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Por que o BC corta juros, mas você ainda paga 300% no cheque especial?

Téo Takar

Colaboração para o UOL, em São Paulo

07/02/2018 18h21

O Banco Central baixou novamente a taxa básica de juros (Selic) nesta quarta-feira (7). Mas não espere grandes reduções nos juros que você paga no banco. Enquanto a Selic agora é de 6,75% ano ano, o cheque especial, por exemplo, continuará cobrando cerca de 300% ao ano (12% ao mês).

Segundo especialistas, a Selic é responsável por 20% do custo do dinheiro no Brasil. Os 80% restantes são decorrência de falta de competição, lucro dos bancos, calotes, ausência de informações sobre os bons pagadores e impostos.

Não há competição entre os bancos no Brasil. Praticamente 90% do setor está nas mãos de cinco instituições. Por isso, não existe uma preocupação efetiva em reduzir as taxas cobradas.

Andrew Storfer, diretor de Economia da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac)

Leia abaixo por que os juros continuam altos para o consumidor e o que poderia ser feito para as taxas caírem.

Calote é principal vilão, mas está em baixa

O risco de calote é sempre um argumento recorrente dos bancos no Brasil para justificar os juros altos, especialmente no cheque especial e no cartão de crédito. O país ainda se recupera de dois anos seguidos de recessão e alto nível de desemprego.

Tudo isso não é novidade para ninguém. Os bancos sempre foram bastante seletivos na concessão de crédito, especialmente nos últimos dois anos, para evitar um salto da inadimplência que pudesse prejudicar seus resultados. Tanto foi assim que os lucros dos bancos continuam espetaculares.

Andrew Storfer, da Anefac

Depois de um longo período em alta, a inadimplência mostrou sinais de melhora em 2017. Segundo o Banco Central, as contas com mais de 90 dias de atraso representavam 3,2% do total no fim do ano passado, contra 3,7% no fim de 2016.

"Os bancos perceberam essa melhora, tanto que reduziram as provisões de crédito [reservas para calotes] em seus últimos balanços. Se o risco de calote está menor, os juros para o consumidor poderiam cair mais", diz Storfer.

Bancos não sabem se você paga as contas em dia

A falta de informações públicas e detalhadas sobre o comportamento financeiro do consumidor também é apontada como uma das razões para os juros altos no Brasil. "No Brasil, só temos o cadastro negativo", diz Bruno Poljokan, diretor da plataforma de empréstimo on-line Just.

Imagine que você sempre pagou suas contas em dia. Mas, por algum motivo, ficou inadimplente por causa de uma conta. Você só aparecerá no sistema por causa dessa conta atrasada. Todo o seu histórico de bom pagador é ignorado.

Bruno Poljokan, diretor da Just

Ele afirma que, em geral, apenas o banco onde o consumidor tem uma conta possui um retrato fiel do seu perfil de crédito.

"Como as informações de crédito são limitadas e o setor bancário é muito concentrado no país, o consumidor acaba conseguindo empréstimo apenas no banco em que tem conta. Como o banco sabe que você não tem muitas opções, ele cobra uma taxa alta. Se você procurar outro banco, provavelmente a taxa será ainda mais alta, porque ele não conhece o seu perfil de crédito", diz.

Segundo ele, a adoção de um sistema de cadastro positivo, que reúne todas as informações financeiras do consumidor, ajudaria a baratear o crédito. O sistema já é adotado nos EUA e em mais de 120 países. No Brasil, o cadastro positivo é tema de um projeto de lei complementar em discussão na Câmara.

"Nos Estados Unidos, por exemplo, você tem o Fico Score, que é um sistema de pontuação que classifica os consumidores conforme o seu risco de crédito. Isso beneficia principalmente os bons pagadores, que conseguem obter taxas menores nos empréstimos", diz o diretor da Just.

Na Europa, os bancos também estão implementando um sistema de plataforma aberta de crédito ("open banking"). Com a autorização do consumidor, os bancos repassam para essa plataforma todas as informações de crédito, que ficam disponíveis para qualquer empresa.

Falta competição entre os bancos

A concentração bancária no Brasil também inibe uma queda mais acentuada dos juros cobrados do consumidor. Os cinco maiores bancos –Banco do Brasil, Bradesco, Caixa Econômica Federal, Itaú Unibanco e Santander– respondem por 90% das operações de crédito no país.

Cerca de 20% da taxa cobrada pelo banco é destinada exclusivamente para o lucro. Se houvesse uma competição maior de mercado, os bancos teriam que reduzir essa margem de lucro para poder oferecer taxas de empréstimo melhores.

Bruno Poljokan, da Just

Andrew Storfer, da Anefac, diz que, atualmente, grande parte do lucro dos bancos provém da área de Tesouraria, ou seja, das operações próprias com títulos públicos, ações e outros ativos no mercado financeiro.

"Hoje, a Tesouraria já entrega o lucro esperado pelos acionistas dos bancos. Os bancos não estão interessados em aumentar a demanda por empréstimos. Por isso, eles podem praticar a taxa de juros que for mais conveniente, com uma margem de lucro alta", afirma Storfer.

No entanto, o executivo da Anefac diz que o ganho fácil dos bancos com operações de Tesouraria está com os dias contados. "Em algum momento, a queda da Selic também vai afetar os ganhos de Tesouraria. Então, os bancos terão que buscar outras fontes de receita para manter o lucro elevado."

Quando esse momento chegar, diz Storfer, os bancos vão ter que se ajustar à nova realidade da economia, oferecendo taxas de juros menores para gerar demanda por crédito e viabilizar o crescimento da economia.

Bancos cobram 'margem de risco' para imprevistos

Normalmente, os bancos embutem nos juros uma margem de segurança para eventuais flutuações da Selic ou para instabilidades da economia. Andrew Storfer, da Anefac, afirma que o comportamento dos juros está mais previsível, uma vez que a inflação está sob controle e a economia, em processo de recuperação. "No cenário atual, isso não faz muito sentido. Os juros na ponta [para o consumidor] poderiam cair mais", afirma o diretor de Economia da Anefac.

Enquanto a Selic caiu pela metade, saindo de 14,5% ao ano no fim de 2016 para 6,75% agora, a taxa média de juros de todas as operações de crédito no país recuou apenas 6,6 pontos percentuais ao longo do ano passado, de 32,2% para 25,6% ao ano, conforme dados do Banco Central.

O juro real, que corresponde ao juro básico descontada a inflação, está hoje na casa dos 3,75% ao ano, uma das menores taxas já vistas no país. “Há pouco mais de dois anos, o juro real estava em 6% ao ano. Mas, agora, não há muito espaço para ele continuar caindo. A tendência é que fique em torno dos 3% a 3,5% nos próximos anos”, prevê Storfer.

Governo também tem parcela de culpa

O governo também tem sua parcela de culpa nos juros altos cobrados nos empréstimos. O Brasil tem uma das maiores taxas de compulsório do mundo --uma parte de todo o dinheiro captado pelos bancos deve ser obrigatoriamente depositada no BC e não pode ser usada.

No fim de 2017, o BC reduziu ligeiramente o compulsório, o que permitiu os bancos ampliar a oferta de crédito em R$ 6,5 bilhões. A alíquota de retenção sobre os depósitos à vista (feitos em conta corrente) recuou de 45% para 40%. Nos depósitos a prazo (um investimento em CDB, por exemplo), o compulsório caiu de 36% para 34%. O compulsório sobre depósitos na poupança foi mantido em 30%.

No resto do mundo, a média das taxas de compulsório é de 3% para depósitos à vista, 2% para depósitos a prazo e nenhum compulsório sobre a poupança.

Na prática, isso quer dizer que os bancos brasileiros têm que captar três vezes mais recursos para emprestar o mesmo volume de dinheiro que bancos de outros países.

Murilo Portugal, presidente da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban)

A afirmação foi feita em uma entrevista concedida em outubro do ano passado para tratar do assunto.

Além da redução do compulsório, os especialistas defendem que o governo diminua a carga tributária incidente sobre os financiamentos, particularmente, o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). "O ideal seria que o imposto não incidisse sobre quem toma o empréstimo, para estimular a demanda por crédito", diz Storfer.

Consumidor não sabe bem o que está fazendo

A falta de educação financeira da população também é apontada pelos especialistas como um fator que colabora para os juros "salgados". Em alguns casos, os bancos podem direcionar intencionalmente os clientes a tomar empréstimos caros, como o cheque especial.

"As pessoas ainda não estão acostumadas a pesquisar taxas de juros, embora você já tenha hoje várias alternativas fora dos grandes bancos para pegar empréstimo mais barato", afirma Bruno Poljokan, diretor da plataforma de crédito on-line Just.

Muita gente pega crédito errado ou até de forma inconsciente. A pessoa olha o extrato e vê: saldo de R$ 1.000 e disponível de R$ 2.000. Ela acha realmente que possui R$ 2.000 na conta e acaba entrando no cheque especial. Tem muito consumidor que não entende que aqueles R$ 1.000 a mais, na verdade, é um dinheiro que o banco está emprestando. Não sabe que vai pagar um juro alto em cima daqueles R$ 1.000 extras.

Andrew Storfer, diretor de Economia da Anefac

Pesquisa feita pelo aplicativo de orientação financeira GuiaBolso só com usuários endividados mostrou que 40% deles estavam usando o cheque especial ou rotativo do cartão de crédito, mas consideravam que não tinham dívidas. Entre os que admitiam estar endividados, apenas 15% sabiam que taxa de juros estavam pagando.

"Essa é uma realidade de muitos brasileiros. As pessoas não enxergam o cheque especial ou o rotativo do cartão como dívidas. São empréstimos caríssimos, que cobram mais de 300% ao ano, e as pessoas muitas vezes parecem não se dar conta disso", diz Poljokan.

Infelizmente, muitas pessoas agem com ingenuidade: 'Daqui a pouco eu consigo pagar. Vai entrar um dinheirinho logo'. É assim que elas pensam. Ficar dois ou três meses no cheque especial deveria ser algo impensável.

Andrew Storfer, diretor de Economia da Anefac

O diretor de Economia da Anefac afirma que o cheque especial sempre será a opção de crédito mais cara oferecida pelo banco. "O cheque especial está disponível imediatamente. Sem qualquer análise de crédito. O banco se baseia no seu histórico para liberar o limite. Mas ele não sabe qual é a sua realidade hoje, se você perdeu o emprego, por exemplo. Por isso, ele embute uma margem de segurança muito alta porque, em tese, o risco de calote é grande."

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