Todos a Bordo

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Reportagem

Ela perdeu o marido em acidente aéreo e hoje ajuda familiares de vítimas

Em 31 de outubro de 1996, o Fokker 100, que realizava o voo TAM 402, caiu na cidade de São Paulo após decolar do aeroporto de Congonhas. Esse acidente marcou o início de uma luta de diversas famílias para que os parentes de vítimas de acidentes aéreos tivessem a assistência necessária, com todo tipo de apoio e orientação.

À frente desse movimento, uma das pessoas que se destacou foi Sandra Assali, que perdeu o marido, José Rahal Abu Assali, na queda. Junto a outros familiares, ela fundou em maio de 1997 a Abrapavaa (Associação Brasileira de Parentes e Amigos de Vítimas de Acidentes Aéreos) que, até hoje, presta apoio a quem perdeu um ente querido.

Veja a seguir os principais pontos da entrevista com Sandra e a história da Abrapavaa contada por ela.

Do luto ao apoio

UOL: Como você recebeu a notícia da morte de seu marido?
Sandra Assali: Meu caso foi bastante específico. Até pelo fato de a empresa não estar preparada. À época, o que tínhamos era rádio, TV, jornal e telefone, a internet era discada ainda. Eu nunca recebi uma ligação da empresa para me comunicar que meu marido era um dos passageiros. Eu só soube porque a televisão começou a mostrar o acidente e apareceu o nome dele. Isso não acontece mais hoje, mas, naquela época, vivemos a dolorosa experiência de crianças assistindo desenho na TV, se preparando para ir para a escola e viram o nome do pai ou da mãe com os das demais vítimas.

UOL: O que você sentiu em seguida?
Sandra Assali: Gerou um impacto em minha vida, de muita dor e sofrimento, lógico. Em seguida, lidar com datas difíceis como o Dia de Finados. Logo depois vem o Natal, que nos atinge mais ainda, já que é uma época de estarmos juntos com as nossas famílias.

UOL: Quando você e os demais familiares decidiram se reunir?
Sandra Assali: Foi no começo de 1997 que começamos a procurar por mais informações, e, já em acompanhamento psicológico. Entendemos que precisávamos estar juntos para criar forças. Após Abrapavaa e como as pessoas estavam reagindo à importância da Associação, percebemos o quanto o Brasil precisava disso.

UOL: O que você tem a dizer aos familiares e amigos das vítimas do acidente com o avião da Voepass?
Sandra Assali: É um momento de luto, de digerir a perda. Pode ter certeza de que é muito difícil, porém, é um fato. E, quando é um fato, há a necessidade de enfrentá-lo. Digo a eles que vivam esse momento de luto agora. Não deixem de ser acompanhados por um profissional, o que vai ser necessário. Estejam próximos de pessoas com as quais vocês se sentem bem, dos seus amigos e familiares, pois será necessário apoio. Tem gente que prefere se isolar, ficar no seu canto e pensar na vida, e é preciso que seu silêncio seja respeitado. Mas que sejam acompanhados para não ficarem doentes.
É um fato, ele aconteceu, por mais doloroso que seja. O luto é para sempre. O que acontece é que você aprende a lidar com o luto. Você tem uma história agora, e ela irá te acompanhar pelo resto de sua vida, não tem volta. Dentro de tudo isso, é importante procurar as boas lembranças e as memórias dos bons momentos que te trazem um alento.
Você não está sozinho, mas tem a sua história e a sua dor. Manifesto os nossos sentimentos e afirmamos que a Abrapavaa está e estará sempre à disposição para todos.

Sandra Assali ao lado de Jerome Cadier (Latam), Sérgio Quito (Gol), John Rodgerson (Azul) e o atual governador de SP, Tarcísio Freitas (SP) durante o 1º Congresso da Abrapavaa, em 2022
Sandra Assali ao lado de Jerome Cadier (Latam), Sérgio Quito (Gol), John Rodgerson (Azul) e o atual governador de SP, Tarcísio Freitas (SP) durante o 1º Congresso da Abrapavaa, em 2022 Imagem: Acervo pessoal
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O início da Abrapavaa

Sandra comenta que a criação da associação foi necessária devido à falta de orientação aos familiares de vítimas de acidentes sobre os seus direitos, sobre as necessidades que devem ser atendidas pela Cia.Aérea, como atendimento psicológico e médico. Também, informações sobre as investigações do acidente, sejam criminal e da aeronáutica e, finalmente, sobre as reparações (indenizações). Tudo ficava por conta dos operadores, que escolhiam como agir, incluindo se prestariam assistência ou não, relata.

Ficamos perdidos, sem assistência. Nem psicológica, nem nada. Como estávamos todos na mesma situação, criamos força e criamos a associação
Sandra Assali, da Abrapavaa

A fundadora ainda lembra que o objetivo foi criar uma associação nacional, e não especificamente para o acidente. O motivo era a falta de legislação específica sobre o tema.

Sandra Assali, uma das fundadoras da Abrapavaa (Associação Brasileira de Parentes e Amigos de Vítimas de Acidentes Aéreos) em visita ao Cenipa (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos)
Sandra Assali, uma das fundadoras da Abrapavaa (Associação Brasileira de Parentes e Amigos de Vítimas de Acidentes Aéreos) em visita ao Cenipa (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos) Imagem: Acervo pessoal

Sandra ainda diz que, nesse tipo de situação, é importante que a primeira reunião com os familiares seja feita com o CEO/Presidente da empresa."Nós levamos essa visão do familiar. Dizemos 'eu sou um ser humano, eu preciso ser acolhido, eu preciso ser ouvido, eu preciso ser respeitado'. Por isso é importante que o executivo não delegue isso para ninguém, que seja ele próprio que faça essa reunião. É um momento difícil, mas o familiar se sente seguro e acolhido quando o CEO é quem realiza esse encontro", diz Sandra.

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Entre os anos de 1999 e 2000, a Abrapavaa elaborou um projeto para que o Brasil tivesse uma regulamentação para situações como essa, no molde da que já existia nos Estados Unidos. No Congresso brasileiro, a associação teve a oportunidade de apresentar essa iniciativa, que foi convertida no Plano de Assistência aos Familiares de Vítimas de Acidentes Aéreos.

Responsabilidades das empresas aéreas

31.out.1996 - Bombeiros trabalham no local da queda de um Fokker 100 da TAM, voo 402, no bairro do Jabaquara, em São Paulo. Logo após decolar do aeroporto de Congonhas, o avião apresentou problemas, perdeu altitude, bateu em dois prédios e explodiu, matando 99 pessoas entre passageiros, tripulantes e moradores da região
31.out.1996 - Bombeiros trabalham no local da queda de um Fokker 100 da TAM, voo 402, no bairro do Jabaquara, em São Paulo. Logo após decolar do aeroporto de Congonhas, o avião apresentou problemas, perdeu altitude, bateu em dois prédios e explodiu, matando 99 pessoas entre passageiros, tripulantes e moradores da região Imagem: Moacyr Lopes Jr./Folhapress

Atualmente, a norma que regulamenta os procedimentos a serem implementados pelas empresas aéreas estão previstos na IAC (Instrução de Aviação Civil) nº 200-1001, de 2005. Conforme a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), entre outras, as empresas devem providenciar:

  • Notificação pessoal e suporte aos familiares por equipe treinada;
  • Locais nos aeroportos para receber sobreviventes e familiares;
  • Assistência em imigração e alfândega, quando aplicável;
  • Contato com agentes diplomáticos para vítimas estrangeiras, quando aplicável;
  • Deslocamento dos familiares ao local do acidente ou base de apoio mais próxima;
  • Provisão de necessidades básicas em Centro de Assistência Familiar;
  • Devolução de pertences pessoais recuperados;
  • Informações atualizadas sobre o acidente;
  • Acompanhamento da identificação e desembaraço dos corpos;
  • Traslado dos corpos para sepultamento.

A agência fiscaliza se as empresas aéreas mantêm seus planos de assistência atualizados, além de realizar simulações periódicas para avaliar a preparação das companhias em situações como essas.

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Além da norma federal, as próprias aéreas têm planos próprios de assistência em casos de acidentes aéreos. São elas quem coordenam a participação dos órgãos públicos e outras empresas nesses planos de assistência.

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