os tributos. Preços mais altos resultam em aumento de arrecadação, independente dos movimentos concretos da economia.

Desse modo, a inflação opera como um "imposto" adicional. Em consequência, ao mesmo tempo em que permite ao governo estimular a atividade com desonerações tributárias, retira ainda mais poder de compra da população, contraindo a renda disponível.

Atuando ao mesmo tempo, esses movimentos contrários acabam produzindo desequilíbrios e desajustes na economia. É o ambiente em que ocorrem os "voos de galinha", quando a parte dos setores da economia dá a enganosa impressão de que vai decolar, mas, sem tração, volta a se arrastar com os demais logo à frente.

Projeções para o crescimento em 2022 retratam esse tipo de situação enganosa e indesejável. A expectativa é a de que, no início de junho, o IBGE divulgará números positivos da economia no primeiro trimestre, com alta perto de até 1,5% sobre o último trimestre de 2021. Mas a perda de força da recuperação já seria sentida no segundo trimestre e ainda mais na segunda metade do ano.