Acabou a Fintwit? Queda do X deixa investidores perdidos e reduz ganhos
A queda no Brasil do X (ou Twitter, nome ainda adotado pela maioria das pessoas) vai completar um mês. Enquanto a rede social fundada pelo bilionário americano Elon Musk busca cumprir as determinações do STF (Supremo Tribunal Federal) para voltar a funcionar no país, um grupo de usuários que tinha no X um importante fórum para trocar ideias de como ganhar dinheiro com investimentos se sente especialmente perdido.
Ao longo de mais de uma década, a chamada Fintwit (mistura de finanças com Twitter) reuniu, em uma comunidade informal porém forte, investidores iniciantes e experientes, profissionais do mercado financeiro, e todo tipo de interessado no assunto. Para alguns membros, o X servia de fonte primária de informações que mexem com os preços de ações na Bolsa de Valores ou mudam as perspectivas para a economia do país.
"O X sempre foi uma rede muito boa, pela rapidez. Prefiro pegar uma declaração de um CEO [Chief Exeutive Officer, presidente-executivo de empresa] ou de um ministro no X do que em um jornal", diz Helô Cruz, que é gestora do fundo de investimentos Stoxos e conta com mais de 100 mil seguidores no X.
Se, com o ex-Twitter, a gestora gastava uma hora por dia para se informar sobre os temas que afetam as suas aplicações, hoje ela diz que o tempo necessário mais do que dobrou. "No X, eu lia analistas de petróleo, que estavam no Oriente Médio. Eu tinha contato com um stock picker da Austrália. Agora, eu até consigo chegar às mesmas informações, mas demora muito mais", afirma Cruz.
Os investidores mais iniciantes também gostavam da facilidade para conhecer as opiniões e estratégias de especialistas do mundo inteiro. "Eu acompanhava muitos gestores e analistas, tanto do Brasil quanto dos Estados Unidos. Tinha vários nomes que eu gostava. Via o que eles estavam falando, estudava e tomava certas decisões", diz o desenvolvedor de softwares Fabio Rodrigues.
(Menos) Lucros na rede
Com o passar do tempo, a rede ganhou tanta importância para as empresas do setor que se tornou um meio de comunicação entre elas e também dos seus representantes com clientes.
Cruz, que também vende cursos sobre investimentos, conta que quase a totalidade dos seus cotistas e alunos provinha da rede. "Estou em compasso de espera. Acredito que o X voltará, que a decisão [judicial] não se sustenta. Não consegui dar uma chance para as outras redes sociais", diz.
Apesar de ela ter sua própria plataforma, onde mantém contato com clientes, há uma preocupação sobre como atrair "novas safras" de investidores. A rede social servia para a captação de novos interessados — intencionalmente ou não.
Luise Villa, fundadora da lola finance, consultoria de marketing para empresas do mercado financeiro, explica que o X tinha sua importância porque atualmente as pessoas buscam certa identificação com os "vendedores" antes de consumir um produto.
"É importante que empresas tenham porta-vozes na internet. Os clientes querem saber mais dos valores ou das crenças de um gestor ou analista. O Twitter oferecia isso sem aquela capa do LinkedIn", diz.
Luiz Fernando Alves, gestor do fundo Versa, corrobora a visão de que o X ajudava clientes a terem uma "personificação" dos fundos. Apesar de o seu perfil na rede, com quase 50 mil seguidores, ser pessoal, ele não raro atraía atenção por suas posições sobre o mercado, a economia e a situação política brasileira.
"Minha conta no X nunca foi parte de uma estratégia. Na verdade, muitas vezes o pessoal da Versa falou para eu maneirar", afirma Alves. "Se ela fosse parte de algo maior, talvez as coisas fossem mais estruturadas e provavelmente eu teria menos seguidores. As pessoas gostam de ver opiniões, de se sentirem suas amigas, de concordarem."
Para além dos gestores e analistas, outros perfis que orbitavam a Fintwit também relataram um baque financeiro com a supensão da rede. É o caso do "Ouriço de Cartola", perfil anônimo que ganhou notoriedade entre os membros da comunidade com um conteúdo sobre estilo de vida. Utilizando muito da estratégia de links afiliados, conquistou cerca de 62 mil sgeuidores.
"Um dia, sem nenhum planejamento, eu comecei a escrever guias de vestimentas, por exmeplo, 'como escolher seu primeiro terno' e 'como escolher gravatas'. Meio que naturalmente um pessoal do Fintwit começou a me seguir e interagir com os meus posts", conta. "Tenho atuação em outras redes, como Instagram e Telegram, então, o impacto na receita foi menor do que o de quem só está no Twitter. Mas, ainda assim, a queda foi em torno de 50%".
Novos horizontes
Com o vácuo criado após a suspensão do X, os fãs da Fintwit tentaram migrar para outras redes. Porém, ainda há uma forte resistência a nomes como Threads e BlueSky. Entre as principais queixas, estão a falta de nomes relevantes —alguns especialistas estão em uma mas não em outra— e a pouca presença de jornais e comentaristas estrangeiros.
O TradersClub, que nasceu em 2014 como um grupo no WhatsApp de amigos interessados em investimentos e cresceu até ter a sua própria plataforma e abrir capital na Bolsa, afirma que o interesse pela sua rede cresceu 547% após a derrubada do X. Dos 790 mil usuários totais atualmente, 90 mil chegaram após o STF ter derrubado o site de Elon Musk.
Segundo Villa, a Fintwit ajudou várias empresas do mercado financeiro a criar suas próprias comunidades. "O ser humano busca andar em bandos. Acho que as pessoas vão continuar tentando se encontrar, e já há movimentações no TikTok e no Discord, apesar de nada muito forte", diz.
Aqueles que baixaram VPNs para continuar acessando a rede reclamam do fato de ela estar esvaziada. Mas nem todo mundo está infeliz. Alves, por enquanto, diz não estar sentindo falta do X, porque a rede nunca interferiu muito em suas opiniões. "Não está fazendo falta nenhuma. Acho que foi uma boa desintoxicação. Eu vivia entrando em discussão. Entretanto, se voltar, provavelmente estarei lá", diz.
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