José Paulo Kupfer

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Opinião

Campos Neto pode ser bode expiatório de Lula, mas dá margem às críticas

Lula botou mais lenha na fogueira que vive alimentando com críticas ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, ao acusá-lo de "ter lado político e atuar para prejudicar o país". A declaração foi feita nesta terça-feira (18), à rádio CBN, no dia em que começou mais uma reunião do BC para definir o nível da taxa básica de juros (taxa Selic), na qual há quase unanimidade entre analistas de que será interrompido o ciclo de cortes iniciado em agosto de 2023.

Campos Neto, o executivo de banco nomeado pelo então presidente Jair Bolsonaro para dirigir a instituição responsável por traçar a política de juros e regular o mercado financeiro, é alvo de críticas do presidente da República desde o início de seu terceiro mandato. Além de denunciar supostas e indevidas relações de Campos Neto com o mercado financeiro, Lula critica a também suposta ligação do presidente do BC com líderes bolsonaristas.

Na entrevista desta terça-feira, Lula comparou Campos Neto ao senador Sérgio Moro, quando juiz da Operação Lava Jato. Assim como, na opinião de Lula, Moro atuou de forma política para tirá-lo da corrida presidencial em 2018 e depois se tornou ministro de Bolsonaro, Campos Neto estaria atuando para dificultar o crescimento da economia, com base em aspirações políticas, em oposição a Lula.

Muitos enxergam nessas críticas a intenção de Lula em encontrar um bode expiatório para as dificuldades enfrentadas pela economia. A fogueira realimentada pelo presidente, neste atual momento, seria uma tentativa de desviar o foco dos reais problemas que estão levando a cotação do dólar a avançar e se manter nas proximidades de R$ 5,50, ao lado da deterioração de outros indicadores econômicos. Embora não se possa garantir, esta é, obviamente, uma possibilidade.

Alguns condenam a tentativa de interferência de Lula na decisão dos diretores do BC que compõem o Copom (Comitê de Política Monetária), colegiado ao qual cabe definir o nível dos juros básicos. Deve-se convir, porém, que, diante dos mandatos fixos de que dispõem os membros do Copom, declarações, avaliações ou mesmo pressões, ainda que partindo do presidente da República, quando feitas em público, podem ter efeito em termos políticos gerais, não na decisão específica sobre os juros.

Da mesma forma, não se pode presumir que Campos Neto não siga pressupostos técnicos ao presidir o Copom. Ele é, no entanto, criticado por ter baixado demais os juros básicos, levando a taxa Selic a 2% ao ano, no auge da pandemia, em 2020, e também por demorar demais em cortá-los, entre 2023 e 2024, mantendo as taxas reais entre as maiores do mundo, acima de 6% ao ano.

Comportamento descuidado

É fato, no entanto, que o presidente do BC sempre foi descuidado em relação ao comportamento institucionalmente exigido do presidente — o primeiro, lembre-se — de um BC com independência operacional formal, adquirida por lei em 2021.

O presidente do BC independente participava de churrascos promovidos por Bolsonaro e fazia parte de grupos de WhatsApp de ministros do governo anterior. Num gesto impensável para o líder da autoridade monetária do país, Campos Neto foi votar, nas eleições presidenciais de 2022, vestindo camisa amarela da seleção de futebol, que se transformara em símbolo do bolsonarismo.

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Já agora, em junho, o presidente do BC deu novos e mais contundentes argumentos a seus críticos, dos quais Lula ocupa a primeira fila, ao aceitar participar de jantares e homenagens com a presença ou mesmo promovidos pelo governador paulista, Tarcísio de Freitas, presumível candidato da oposição bolsonarista à sucessão de Lula em 2026. Consta até que teria sido sondado e aceitado convite para ministro da Fazenda, num eventual governo Tarcísio.

Não são, sem a menor dúvida, atitudes condizentes com a posição que Campos Neto ocupa, permitindo alimentar todo tipo de teoria sobre sua atuação à frente do BC, inclusive as conspiratórias. Para evitar exatamente a proliferação dessas teorias, o comportamento do presidente do BC deve ser rigidamente discreto, atendo-se de preferência a manifestações institucionais e públicas.

Campos Neto foge ao padrão de presidentes de bancos centrais, sendo assíduo palestrante em eventos fechados, promovidos, na maior parte das vezes, por empresas do setor financeiro. Mais recentemente, por exemplo, aumentou essas participações, ampliando também críticas à condução da política fiscal, atribuição do Executivo.

Também é tido como próximo de banqueiros, tendo vindo a público, em 2021, declarações de André Esteves, do Banco BTG, que vazaram de um evento fechado do banco, segundo as quais o presidente do BC consultava Esteves, privadamente, antes das decisões do Copom.

Diretores têm mandatos fixos

Foi para fortalecer a instituição, com o objetivo de aumentar a eficácia da política monetária que o BC obteve independência operacional formal em 2021. Essa independência garante a seus diretores mandatos fixos de quatro anos, não coincidentes, com possibilidade de uma recondução. Isso significa que não podem ser removidos, exceto em casos de gravíssima falta ética ou técnica, depois de julgamento pelo Senado Federal.

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Anteriormente, o BC gozava apenas de autonomia informal, sem qualquer trava institucional, a partir do estabelecimento de uma convenção política, pela qual presidente da República, ministros de Fazenda e outras autoridades não se pronunciavam publicamente sobre fixação de juros básicos e outros temas da política monetária. Insinuações de interferências sigilosas eram mais comuns.

A independência do BC brasileiro não é completa. Diferentemente de outros países, nos quais o próprio BC fixa as metas de inflação, no Brasil, essa é atribuição do CMN (Conselho Monetário Nacional). Cabe ao BC cumprir as decisões desse colegiado que reúne apenas o ministro da Fazenda, o do Planejamento e o próprio presidente do BC, que atua como seu secretário.

Campos Neto gostaria de ampliar a independência do BC obtendo também autonomia financeira para a instituição. Ele é o patrocinador de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição), que tramita no Senado, cuja vantagem, segundo Campos Neto, é permitir a adoção de políticas salariais e de recursos humanos, em linha com o praticado no setor privado. A PEC sofre inúmeros críticas, inclusive no governo Lula, e não deve andar no Congresso.

Maioria será indicada por Lula

O recrudescimento dos embates entre Lula e ministros do seu governo com Campos Neto se dão às vésperas do fim do mandato do atual presidente do BC, em dezembro. Lula está prometendo indicar o substituto, que tem de passar pelo crivo do Senado, em agosto. O candidato favorito é Gabriel Galípolo, atual diretor de Política Monetária do BC. Galípolo é ligado ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de quem foi secretário-executivo no começo do novo governo Lula, e com trabalhou na prefeitura de São Paulo.

No fim do ano, com a saída de Campos Neto e a indicação de um novo presidente, a diretoria do BC, que hoje conta com quatro dos seus nove diretores indicados por Lula, passará a ter maioria nomeada pelo presidente. Isso é motivo de preocupação no mercado financeiro, e parte das razões da atual instabilidade nos indicadores econômicos, pela presunção de que, a partir de 2025, o BC seria mais leniente com a inflação.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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