Todos a Bordo

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Reportagem

História trágica: Por que piloto não pode ficar sozinho na cabine do avião?

Há dez anos, um acidente marcava a aviação para sempre. Um piloto aproveitou que o comandante do voo saiu da cabine, se trancou lá dentro e jogou o avião contra uma montanha.

Ele enfrentava um quadro grave de depressão. Ao todo, 150 pessoas morreram na queda - dessas, 144 eram passageiros e seis, tripulantes.

Após a tragédia, diversas medidas foram tomadas para que situações similares não se repitam.

Antes do voo

Na manhã de 24 de março de 2015, um avião Airbus A320 que realizaria o voo 9525 se preparava para decolar. Ele era operado pela empresa alemã Germanwings, subsidiária de baixo custo da Lufthansa.

Ele decolou às 10h de Barcelona (Espanha) rumo a rumo a Düsseldorf (Alemanha). O voo tinha previsão de durar cerca de 1h40min. Os tripulantes que estavam a bordo eram os mesmos que haviam feito a etapa anterior da Alemanha à Espanha.

Andreas Lubitz, de 27 anos, era o copiloto. Ele já havia demonstrado sinais de problemas psicológicos no passado, mas continuava na ativa.

Ele era considerado apto para voar, mas documentos revelados posteriormente ao acidente mostraram que ele ocultava um histórico de depressão severa e tendências suicidas.

O voo

O avião decolou de Barcelona por volta das 10h no horário local, subindo até a altitude de cruzeiro de 11,6 km normalmente. Durante essa etapa do voo, o comandante Patrick Sondenheimer conversava com Lubitz sobre a programação do dia, mencionando que não havia tempo para ir ao banheiro antes da decolagem e que faria isso assim que possível.

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Por volta de 30 minutos após a decolagem, o comandante deixou a cabine para usar o toalete, deixando o copiloto desacompanhado no controle do avião. Foi nesse momento que a o destino de todos ali dentro começava a mudar de fato.

Sozinho, Lubitz trancou a porta da cabine de comando e assumiu a operação sozinho. Em poucos instantes, ele ajustou a altitude e iniciou a descida abrupta em direção aos alpes franceses.

A queda

Destroços de avião que caiu em 2015
Destroços de avião que caiu em 2015 Imagem: Fabrice Balsamo/Gendarmerie Nationale

Durante os dez minutos seguintes, o avião foi perdendo altitude de forma muito rápida. Ao voltar, o comandante percebeu que a porta estava trancada, e acionou a campainha para que o copiloto abrisse a porta.

Diante da falta de resposta, começaram a tocar o interfone da cabine, o que aconteceu mais três vezes, levando a tripulação a tomar medidas drásticas. Do lado de fora, o comandante tentava desesperadamente entrar na cabine, mas sem sucesso.

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A porta é feita para resistir a impactos de arma de fogo, fragmentos de granada e, também, evitar que alguém indesejado a abra.

O comandante batia e gritava do lado de fora, forçando a entrada, mas Lubitz não respondia. Ao mesmo tempo, diante do comportamento estranho do avião, os controladores de tráfego aéreo tentavam contato, também em vão. O mesmo aconteceu para o serviço de defesa aérea francesa, que também ficou sem resposta.

Dentro da cabine, Lubitz permanecia em silêncio. A investigação feita após a queda indicou que ele encostou levemente em um dos controles de voo, mas sem desconectar o piloto automático.

A aceleração automática e o controle de altitude do piloto automático permaneceram ativos até o final. Sua respiração se manteve tranquila até o momento do impacto, segundo o áudio da caixa preta.

A aeronave se chocou contra uma encosta remota dos Alpes franceses a cerca de 700 km/h após pouco mais de 40 minutos de voo. Nenhum dos 150 ocupantes sobreviveu.

O impacto foi tão violento que os destroços ficaram espalhados por uma área de cerca de 2 km², dificultando as operações de resgate. O maior pedaço encontrado da aeronave era do tamanho aproximado de um carro.

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As investigações

Os investigadores rapidamente recuperaram as caixas-pretas, que revelaram os últimos momentos do voo. Os áudios mostraram os esforços desesperados do comandante para reentrar na cabine e os sons da respiração calma de Lubitz até o impacto. Não houve qualquer problema técnico com o avião.

A tragédia foi causada deliberadamente pelo copiloto, que enfrentava problemas sérios e precisava de ajuda. Documentos médicos mostraram que Lubitz havia sido declarado inapto para voar por seus médicos particulares, mas ele nunca informou a companhia aérea, levantando questões sobre a privacidade médica dos pilotos.

O relatório final da investigação apontou que o copiloto, provavelmente, tinha medo de perder "sua capacidade de voar como piloto profissional se ele tivesse relatado sua diminuição de aptidão médica à empresa". Ele também se preocupava com o impacto financeiro caso isso ocorresse, já que não estaria coberto por um seguro se ficasse incapacitado de voar.

Ainda foi apontada a falta de clareza nas diretrizes alemãs se a confidencialidade médica pode ser deixada de lado quando há uma ameaça à segurança pública.

O que mudou na aviação?

Após o acidente, diversas mudanças foram implementadas na aviação. O relatório final fez recomendações importantes para evitar casos semelhantes.

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O mais icônico foi a regra dos dois tripulantes na cabine. Com isso, passou a ser adotada a exigência de que sempre haja pelo menos dois membros da tripulação na cabine de comando durante o voo.

Caso um dos pilotos precise sair, um comissário deverá entrar e aguardar o retorno dele para sair novamente. Isso busca evitar que atitudes unilaterais deliberadas sejam tomadas de forma arbitrária.

Outra medida foi a criação de estudos para o acesso à cabine por quem esteja do lado de fora dela em caso de emergências. Isso poderia ser feito por meio do uso de chaves que o piloto levaria com ele ao sair do local, o uso de digitais previamente gravadas ou até mesmo a inserção de uma nova porta após o banheiro (já falamos dessa nova tecnologia aqui).

Aspectos médicos também foram melhorados, como o compartilhamento de informações médicas em caso de risco à segurança. Também, foi estimulado o maior suporte psicológico para as tripulações por parte das empresas aéreas, encorajando que os profissionais busquem ajuda sem medo de serem suspensos.

Procure ajuda

Caso você tenha pensamentos suicidas, procure ajuda especializada como o CVV (www.cvv.org.br) e os Caps (Centros de Atenção Psicossocial) da sua cidade. O CVV funciona 24 horas por dia (inclusive aos feriados) pelo telefone 188, e também atende por e-mail, chat e pessoalmente. São mais de 120 postos de atendimento em todo o Brasil.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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