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Início da venda pública do petro venezuelano é marcado por dúvidas

26/03/2018 15h55

Caracas, 26 Mar 2018 (AFP) - Como comprar um petro? A criptomoeda venezuelana, com a qual o governo pretende driblar as sanções dos Estados Unidos e resolver seus graves problemas de liquidez, já está à disposição do público, mas poucos sabem usá-la.

Após um mês de pré-venda privada, na qual o governo diz ter recebido "ofertas de intenção de compra" de 5 bilhões de dólares de 133 países, na última sexta-feira foi lançada a oferta pública, que será concluída em meados de abril.

O desconhecimento reina, apesar do amplo investimento midiático.

A confusão é tamanha que uma das maiores lojas de departamento do país colou a mensagem "Aceitamos petro como forma de pagamento" nas vitrines, mas retirou-a horas depois, porque os funcionários não sabiam o que dizer aos interessados.

"Não temos informação sobre como funcionaria a cobrança dos clientes, por isso tiramos", explicou à AFP o gerente de uma unidade.

As criptomoedas são "um conceito muito técnico", que "nem todos entendem", disse à AFP Asdrúbal Oliveros, presidente da consultoria Ecoanalítica.

O governo venezuelano está carente de recursos, diante da queda da receita petroleira - fonte de 96% da receita do país - e das sanções americanas, que dificultam o financiamento externo.

Na semana passada, Washington também proibiu suas empresas e cidadãos de negociar o petro - respaldado nas vastas reservas venezuelanas de petróleo.

Declaradas em moratória parcial por pagamentos atrasados de títulos em 2017, a Venezuela e sua petroleira estatal PDVSA devem pagar, neste ano, cerca de 8 bilhões de dólares.

'Nem ideia' 

Especialistas como Oliveros duvidam das chances de sucesso do petro, diante de uma gestão econômica considerada errática. Um déficit de 20% do PIB e uma hiperinflação que o FMI projeta em 13.000% para 2018 alimentam a desconfiança.

Maduro quer que o petro se dissemine como forma de pagamento de produtos e serviços, embora nesta segunda Omar Barboza, presidente do Parlamento de maioria opositora, alertou que a moeda legal é o bolívar e "não tem como trocá-la", sem uma reforma constitucional.

Na quinta-feira passada, o mandatário ordenou usá-la nas operações estatais, inclusive da PDVSA.

Para isso, ele listou os serviços turísticos entre os itens que devem ser pagos com ativo virtual. Ariadna Zamora, chefe de uma agência de viagens, não sabe como.

"Ninguém explicou nada, como você confia em algo que você não conhece?", disse a operadora de 52 anos à AFP.

Maduro informou que os petros podem ser adquiridos com euros, rublos, iuanes, liras turcas, e três criptomoedas: bitcoin, ethereum e zen.

Seriam vendidos em casas de câmbio virtuais, nas quais ainda não estão disponíveis.

O vice-presidente Tareck El Aissami anunciou que também serão ofertados em leilões de divisas - monopólio estatal - que se realizam semanalmente.

Para comprar petros, o interessado deve se registrar em um site e baixar uma carteira virtual que permite executar as operações.

"Não nada... Não tenho nem ideia", declarou à AFP Carolina Méndez, sobre a possibilidade de aceitar petros em sua sorveteria.

José Ángel Álvarez, presidente da Associação Nacional de Criptomoedas, que fomenta seu uso, acredita que o petro pode se consolidar, mas pede transparência e "romper o muro da desinformação".

Opacidade

Ao prestar contas da pré-venda privada, Maduro não especificou quantas unidades foram negociadas, ou seu preço. "Não sabemos de onde vêm esses 5 bilhões de dólares", disse Oliveros.


O governo fixou em 60 dólares o "preço de venda de referência", equivalente ao preço do barril de petróleo venezuelano, esclarecendo que poderia variar.

De acordo com um documento, o Estado reserva para si 17,6 milhões dos 100 milhões de unidades da emissão e ofereceria o restante entre a venda privada (38,4 milhões) e a venda pública (44 milhões).

A 60 dólares, o valor máximo que pode ser levantado na pré-venda está longe do valor anunciado, exceto se houvesse mudanças na emissão, o que prejudicaria a "confiança", diz Oliveros.

O preço teria variado entre 20 e 30 dólares, segundo o economista César Aristimuño.