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José Paulo Kupfer

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Âncora de Lula exigirá mais carga tributária, mas isso não é problema

Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ao lado do presidente Lula. - 12.jan.2023 - Adriano Machado/Reuters
Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ao lado do presidente Lula. Imagem: 12.jan.2023 - Adriano Machado/Reuters

04/04/2023 14h58

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Depois de todos os cálculos, está confirmada a primeira impressão de muitos: para serem cumpridas, as regras de controle das contas públicas anunciadas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, exigirão aumento na arrecadação. Em outras palavras, a carga tributária, que no total já é alta, pode aumentar.

Para muitos, esse é um caminho inconcebível, que condenaria a economia à estagnação. Outros, porém, entendem existir espaço para ampliar a arrecadação, permitindo expansão dos gastos públicos sem pressões sobre a dívida pública, o que ajudaria a impulsionar a atividade econômica.

Arcabouço depende de receitas

A partir do governo de Michel Temer, e depois no governo Bolsonaro, conter gastos públicos foi o caminho para tentar controlar as contas públicas. Não deu certo. Não só a economia não conseguiu escapar do baixo crescimento como a situação fiscal ficou ainda mais frágil.

Na campanha eleitoral, Lula insistiu no discurso de que, se eleito, na questão das contas públicas, tentaria o caminho da expansão dos gastos, mas com responsabilidade fiscal. Essa estratégia implicaria buscar aumentos de arrecadação. Não deveria, portanto, haver surpresa com o caminho escolhido e agora confirmado.

Ao desenhar o "arcabouço fiscal" com o qual buscará pelo menos estabilizar a dívida pública bruta em relação ao PIB (Produto Interno Bruto), Haddad teve de equilibrar controle de gastos com promessas de Lula de aumentar despesas para "incluir o pobre no Orçamento".

Para fechar essa equação, a saída encontrada pelo ministro também já tinha sido dada pelo próprio Lula na campanha eleitoral. Trata-se de "incluir o rico no Imposto de Renda", ou em outras palavras elevar a arrecadação e, em consequência, a carga tributária, mas focando em quem não paga impostos ou paga pouco.

Onde é possível taxar mais?

É incerto se a âncora proposta conseguirá, ao fim de quatro anos, estabilizar a dívida e, antes disso, ampliar gastos, como quer o governo Lula. Mas há espaço para que seja possível alcançar esse objetivo.

Embora alta no volume total, a carga tributária, como a renda e as oportunidades neste país, é muito desigualmente distribuída. No disfuncional sistema tributário brasileiro, os de renda mais baixa acabam pagando mais impostos dos que os de renda mais alta.

Se um assalariado com carteira assinada paga 27,5% de imposto sobre a renda, um outro contribuinte, que exerça a mesma função, mas sob o regime de prestador de serviços — o conhecido PJ —, recolhe pouco mais de 16% da remuneração e nem 10%, se inscrito no regime do Simples Nacional.

Isso sem falar na renda originária de lucros e dividendos de empresas, recebidos por pessoas físicas, que são totalmente isentos de tributação direta.

É possível listar mais de uma dezena de casos em que as perdas de arrecadação não resultam em ganhos econômicos ou sociais que as justifiquem. Veja exemplos:

Apostas esportivas

Fundos de investimento exclusivos

Big techs

Importações online

Juros sobre capital próprio

Mais que alta, carga é mal distribuída

Além de carregar uma flagrante injustiça fiscal, esse sistema fortemente regressivo é economicamente ineficiente. Por taxar mais quem tem menos renda, a tributação precisa ser mais pesada para que seja obtido um volume de receitas capaz de minimamente atender às amplas necessidades sociais de um país com grande pobreza e forte concentração de renda.

Equivalente a pouco mais de 33% do PIB, a carga tributária total é alta na comparação com a de outros países emergentes. Ela fica mais próxima da de países de economia madura da Europa, mas sua composição deixa claro que precisa ser mais bem distribuída:

Tributação do consumo de bens e serviços. A carga brasileira, com 15% do PIB, é a terceira mais alta de um grupo de 34 países entre desenvolvidos e emergentes.

Taxação da renda, lucros e ganhos de capital. A carga brasileira, com cerca de 7% do PIB, é a quinta mais baixa desse grupo de 34 países.

Tributação da propriedade. A carga brasileira fica perto da média dos 34 países, com 1,5% do PIB, mas bem abaixo de países como Estados Unidos, Reino Unido, França e mesmo Coreia, que taxação propriedades pelo menos o dobro do que o Brasil.

Corrigindo distorções e eliminando ou reduzindo isenções, Haddad acena com um acréscimo entre R$ 100 bilhões e R$ 150 bilhões, algo perto de 1,5% do PIB, na arrecadação em 2024. Não é, em tese, uma meta inatingível.

Só os "gastos tributários" — conjunto de isenções e reduções de tributos de regimes especiais, que significam, na prática, perda de arrecadação — somam R$ 450 bilhões em 2023, montante equivalente a robustos 4% do PIB. O problema é como desfazer benefícios capturados por poderosos segmentos empresariais e grupos de interesses, bem representados no Congresso.