Mesmo sem alimentos e energia, como quer Alckmin, inflação estouraria teto
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Retirar alimentos e combustíveis do IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) considerado pelo Copom (Comitê de Política Monetária) para a definição da taxa básica de juros (taxa Selic), como sugeriu o vice-presidente Geraldo Alckmin, nesta terça-feira, não mudaria nada em 2025.
Projeções apontam variação de 5,6% para o IPCA cheio deste ano e de 5,3%, no caso do IPCA expurgado de alimentos no domicílio e combustíveis. Ainda assim, portanto, acima do teto do intervalo de tolerância do sistema de metas de inflação, que fixa o centro da meta em 3% e permite desvios entre 1,5% e 4,5%.
As projeções foram feitas, a pedido da coluna, pelo economista Fábio Romão, da consultoria LCA-4Intelligence, um dos mais experientes especialistas em acompanhamento de preços. Se o expurgo tivesse ocorrido em 2024, a alta da inflação, que alcançou 4,83%, teria ficado em 3,8%, abaixo do teto, mas acima do centro da meta.
Curiosamente, se o desconto de alimentos e combustíveis tivesse sido aplicado em 2023, o IPCA expurgado seria mais alto do que o cheio. A inflação cheia no ano foi de 4,6%, mas teria subido a 5,4% se não fossem considerados alimentos e combustíveis. Em 2023, houve deflação nos preços de alimentos e o preços de combustíveis, exceto gasolina e gás encanado, tiveram forte retração.
O Copom, na verdade, tem à disposição uma série de índices de preços expurgados de fatores sazonais, mais voláteis ou influenciados por elementos menos sensíveis à política de juros. São chamados de núcleos da inflação. Atualmente, são nove índices observados — dez com a inclusão da média deles —, expurgados das altas de preços menos estruturais e não recorrentes.
No IPCA de fevereiro, que variou 1,31%, por exemplo, a média dos núcleos avançou 0,6%. Embora expresse pouco menos da metade do índice cheio, ainda assim acumularia alta de 7,4% — um grande estouro sobre o teto da meta — se projetado para o acumulado em 12 meses.
Inaugurado há 35 anos, em 1990, na Nova Zelândia, o sistema de metas de inflação é adotado, atualmente, na maioria dos países de economia de mercado. Mas são muitas as variações na sua aplicação.
Existem sistemas de metas de inflação tanto com metas fixas quanto variáveis, intervalos de tolerância maiores ou mais estreitos, com expurgos ou não de grupos de preços não estruturais. Prazos de cumprimento da meta também são variados — estes variam de seis meses a três anos, existindo casos, em que esses prazos não são definidos. Além de todas essas diferenças, as metas podem ser fixadas pelos próprios bancos centrais ou pelo governo.
Nos Estados Unidos, alimentos e energia são expurgados do índice de inflação considerado para a fixação da taxa de juros de referência, com meta anual. Uma meta formal de 2% só foi estabelecida em 2012, sem intervalo de tolerância.
No Brasil, até o ano passado, a meta era definida para a inflação medida pela variação do IPCA cheio, sem expurgos, no período de um ano civil. A partir de 2025, o sistema passou a ser de meta contínua — ou seja, o cálculo considera o acumulado em 12 meses, a cada mês, observado o período de seis meses. A meta — atualmente de 3%, com intervalo de tolerância entre 1,5% a 4,5% — é fixada pelo governo, em decisões do CMN (Conselho Monetário Nacional), devendo ser perseguida pelo Banco Central.
A adoção do sistema de metas veio no vácuo deixado pela fórmula de controle da inflação com base no controle da base monetária — em resumo, da quantidade de moeda em circulação —, que se revelou pouco eficaz depois das duas crises dos petrodólares, a partir dos anos 80 do século passado.
Com tempo, e mais recentemente, o sistema de metas também passou a apresentar ineficiências, sobretudo depois das grandes injeções de recursos para contornar a grande crise financeira global que eclodiu em 2008. O avanço dos déficits e das dívidas públicas tem exigido a aplicação de taxas básicas de juros cada vez mais elevadas, o que acaba contribuindo para frear a atividade econômica, afetando o bem-estar geral da população, e provocando estresses políticos. Não há ainda, porém, consenso sobre formas de substituir o sistema de metas para o controle da inflação.
Tanto economistas de linha de pensamento econômico mais ortodoxas quanto os de filiação mais heterodoxas convergem hoje para a discussão sobre o nível mais adequado para o centro da meta e da amplitude do intervalo de tolerância.
Há crescente número de estudos sobre a necessidade de fixar metas menos ambiciosas, nos casos de economias com fragilidades fiscais. Em outubro do ano passado, um grupo de economistas heterodoxos, entre quais Luiz Gonzaga Belluzzo e Leda Paulani, publicou artigo defendendo um aumento da meta de 3% para 4%.
Do lado mais ortodoxo, o economista Sergio Werlang, professor da FGV-RJ (Fundação Getúlio Vargas, do Rio de Janeiro) e introdutor do sistema de metas de inflação no Brasil, em 1999, quando era diretor do Banco Central, é um dos defensores de metas menos duras.
Outro defensor de que o Copom mire mais o teto do que o centro da meta, na determinação da taxa básica de juros, é o respeitado economista Aloisio Araújo, também da FGV e professor emérito do Impa (Instituto de Matemática Pura e Aplicada).
Referência do lado ortodoxo em política econômica, Araújo acaba ter aceito por importante publicação acadêmica internacional de temas macroeconômicos artigo com coautores justamente sobre metas de inflação em ambiente de estresse fiscal.
Araújo considera a meta de inflação de 3% inadequada para a economia brasileira no momento. É fato que, desde 1994, ano da adoção do Plano Real, lá se vão mais de 30 anos, a inflação só ficou abaixo de 4% em quatro anos.
Embora não aconselhe rever a meta para um ponto que considera mais adequado, entre 4% e 4,5%, o economista, sugere que o Copom mire o intervalo de tolerância, o que permitiria determinar altas menores nos juros Selic.
Até aqui, pelo menos em sua comunicação oficial com o público, o Banco Central e o Copom não têm dado indicações de que acatam a sugestão. O discurso oficial, repetido pelo presidente do BC, Gabriel Galípolo, é o de que o governo fixou o centro da meta e cabe ao BC persegui-la.
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