O dia em que um desempregado sequestrou avião para tentar matar Sarney
Há 35 anos, um homem insatisfeito com a política no Brasil sequestrava um avião da Vasp (Viação Aérea São Paulo). Seu objetivo era jogar a aeronave contra o Palácio do Planalto e matar o então presidente José Sarney. Neste ano, o fato ganha um filme, que conta em detalhes a história do sequestro que passou a ser chamado de "11 de Setembro brasileiro", em alusão aos atentados contra as torres gêmeas nos EUA em 2001.
O que aconteceu
O sequestro ocorreu em 29 de setembro de 1988. Na manhã daquele dia, Raimundo Nonato Alves da Conceição embarcava no voo Vasp 375, no aeroporto de Confins (MG). Ele era um tratorista desempregado de 28 anos. O autor do crime se sentia insatisfeito com a situação política do país e os rumos da economia. Ele atribuía esses fatores a José Sarney.
O voo havia partido de Porto Velho (RO) e tinha como destino o aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro. No caminho, foram feitas escalas em Cuiabá, Brasília, Goiânia e no aeroporto de Confins (MG), vizinho à capital Belo Horizonte.
Voo era feito por um avião Boeing 737. A bordo estavam 98 passageiros e 7 tripulantes. Todos sobreviveram, exceto o copiloto.
Falta de detectores de metal e aparelhos de raio-X facilitaram o sequestro. Com padrões de segurança inferiores aos atuais, Nonato conseguiu entrar no avião portando um revólver calibre 32 e dezenas de munições.
Sequestro e tiros a bordo
Enquanto sobrevoava o Rio de Janeiro, o sequestro foi anunciado. Ao tentar entrar na cabine de comando, Raimundo Nonato baleou o comissário Ronaldo Dias, que se arriscou a impedi-lo.
Diversos tiros foram disparados contra a porta, que não era blindada. Outro tripulante, Gilberto Renhe, foi acertado na perna.
Tiro atingiu o painel do avião. Com isso, os pilotos optaram por abrir a porta para que os disparos cessassem.
Piloto avisou pelo sistema do avião que havia algo errado a bordo. Sem que o sequestrador percebesse, ele acionou o código 7500 no transponder da aeronave, o que indica que ela estava sob interferência ilícita.
Copiloto morreu no avião
Sequestrador suspeitou da atitude na cabine de comando. Diante do aviso de que algo estava errado a bordo, o Cindacta (Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo), órgão ligado à FAB (Força Aérea Brasileira), tentou contato com os pilotos.
Disparo tirou a vida do copiloto. Salvador Evangelista tentava responder o contato dos controladores de voo, quando o sequestrador atirou na nuca do copiloto. Ele morreu na hora.
Nonato pediu desvio de rota. Após matar Evangelista, o sequestrador exigiu que o Boeing 737 da Vasp fosse desviado para Brasília. Seu objetivo era jogar o avião sobre o Palácio do Planalto e matar o presidente José Sarney.
Manobras para evitar o pior
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Quero receberO comandante Fernando Murilo disse a Nonato que as condições de visibilidade em Brasília não eram boas. Era uma estratégia para evitar que o avião fosse para a capital federal.
Conversa surtiu efeito. Diante do diálogo com o comandante, o sequestrador desistiu de jogar o avião no Palácio do Planalto.
Aeronave estava com pouco combustível. Mesmo sem poder voar por muito tempo, o comandante foi impedido de pousar na Base Aérea de Anápolis e no Aeroporto de Brasília. Foi nesse momento que Nonato decidiu levar o avião para São Paulo, momento em que o Boeing 737 começou a ser acompanhado por um caça Mirage da FAB.
Motor já começava a falhar. Com poucos minutos restantes no ar, o comandante Murilo fez uma manobra praticamente impossível com aquele tipo de avião, um tonneau. Ela consiste, de maneira simplificada, em virar o avião de cabeça para baixo e, depois, voltar à posição normal de voo, completando uma volta em torno de seu eixo longitudinal.
Até então, não se sabia se o avião era capaz de fazê-la carregado de passageiros. Manobra é comum em caças militares, que são fabricados para isso. Após isso, outra manobra foi feita, mergulhando o avião em parafuso rumo ao solo. Sequestrador foi jogado fora da cabine na manobra, mas conseguiu se recuperar e voltar a empunhar a arma.
Pouso e tiroteio
Avião posou no aeroporto de Goiânia (GO). Já passava das 13h45 daquele dia.
Negociações seguiram por várias horas. Raimundo Nonato exigia um avião menor para que pudesse fugir.
Por volta das 19h, o sequestrador desceu da aeronave. Nos momentos seguintes, teve início uma troca de tiros, e o comandante Fernando Murilo, que era usado como escudo humano, foi baleado na perna.
Três tiros atingiram Raimundo Nonato. Ele foi socorrido com vida.
Sequestrador morreu no hospital três dias depois. A causa da morte, entretanto, não foi relacionada aos tiros. Ele morreu de anemia falciforme. A causa de seu óbito gerou a suspeita à época de que ele foi morto intencionalmente após prestar depoimento à polícia, mas nada ficou comprovado.
Sarney disse ter ficado triste ao saber que o sequestrador era seu conterrâneo. Raimundo Nonato havia trabalhado em empresa de construção civil no Iraque, e voltou ao Brasil pouco antes do sequestro. Pessoas próximas a ele disseram que não entendiam como ele teria feito o crime, já que ele não demonstrava ter posições políticas.
Comandante herói
Fernando Murilo foi condecorado pelo seu feito, considerado heroico. Ele recebeu a Ordem do Mérito Aeronáutico à época.
Em 2001, Sindicato Nacional dos Aeronautas também concedeu honraria ao piloto. Ele recebeu o troféu Destaque Aeronauta por evitar uma tragédia maior.
O comandante morreu em 2020, aos 76 anos. Ele dizia que nunca recebeu um agradecimento oficial da Presidência da República por seu ato em evitar mais mortes e que o Palácio do Planalto fosse atacado.
O que mudou desde então?
Desde o ocorrido, várias coisas mudaram na aviação. Nem todas têm ligação direta com o sequestro, mas são resultado da evolução em busca da segurança no setor.
- Em caso de aviso de interferência ilícita, os controladores não tentam mais entrar em contato via rádio com o avião, para evitar que ocorra o que aconteceu com o copiloto.
- As portas das cabines de comando passaram a ser blindadas.
- Aparelhos de raio-X foram instalados nos aeroportos de grande movimentação, assim como detectores de metal.
Filme estreia em dezembro
Filme "O Sequestro do Voo 375" chega em 7 de dezembro aos cinemas. Longa foi gravado no estúdio Vera Cruz, em São Bernardo do Campo, e relata o sequestro do Boeing 737.
Danilo Grangheia e Jorge Paz interpretam o comandante Murilo e o sequestrador Raimundo Nonato, respectivamente. Longa é dirigido por Marcus Baldini (de "Bruna Surfistinha" e "Os Homens São de Marte... e É pra lá que Eu Vou", entre outros) e tem produção de Joana Henning.
Avião foi recriado dentro dos estúdios. Uma estrutura especial para as equipes realizarem a filmagem foi feita no Vera Cruz, revivendo detalhes da época.
A filha do copiloto ajudou nas filmagens. Wendy Evangelista esteve presente diversas vezes nas gravações. Diversas pessoas que estiveram envolvidas com o episódio ajudaram com a história. Entre elas estão jornalistas que cobriram o caso, agentes de segurança pública, ex-funcionários da empresa e o próprio piloto.
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