Apagões mostram faltar quem fiscalize as agências reguladoras
No jogo de empurra das responsabilidades pelos apagões de energia de longa duração que passaram a assolar São Paulo e outras áreas atendidas pela italiana Enel, estão sobrando culpas, não sem razão, para a Aneel, a agência reguladora do setor elétrico. Responsável pela fiscalização dos contratos de concessão de energia elétrica à iniciativa privada, a agência não tem sido capaz de evitar falhas graves na prestação do serviço.
Não é só a Aneel, porém, que expõe problemas — e descontentamentos — na execução de suas atribuições. Outras agências reguladoras têm sido reprovadas nos testes a que são submetidas quando alguma coisa não funciona nas áreas das concessões ou nos segmentos econômicos às quais cabe proteger consumidores do poder desigual dos fornecedores.
Agências são contestadas em vários setores
Críticas e contestações, de tempos em tempos, atingem também principalmente, mas não só, a ANS, que regula o setor de planos de saúde; a Anac, responsável pelo transporte aéreo; a Anvisa, que fiscaliza medicamentos; a ANP, do setor de petróleo e combustíveis; e a ANA, do setor de saneamento.
No momento, o foco recai sobre a Aneel, mas as luzes das críticas se voltam para a ANS, quando a agência sanciona aumentos muito acima da inflação nos valores anuais de planos de saúde e não impede que empresas quebrem contratos, restringindo benefícios ou recusando pagar por exames e procedimentos.
Quando se trata da Anvisa, a mesma chuva de reclamações cai sobre a agência reguladora nas ocasiões em que aprova remédios sem eficácia comprovada ou proibidos em outros países. Não é diferente com a ANP, quando a agência falha na fiscalização da qualidade de combustíveis vendidos nos postos.
A lista dos problemas é extensa, incluindo falta de qualidade e mau uso da água sob responsabilidade da ANA, assim como dificuldades criadas por companhias aéreas para passageiros, como cancelamentos de voos, mau atendimento em aeroportos e confusões com bagagens, sem a devida pronta intervenção da Anac.
Não está funcionando
São eventos suficientes para permitir concluir que as agências reguladoras não estão funcionando como deveriam. Deve-se ressaltar que este não é um problema exclusivamente brasileiro, as agências sofrem pressão em todo o mundo onde foram instaladas. Mas as lacunas do formato brasileiro e a fragilidade das barreiras institucionais à interferências políticas e de mercado são patentes nas agências reguladoras brasileiras, exigindo revisão e correção.
A criação das agências reguladoras nasceu da necessidade de proteger consumidores em mercados caracterizados por baixa concorrência e presença de grandes empresas fornecedoras de produtos e serviços. As primeiras datam ainda do século 19, nos Estados Unidos, a partir do desenvolvimento das ferrovias.
No Brasil, as agências atuais começaram a ser criadas há pouco menos de 30 anos, no primeiro dos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso na Presidência.
No sistema capitalista, a tendência estrutural é a da formação de oligopólios e monopólios. Nos mercados em geral, empresas mais eficientes tendem a alijar ou incorporar as menos eficientes. O próprio funcionamento do livre mercado conduz à formação de setores com poucas e grandes empresas, com poder de formação de preços.
O instrumento encontrado para evitar o desequilíbrio entre ofertantes e consumidores foi o das agências reguladoras. Sua função é justamente a de proteger consumidores do poder de mercado das empresas que operam em setores com baixa ou nenhuma competição.
É na oferta de serviços públicos essenciais — energia, saneamento, telecomunicações etc —, principalmente quando esses serviços são oferecidos por empresas privadas, que a necessidade de evitar o poder de mercado das empresas fornecedoras é mais crítica. Nesses segmentos, a ação eficaz das agências é crucial.
Monopólios tendem a ser nocivos
Esses serviços são em geral monopólios, como é o caso do fornecimento de energia nas cidades brasileiras. Operado por uma empresa privada, cujo objetivo principal é a obtenção de lucro para remunerar seus acionistas, monopólios são problemáticos e potencialmente nocivos para os consumidores.
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Quero receberSe não há competidores no mercado, qual o interesse espontâneo da empresa em investir em melhorias do serviço, manutenção de pessoal suficiente para operar com o mínimo de falhas ou promover redução de tarifas? Se a resposta é "não", é preciso que exista um poder regulador que obrigue o concessionário a atender a tais necessidades e exigências.
O formato institucional das agências reguladoras, em todo o mundo, é seguido no Brasil. As agências são autarquias, vinculadas aos ministérios voltados para os setores em que atuam, mas independentes do Poder Executivo.
Essa independência é formalmente assegurada pelos mandatos fixos de seus dirigentes — de quatro ou cinco anos, com possibilidade de uma reeleição —, não coincidentes com o mandato dos presidentes da República. Indicados pelo presidente, os diretores das agências são aprovados ou reprovados pelo Senado Federal, só podendo ser demitidos, também pelo Senado, em casos muito excepcionais, a pedido do presidente da República.
Os indicados para a presidência ou direção geral e diretorias das agências são normalmente especialistas nos mercados que elas regulam, com origem tanto no setor público como no setor privado.
A política ajudou a minimizar autonomia
A existência de mandatos fixos, impedindo que o governo demita seus dirigentes, garante, em teoria, que as decisões da agência sejam apenas técnicas, em defesa da competição e do equilíbrio entre ofertantes e demandantes. Na prática, porém, a teoria acaba sendo outra.
Indicações políticas, arranjos partidários e "porta giratória" se combinam para desvirtuar a função e a eficácia da ação das agências reguladoras.
Os problemas da "porta giratória" são comuns e não só no Brasil. É pela "porta giratória" que se dá a captura das agências pelas empresas do setor que cabe a elas regular, fiscalizar, manter a concorrência e proteger o consumidor.
Conflito de interesses
A "porta giratória" se configura pela nomeação de diretores vindo do mercado e que para ele retornam quando se encerram seus mandatos na autarquia. É difícil imaginar que um profissional, com poder de punir empresas, vá fazê-lo quando sabe ser certo que voltará para uma delas quando deixar a agência. As quarentenas fixadas como prazo mínimo de retorno ao mercado têm se mostrado insuficientes para dissipar o risco da captura.
O resumo da história, tomando como exemplo o caso da Enel, em São Paulo, é que está faltando quem regule as agências reguladoras.
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