Saque-aniversário é um saque contra trabalhadores e deveria mesmo acabar
Depois de uma longa gestação, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, anunciou nesta quinta-feira (12) a decisão do governo de acabar com o saque-aniversário do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço).
O saque-aniversário foi um saque na poupança forçada dos trabalhadores brasileiros com carteira assinada. Os optantes pela modalidade de retirada de parte de recursos do fundo, anualmente, no mês de seu aniversário, antes da rescisão de seus contratos de trabalho caíram numa armadilha do governo Bolsonaro, que instituiu a regra, em 2019.
Marinho ainda não divulgou como será feita a reversão do saque-aniversário, nem como serão as regras do crédito consignado adotado em substituição às regras atuais. O risco é que continue prejudicando o trabalhador, a parte mais fraca na história, sob a capa de beneficiá-lo, em benefício do sistema financeiro privado.
Saque anual prende o saldo
Quem opta pelo saque-aniversário tem direito a retirar do seu FGTS uma parcela do saldo existente, mas, em contrapartida, no caso de rescisão de seu contrato de trabalho sem justa causa, não poderá ter acesso à totalidade dos recursos existentes em sua conta durante pelo menos dois anos.
A retirada anual equivale a uma alíquota decrescente, conforme o volume do saldo existente, de 40%, para contas com até R$ 500 de saldo, a 5%, contas com saldo acima de R$ 20 mil. Saldos de R$ 5.000 (a rigor, R$ 5.001), por exemplo, cairiam na alíquota de 20% com um adicional de R$ 650, podendo, portanto, sacar R$ 1.650 por ano.
No caso de demissão, mesmo sem justa causa, o trabalhador que optou pelo saque-aniversário tem direito apenas às multas rescisórias e continuará recebendo a parcela do saque aniversário por dois anos, mesmo se reverter a opção para saque-rescisão (a modalidade clássica de retirada dos recursos no FGTS). O saldo da conta permanecerá bloqueado.
Quando optar pelo saque-aniversário, o trabalhador poderá usar o dinheiro sacado como garantia para um empréstimo consignado nos bancos cadastrados. O que parecia ser um benefício para o trabalhador, liberando seu Fundo sem demissão, na verdade, beneficiava mais o sistema bancário.
Benefício para os bancos
Em 2023, por exemplo, o volume de retiradas do FGTS somou R$ 142 bilhões, das quais 44% foram em saques-rescisão e 27% em saques-aniversário. Dos R$ 38 bilhões correspondentes a saques-aniversário, apenas R$ 15 bilhões foram em retiradas diretas, enquanto R$ 23,5 bilhões destinaram-se a bancos, como garantia de empréstimos.
O FGTS foi um dos primeiros instrumentos dentro das reformas econômicas implantadas pela ditadura, ainda nos primeiros anos do regime de exceção, em meados dos anos 60 do século 20. O Fundo veio substituir a estabilidade no emprego depois de 10 anos, até então vigente nas leis trabalhistas, que custava indenizações altas ao empregador, no caso de demissão sem justa causa.
Seu objetivo, além de acabar com a estabilidade no emprego, era criar uma poupança compulsória por trabalhador registrado. Os recursos acumulados deveriam ser destinados ao financiamento a expansão do setor imobiliário e a melhoria dos serviços urbanos, com destaque para o saneamento básico.
Com baixa remuneração, rendia 3% ao ano mais uma correção monetária, aos quais se somava a distribuição de eventuais lucros. Mas, em seus quase 60 anos, o rendimento foi geralmente inferior à inflação. Em 2023, o FGTS registrou lucro recorde de R$ 23 bilhões, dos quais 65% foram depositados nas contas individuais, na base de 0,26% sobre o saldo existente.
Acabar com o FGTS?
No ano passado, o Fundo reunia 220 milhões de contas ativas, com um saldo total de R$ 570 bilhões. O patrimônio do Fundo acumula uma montanha de R$ R$ 700 bilhões, o equivalente a mais de 6% do PIB.
Há quem ache, como o conhecido economista Pérsio Arida, que o FGTS deveria ser extinto, com acesso ao total de seus recursos pelos detentores de contas. Mas a sugestão é polêmica e ainda muito longe de algum consenso.
(Curiosidade: no início, em teoria, os trabalhadores formais poderiam "optar" por permanecer no regime de estabilidade ou migrar para o FGTS. Na verdade, essa "opção" nunca existiu, e os trabalhadores deveriam assinar a opção ou não teriam seus contratos de trabalho renovados. Mesmo assim, continuaram até hoje sendo chamados de "optantes" pelo regime do FGTS).
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