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O pesadelo do coronavírus faz venezuelanos se despedirem das remessas do exterior

29/05/2020 15h17

Caracas, 29 Mai 2020 (AFP) - A despensa de Carolina, apesar da crise venezuelana, ficava cheia graças aos itens enviados pelos familiares. No entanto, as coisas mudaram com a pandemia de COVID-19 e agora há apenas um pouco de arroz, macarrão e farinha.

"É um pesadelo", lamenta.

Tudo piorou quando sua filha, que trabalhava como manicure no Chile, e sua irmã, camareira em um hotel em Orlando, nos EUA, ficaram desempregadas por causa das consequências econômicas causadas pelo novo coronavírus.

As duas, que saíram do país em meio aos cinco milhões de venezuelanos que deixaram a Venezuela desde 2015, enviavam mensalmente cerca de US$ 200 para Carolina. Agora, só conseguem enviar US$ 10.

"Estão em quarentena e desempregadas pela COVID-19", conta à AFP Carolina Barboza, de 45 anos, que enviou Ricky, seu filho de 18 anos, portador de uma incapacidade motora que o obriga a caminhar com muletas, à casa de seu pai por não poder alimentá-lo.

"Isso é um pesadelo, uma catástrofe", lamenta enquanto seca com as mãos o suor que escorre pelo rosto na quente capital de Zulia, Maracaibo, estado fronteiriço com a Colômbia onde surgiu há mais de um século a indústria petrolífera venezuelana, que hoje passa por uma crise.

Ainda não está claro quantos venezuelanos enviam dinheiro ao país, mas empresas de consultoria como a Ecoanalítica estimam que no último ano cerca de US$ 3,5 bilhões a US$ 4 bilhões entraram na economia local dessa forma.

"A queda nos envios pode ser de cerca de 40%", dependendo da evolução da pandemia, comenta à AFP Asdrúbal Oliveros, diretor de Ecoanalítica.

- Bomba de oxigênio -Hipertensa, Carolina, que mora de aluguel em um prédio antigo de pintura descascada, parou de tomar os medicamentos. Por isso, sente dor de cabeça frequente.

Sua dieta se limita a carboidratos, o que a fez ganhar peso, apesar dos mantimentos limitados. "Meus triglicerídeos devem estar na casa dos milhões", comenta.

Com uma queda na economia, reduzida para menos da metade do seu potencial em seis anos, o dinheiro injetado pelos migrantes funcionava como uma tábua de salvação para casos como o de Carolina, de famílias empobrecidas por causa da hiperinflação e da depreciação da moeda local, o bolívar, que perdeu 73,36% de seu valor apenas entre janeiro e maio deste ano.

A pandemia coloca a Venezuela em uma situação "muito frágil", segundo José Manuel Puente, professor titular do Instituto de Estudos Superiores de Administração (IESA), que descreve as remessas vindas do exterior como "oxigênio para os venezuelanos".

Com 61,2% da população em extrema pobreza em um país de 30 milhões de habitantes, Puente indica que, de acordo com uma pesquisa realizada pelas maiores universidades da Venezuela, as remessas dão um respiro ao menor salário mínimo da América Latina: cerca de US$ 4 ao mês.

O valor compraria apenas um quilo de carne, considerado um luxo para Carolina que já não recebe o dinheiro que antes vinha do exterior.

Como uma "variável exógena", ressalta Puente, o coronavírus aprofunda as dificuldades do país, que caminha para o sétimo ano de recessão.

"A economia venezuelana perderá 75% do seu PIB em sete anos (...). A crise será devastadora", diz ele.

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