Dólar abre passagem em meio a ajuste duro e caótico de Maduro
Caracas, 29 Nov 2019 (AFP) - "Oferta. Hallacas, US$ 1", diz o cartaz que a família Paz colou em sua caminhonete para vender o tradicional prato natalino da Venezuela. O dólar, banido durante 15 anos, agora circula livremente, enquanto o governo aplica um ajuste agressivo.
Sem liquidez, com a produção petrolífera em queda livre e sanções dos Estados Unidos, o presidente Nicolás Maduro foi forçado a afrouxar os controles cambiais e de preços - reinantes na era chavista.
Maduro tinha mantido o controle absoluto da economia exercido pelo líder socialista Hugo Chávez (1999-2013), com expropriações e fiscalizações para obrigar a reduzir os preços, mas sem a poderosa poupança que permitiu a seu antecessor substituir a produção nacional com importações milionárias.
Primeiro, o colapso dos preços do petróleo e, em seguida, o da produção de petróleo (de 3,2 milhões de barris por dia há uma década para cerca de 700.000 hoje) tornou o modelo insustentável: a escassez de alimentos se tornou crônica, a inflação explodiu e a moeda local, o bolívar, derreteu.
Agora deixar correr é a norma. "Eu não vou controlar você, não vou expropriar você, não vou puni-lo pelo preço que você vai cobrar, mas é você quem colocará o capital", explica o economista Luis Arturo Bárcenas.
Ao mesmo tempo, o governo, criticado há anos por sua indisciplina fiscal, vem cortando despesas e restringindo créditos.
Nesse contexto, a inflação desacelera, embora ainda seja a maior do mundo, projetada pelo FMI em 200.000% em 2019, e a escassez esteja diminuindo.
No entanto, o PIB continua a cair, e este ano vai se retrair 35%, de acordo com o FMI.
Serviços como eletricidade estão a beira do colapso.
"Houve um reconhecimento da origem da hiperinflação: financiamento monetário do déficit", diz Bárcenas.
- Receita menor, cortes -Diante do aumento de preços e da desvalorização do bolívar (98,3% em 2019), os venezuelanos se refugiam no dólar.
"É uma maneira de nos defender", diz Rosmary Paz, de 26 anos, ao servir um hallaca (uma espécie de tamale) em uma avenida em Caracas.
Desde que assumiu a presidência, Maduro denunciou o "dólar criminoso", alegando que as cotações do mercado negro, surgidas à sombra do controle cambial, foram manipuladas. Mas em uma entrevista recente, ele disse que não considerava essa dolarização de fato ruim, considerando-a "uma válvula de escape" contra o "bloqueio econômico" de Washington, que impôs um embargo ao petróleo para forçá-lo a deixar o poder.
As lojas de produtos importados com preços em dólares estão se proliferando, e a moeda americana chega a circular em áreas populares.
"As pessoas vêm e pagam em dólares", diz Junior Nieves em sua pequena empresa de alimentos em El Valle, um bairro de Caracas.
Para Bárcenas, isso é "uma bolha". Mais de 50% das transações na Venezuela são feitas em moeda estrangeira, mas apenas 15% da população tem rendimentos cambiais regulares e 35% de acesso ocasional, segundo a Ecoanalítica.
Fora da bolha estão aqueles que vivem com bolívares, em um país onde a renda mensal mínima mal representa US$ 9.
"Gostaria de receber dólares (...), mas não tenho", lamenta Eloy Rivas, de 57 anos, com um sorriso resignada.
Como parte do ajuste, Maduro reduziu a frequência dos aumentos salariais (este ano fez três, contra seis em 2018), enquanto pequenos mas constantes protestos denunciam o desmantelamento de contratos coletivos e a eliminação de benefícios.
No setor de saúde pública, por exemplo, as classificações salariais são confusas, a ponto de um trabalhador com bônus noturno poder ganhar mais do que um médico residente.
"A hierarquia foi destruída", diz Jaime Lorenzo, cirurgião de 32 anos que ganha cerca de US$ 20 por mês no Hospital Periférico de Catia. Ele se sustenta de fato com as consultas privadas.
- Subsistência -A flexibilização do controle cambial visa facilitar o fluxo de remessas enviadas por migrantes, que excederão US$ 3,5 bilhões em 2019, segundo a Ecoanalítica. A ONU estima que 4,5 milhões de venezuelanos fugiram da crise, e que esse número chegaria a 6,5 milhões em 2020.
Maduro também encontrou uma fonte de financiamento na exploração do ouro, que, segundo a oposição, flui irregularmente para evitar sanções.
"A economia dobrou a visão controladora do Estado", diz Luis Vicente León, diretor do centro de pesquisa Datanlisis, considerando-o uma questão de "sobrevivência".
Mas a flexibilidade pode ter "vida curta" se o governo acreditar que retomar os controles geraria benefícios políticos, calcula Barcenas.
erc/axm/gm/ll/mvv
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