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Lei de regularização fundiária aumenta tensões na Amazônia

04/06/2020 09h28

Rio de Janeiro, 4 Jun 2020 (AFP) - Um projeto de lei para regularizar ocupações de terras públicas não destinadas tem aumentado os temores em relação a uma possível intensificação dos desmatamentos e conflitos agrários, principalmente na Amazônia, em um contexto de desmonte das normas ambientais pelo governo de Jair Bolsonaro.

A ocupação desordenada de aproximadamente 600.000 km2 de terras públicas (uma área equivalente ao território da França) para atividades agrícolas ou a exploração de recursos terrestres ganhou impulso desde a ditadura militar (1964-1985), mas sem outorgar sistematicamente escrituras de propriedade.

Esse vácuo jurídico permitiu que muitos monopolizassem e desmatassem essas terras, além de vendê-las com falsas escrituras. Esse tipo de fraude, conhecida como 'grilagem', é a principal causa do desmatamento descontrolado e das violentas disputas territoriais.

Em 2009, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva lançou um programa de "terras legais" com o objetivo de regularizar cerca de 150.000 propriedades abertas até 2004, principalmente com o objetivo de desenvolver a agricultura familiar.

Mas esse plano só foi cumprido em 20%. Em 2017, as regras foram flexibilizadas e, com a chegada de Jair Bolsonaro ao poder, os processos de regularização foram praticamente suspensos.

O projeto prevê critérios ainda menos rigorosos para a regularização e avança junto a outro projeto do presidente de extrema direita, que tem como objetivo autorizar a mineração e a exploração agrícola em terras indígenas.

- Menos vistorias -"Se o objetivo do governo fosse realmente regularizar os pequenos agricultores, não precisava mudar a legislação", mas iria dispor de "mais recursos colocados e vontade política", disse à AFP Elias Borges, secretário de política agrária da Confederação Nacional de Trabalhadores Agrícolas (Contag).

Borges critica que o governo pretenda aumentar de 440 para 1.650 hectares o tamanho das propriedades que estariam dispensadas de vistorias prévias para sua regularização. O controle seria feito posteriormente por satélite.

O relator do projeto na Câmara dos Deputados propôs uma solução de compromisso para 660 hectares, mas, segundo a advogada Juliana de Paula Batista, do Instituto Socioambiental, é apenas um "recuo estratégico", uma vez que o governo "continua querendo impor mudanças na tramitação" para editar o texto.

- "O crime compensa" -As tentativas de ampliar territórios regularizáveis sem controle prévio preocupam Brenda Brito, pesquisadora do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).

"Não dá para ver os conflitos agrários por satélite, e nem todos são registrados pelas autoridades. Não tem procedimento robusto de checagem de bancos de dados, por exemplo os do Cadastro Ambiental Rural, onde tem a sobreposição de imóveis. A prioridade deveria ser falar como empoderar órgãos fundiários para fazer a fiscalização", afirma.

Brito também se preocupa com a facilidade com que o projeto permitiria que os infratores não respondessem por possíveis crimes ambientais, firmando um simples compromisso com um suposto bom comportamento, algo difícil de controlar.

Essa medida seria como dizer "que o crime compensa" e incentivaria novas invasões de terras, agravando o desmatamento, alerta.

O texto poderia ser votado em uma data próxima pela Câmara dos Deputados.

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, causou revolta durante uma reunião ministerial em abril (cujo vídeo foi divulgado por ordem judicial), ao dizer que "estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, que só fala da COVID-19" e que seria possível aproveitar para "ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas" ambientais.

No último mês, as principais redes de supermercados britânicos ameaçaram boicotar produtos produzidos no Brasil caso o Congresso aprovasse a "Lei da grilagem".

Na terça-feira, um grupo de legisladores dos Estados Unidos, encabeçado pela representante indígena Deb Haaland, solicitou ao Congresso brasileiro que recusasse esse projeto de lei, por considerá-lo "muito prejudicial à Floresta Amazônica, já que legalizará grandes áreas de terras públicas que já foram ocupadas e usadas ilegalmente".

Segundo o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, o desmatamento na região registrou um aumento de 51% em relação ao mesmo período de 2019.

Um terço da área desmatada corresponde a terras públicas sem documentação oficial.

Os conflitos agrários registraram um aumento anual de 11,6% no último ano e 60% deles ocorreram na região amazônica, segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT).

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