Alíquota de imposto não será a maior do mundo depois da reforma; já é
Sempre se reclamou e discutiu o tamanho da carga tributária, hoje nas alturas de 33,7% do PIB (Produto Interno Bruto), recorde dos últimos 12 anos. Mas o debate em torno do nível das alíquotas dos impostos e contribuições, que agora domina a pauta, é quase uma novidade que chegou com a proposta de reforma do sistema de tributos.
A nova onda está produzindo uma espécie de mantra: para manter a carga tributária neutra — uma das promessas originais da proposta de reforma — será preciso adotar a alíquota padrão mais alta do mundo, nos novos IVAs (Imposto sobre Valor Agregado) sobre o consumo de bens e serviços, a CBS federal e o IBS, estadual e municipal. A verdade é que a alíquota depois da reforma não será a mais alta do mundo; ela já é a mais alta do mundo.
Estimativas de alíquotas
Chovem estimativas indicando que as alíquotas padrão dos novos IVAs ficarão acima de 25%, chegando a 28% ou mesmo 30%. Rivalizariam com a alíquota de 27% cobrada na Hungria, a mais alta do ranking internacional.
Atualmente, a alíquota padrão de PIS/Cofins, que será substituído, em conjunto com o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), pela CBS, é de 9,25%. A do ICMS, que, em conjunto com o ISS, dará lugar ao IBS, é de 18%. A soma já daria uma alíquota de 27,25%. Mas isso no cálculo "por dentro", não transparente, do sistema vigente.
Se calculado "por fora", como prevê a reforma, a alíquota padrão ficaria em 32,2%, conforme cálculos do economista Sergio Gobetti, um dos mais respeitados especialista em questões tributárias. No método "por fora", que vigorará com a reforma, os tributos serão calculados exclusivamente em cada etapa de produção, gerando créditos na etapa seguinte.
Esse detalhe — no sistema atual, o cálculo dos tributos é feito "por dentro" — tem sido frequentemente esquecido. No cálculo feito hoje, "por dentro", os tributos estão embutidos e misturados nos preços, entrando na base de cálculo sobrepostos e em cascata. Por isso, não se consegue saber, de fato, o que é pago em impostos no consumo.
Exceções são a regra no sistema atual
O sistema tributário opaco favoreceu a criação de enorme quantidade de exceções, regimes especiais, reduções, isenções e abatimentos de tributos. O resultado foi uma macarronada tributária em que não se consegue saber o que está sendo pago em impostos. Pode-se lembrar, para dar uma ideia da barafunda, que bombons passaram a ser vendidos como "wafers" e perfumes como água de colônia, para aproveitar brechas e driblar a tributação.
Foi a aprovação da reforma da Câmara que jogou luz sobre a questão da alíquota elevada na tributação do consumo de bens e serviços. Embora seus efeitos concretos só comecem a aparecer, num período de teste, em 2026, a transparência inerente ao funcionamento do novo sistema já está mostrando seu valor. Mostrou, por exemplo, que, para manter a neutralidade da reforma, sem alteração na carga tributária, o nível da alíquota padrão dos novos tributos dependerá diretamente das isenções e reduções para setores específicos, que vierem a ser estabelecidas na reforma. Quanto mais isenções, reduções e abatimentos, obviamente maior terá de ser a alíquota dos tributos para manter o mesmo volume de arrecadação. Pela proposta original da reforma, na qual as exceções eram poucas, as estimativas era de que uma alíquota de 25% seria suficiente.
Ocorre que, para angariar a enxurrada de votos que o texto da reforma teve na Câmara, o relator, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), inundou-o com alterações de última hora. Foram criados cinco regimes específicos, beneficiando combustíveis, serviços financeiros, imóveis, hotelaria, e até parques de diversão e restaurantes. No último segundo, foi ainda incluída uma ampliação da imunidade tributária de igrejas.
Sem testes, alíquota é chute
Com base no texto aprovado na Câmara, o pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) José Maria Oliveira concluiu, em nota técnica, que a alíquota padrão necessária para manter a carga tributária neutra deveria se elevar a 28%. O cálculo, porém, como ressaltou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não considerou o volume de receitas públicas reduzido por sonegação, elisão e evasão fiscal, e que, pelo menos em parte, pode ser recuperado, como efeito da própria reforma tributária.
Esse volume de tributação que escapa da arrecadação é alto. A Receita Federal estima que corresponde a pelo menos 20% do que é arrecadado com os tributos que serão substituídos pela CBS e o IBS, algo em torno de R$ 250 bilhões por ano. Se os recursos desviados fossem incorporado ao total de receitas, manter a carga tributária não exigiria alíquotas tão elevadas.
Assim que foi indicado relator da reforma tributária no Senado, o senador Eduardo Braga (MDB-AM) anunciou que solicitaria ao ministério da Fazenda cálculos que permitissem saber as alíquotas que deveriam ser adotadas para manter a carga tributária neutra. Mas, diante do tamanho da sonegação, da elisão e da evasão, fica claro que qualquer estimativa não passará de chute. Só será possível, de fato, saber qual alíquota deverá ser adotada depois dos testes do funcionamento do novo sistema tributário, já previstos na reforma, a partir de 2026.
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