Se focar só no produto e não no desejo do cliente, o marketing pode falhar
O economista norte-americano Theodore Levitt lançou em 1960 na “Harvard Business Review” o conceito de miopia em marketing, no qual relata a curta visão das empresas quando aponta o perigo que estas correm quando se enamoram e se voltam para o produto, ao invés de se orientarem para o mercado e para as necessidades de seus clientes.
Vale lembrar que um negócio pode ser entendido por meio de três vetores diferentes: qual tecnologia emprega, qual necessidade do cliente atende e qual grupo de clientes atende.
No auge do transporte ferroviário nos EUA, se perguntasse a um empresário deste setor qual o seu negócio, ele responderia com orgulho que é a ferrovia. Mas ferrovia é uma tecnologia. Está certo que uma empresa no segmento ferroviário tem como ativos estradas de ferro, locomotivas, vagões de carga e de passageiros, estações de embarque e desembarque, terminais de estacionamento e manobra, além de pessoal treinado para operar todo este equipamento e do pessoal de suporte administrativo. Quando este empresário responde desta forma, ele se atém à tecnologia empregada ou à tecnologia que a empresa domina.
Se lapidar a pergunta para qual o benefício que a empresa traz aos seus clientes, a resposta será que opera transporte de passageiros e carga. Esta diferença é muito relevante.
A ascensão das empresas de transporte aéreo fez com as empresas de transporte ferroviário entrassem em decadência nos EUA, pois as empresas ferroviárias, em função da miopia de marketing, não enxergaram a tempo que as empresas aéreas eram suas concorrentes e acabaram por não atualizar sua estratégia.
Eu não considero esta troca fácil, mas as ferroviárias nem tiveram a chance de ver de onde vinha a ameaça. Este foi o exemplo brilhante adotado por Theodore Levitt em sua abordagem sobre qual deveria ser o foco do negócio e do impacto que isto causava na redefinição do conceito de negócio pela empresa.
Uma empresa que domina a tecnologia de fibra de vidro pode fazer cabines telefônicas e varas de pesca, mas cada um destes produtos atende necessidades diversas de diferentes clientes. Enquanto uma cabine se trata de uma venda realizada para empresas de telefonia pública, uma vara de pesca será vendida para lojas de pesca, clientes finais diferentes, canais diferentes, marketing mix diferente.
Por seu lado, uma loja de material de pesca atende ao seu cliente final, o pescador, e a loja deve ter não somente a vara de pesca (que utiliza tecnologia de fibra de vidro), mas vários outros itens que atendem à necessidade do pescador, como vestuário de pesca (que vem da indústria de confecção), anzóis (que vem da indústria metalúrgica), botes (que vem da indústria de vulcanização e borracha). Mas o proprietário da loja de pesca pode pensar que seu negócio é vender apenas itens de pesca.
Do ponto de vista do cliente, a loja atende sua necessidade de lazer de pesca. O cliente que hoje deseja pescar, se por um lado deveria poder ampliar seu consumo comprando também naquela loja pacotes de viagem voltados à pesca, pode, por outro lado, optar por ter lazer substituindo este por outro, como caminhar na montanha, mergulhar ou fazer um passeio de bicicleta.
Enfim, não se deve perder o foco do que um produto serve, para resolver um problema do cliente. Se você foca exclusivamente no produto e não no benefício que o cliente deseja ver atendido, corre o risco de não entender seu cliente nem quem são seus concorrentes, fazendo com que sua estratégia de marketing falhe.
* Alberto Ajzental é engenheiro civil pela Poli-USP e mestre e doutor pela Eaesp-FGV. Foi e é professor de estratégia de negócios, marketing e de economia nas escolas ESPM-SP e Eesp-FGV. Autor dos livros “A Construção de Plano de Negócios” (Ed. Saraiva), “História do Pensamento em Marketing” (Ed. Saraiva) e “Complexidade Aplicada à Economia” (Ed. FGV).
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