José Paulo Kupfer

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Opinião

Heterodoxo, Galípolo sabe que servidor público não pode impor suas ideias

A chave, na tentativa de decifrar o que possa vir a ser a gestão do economista Gabriel Galípolo na presidência do Banco Central, deve juntar sua conhecida filiação a ideias econômicas mais heterodoxas com a consciência de que o servidor público não dispõe da liberdade oferecida no setor privado para a imposição de suas próprias ideias.

Essa é a definição do economista Luis Gonzaga Belluzzo para o estilo de Galípolo, de 42 anos, finalmente indicado pelo presidente Lula, nesta quarta-feira (28), para substituir Roberto Campos Neto na chefia do BC, a partir de 2025. Belluzzo, conselheiro informal de Lula há décadas, mantém antigo e estreito relacionamento pessoal e profissional com Galípolo.

Características diferentes

A prática recente parece confirmar a definição de Belluzzo. Na diretoria de Política Monetária do BC, o agora indicado para a presidência da instituição tem defendido posições mais ortodoxas, em relação à política monetária que deve ser executada. As afirmações de que, se for preciso para controlar a inflação, a taxa básica de juros (taxa Selic) deve subir, em aparente conflito com desejos do presidente Lula, são indicativos de que Galípolo operará como servidor público e não ideólogo de linhas de pensamento econômico.

Sinais de descontentamento com escolha, expressos por uma alta da cotação do dólar após o anúncio do anúncio da indicação de Galípolo pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não parecem ter se dado conta de que a segunda característica lembrada por Belluzzo — a noção de que a ocupação de cargo público suplanta a aplicação de ideias próprias — seria predominante no comportamento de Galípolo.

O indicado por Lula para a presidência do BC é um economista com características diferentes daquelas geralmente exibidas pelos ocupantes do cargo. Além da filiação a correntes de pensamento econômico mais à esquerda — o que foge muito da regra —, Galípolo deu aulas de economia, na tradição de muitos ex-presidentes do BC, mas a carreira acadêmica não foi sua principal atividade.

Também não é funcionário de carreira da instituição e sua passagem pelo mercado financeiro, segmento em que outros presidentes do BC se destacaram, não foi longa nem marcante em seu currículo. Interessa-se por filosofia e física, frequentando grupos de estudos sobre esses temas.

Galípolo veste melhor o figurino do administrador público. Formado em economia na PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica, de São Paulo), com mestrado na mesma escola, aos 25 anos, em 2007, assumiu a chefia da assessoria econômica da Secretaria dos Transportes de São Paulo, no governo de José Serra. Um ano depois transferiu-se para a Unidade de Estruturação de Projetos da Secretaria de Economia e Planejamento.

Próximo a desenvolvimentistas

O indicado para a presidência do BC é próximo do grupo de economistas reunidos na Escola de Economia da FGV-SP (Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo) pelo ex-ministro Luiz Carlos Bresser Pereira, de visão desenvolvimentista. Foi nas reuniões de estudos desse grupo que Galípolo conheceu Haddad. Integrante do grupo, o economista José Márcio Rego definiu Galípolo para o jornal "Valor" como um "heterodoxo, mas não um heterodoxo ortodoxo". Galípolo, segundo Rego, é pessoa do diálogo. Essa capacidade de diálogo do também é destacada por Belluzzo.

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Galípolo foi presidente do Banco Fator por quatro anos, período em que a instituição se valeu de seu conhecimento no desenho de parcerias público-privadas para coordenar diversos projetos de concessões e privatizações, com destaque para a Linha Amarela do Metrô de São Paulo e a Cedae (Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro).

Livros revelam posição à esquerda

O indicado à presidência do BC formou duradoura parceria com Belluzzo, com o qual divide a paixão futebolística pelo Palmeiras, na produção de um numeroso conjunto de artigos acadêmicos, mas também em publicações da mídia. Mantiveram por um ano sociedade em uma consultoria econômica, na qual, segundo Belluzzo, quem mais trabalhava nos projetos era o sócio.

Com Belluzzo, Galípolo escreveu três livros — "Manda quem pode, obedece quem tem prejuízo" (2017), "A escassez na abundância capitalista" (2019) e "Dinheiro: o poder da abstração real" (2021). Belluzzo conta que um quarto livro, projeto antigo reunindo entrevistas com intelectuais brasileiros, entre eles o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, não chegou à etapa de final edição, mas há planos de publicá-lo no futuro. O conjunto da obra não permite disfarçar a visão mais heterodoxa e à esquerda.

Ascensão rápida no governo

Conselheiro informal de Lula há décadas, Belluzzo diz não ter sido pela mão dele que Galípolo conheceu o presidente. Fato é que sua ascensão no governo foi rápida. Galípolo esteve presente num dos eventos de Lula com catadores de São Paulo, na época do Natal, em 2021, e no ano seguinte participou da equipe de transição do governo do petista, ocupando, a secretaria-executiva do Ministério da Fazenda, segundo posto da pasta, quando Haddad assumiu se tornou ministro.

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Ficou pouco na Fazenda, tendo assumido a diretoria de Política Monetária do Banco Central em julho do ano passado. Já chegou no BC com a expectativa de que seria indicado por Lula à presidência da instituição.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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