Como se destacar na era do exibicionismo profissional
Ao dar um salto para trás e cair dentro de um buraco perfurado no gelo, Didrik Dege provocou surpresa entre os espectadores de Oulu, na Finlândia. Com a água congelante na altura da cintura, o norueguês de apenas 24 anos ostentava no peito nu o nome de seu produto, um estabilizador de smartphone.
Por trás da cena, estava sua vontade de chamar a atenção de sócios-investidores e, com isso, obter financiamento para tocar seu negócio.
Dege pode ter até contrariado a lei nórdica de Jante, uma norma cultural não escrita que desaprova qualquer tentativa de aparecer a qualquer custo.
Ainda assim, ele venceu o prêmio de melhor apresentação de ideia de 2016, o Polar Bear Pitching contest, pelo qual ganhou 10 mil euros e uma estadia no Vale do Silício, na Califórnia.
Além, é claro, de contratos e publicidade ao redor do mundo.
"Foi uma maneira altamente eficiente de nos promover", reconhece.
Desde que cofundou a FlowMotion Technologies na capital da Noruega, Oslo, há dois anos, suas peripécias promocionais já ajudaram a startup a atrair US$ 1,3 milhão em financiamento.
Embora pular seminu dentro d'água congelante possa parecer uma forma extrema de se autopromover, fazer tudo para ser notado e cultivar a sua marca pessoal parecem ter se tornado extremamente importantes hoje em dia.
Em 2008, um estudo realizado durante 27 anos com estudantes universitários americanos mostrou que os níveis de narcisismo vêm aumentando.
Os reality-shows tiveram um papel fundamental nisso, diz Jonathan Hirshon, estrategista de relações públicas do Vale do Silício que já trabalhou para gigantes de tecnologia como Sony, Apple and Pioneer.
Esses programas de TV, que alçaram ao estrelato as americanas Paris Hilton ou Kim Kardashian, por exemplo, ganharam força após uma greve dos roteiristas americanos, há uma década.
E, atualmente, esse tipo de autopromoção foi catapultada pelas redes sociais. Todos os dias, bilhões de pessoas compartilham pensamentos e detalhes de suas vidas nos mais variados graus de exibicionismo digital.
A ascensão de estrelas no YouTube e no Instagram acabou por reforçar ainda mais a importância de se destacar no meio da multidão com uma marca pessoal forte.
Hirshon diz que o exibicionismo começou a se embrenhar no mundo de negócios nos anos 90, quando o Vale do Silício estava decolando.
A cultura competitiva e a disputa por financiamento se refletiram em concursos de ideias com uma maior pressão sobre os participantes para incorporar entretenimento às suas apresentações.
E essa atitude continua a prevalecer - e ganhar força - nos dias de hoje.
"Há tantas novas companhias surgindo nos últimos anos que as pessoas decidiram que elas precisam gritar em vez de murmurar", filosofa Hirshon.
Nesse contexto, parece que suas ideias, seu trabalho duro e seu talento não vão levá-lo muito longe, a menos que você aprenda a se destacar. Mas o que fazer se esse não for o seu jeito?
Vantagem cultural
Para Hirshon, a tendência atual de se autopromover a qualquer preço é "infeliz".
"Muitas companhias que estão gritando para conseguir mais atenção tem a tecnologia menos viável e os piores planos de negócio", afirma.
Esse comportamento também coloca pessoas de culturas mais reservadas em desvantagem. "Enaltecer-se no Japão é o caminho mais rápido para chegar a lugar nenhum", acrescenta ele. O mesmo acontece nos países nórdicos.
"Isso é um problema porque as culturas desses países são a antítese das culturas prevalecentes no Reino Unido ou nos Estados Unidos, onde se destacar a qualquer preço se tornou regra."
Por outro lado, ser muito modesto em países onde a cultura do exibicionismo é mais acentuada pode colocá-lo em desvantagem, diz Charlene Solomon, da RW3 CultureWizard, uma plataforma online de treinamento intercultural.
Em uma entrevista de emprego ou uma apresentação de ideia nos Estados Unidos, diz ela, "você tem de estar aberto a falar sobre si mesmo, porque se você subestima suas capacidades, isso pode arruinar o negócio".
O perigo em recompensar o exibicionismo é que isso favorece alguns tipos de personalidade, alerta a psicóloga Ros Taylor, que trabalha como coach de executivos, além de ensinar Administração na Universidade Strathclyde, no Reino Unido.
O lema de muitas companhias é que seus líderes têm de ser extrovertidos e que tenham uma mente aberta, podendo falar sobre todos os assuntos, avalia ela.
"Ao fim e ao cabo, tudo é uma grande bobagem. Nada tem profundidade ou credibilidade", critica Taylor.
"Isso é preocupante porque o pensamento criativo - ou mesmo a ideia genial - pode vir, e normalmente vem, das pessoas mais silenciosas ou contemplativas", acrescenta.
Segundo ela, "passei a minha vida profissional dizendo a empresas: 'Não, não, não - não há um padrão específico para ser um líder'. A verdadeira diversidade é ter diferentes tipos de pessoas ao redor da mesa, tanto os introvertidos quanto os extrovertidos".
Quando se trata de lideranças, uma personalidade mais reservada pode até superar os rivais mais barulhentos.
Um estudo recente com mais de 2.000 CEOs revelou que os introvertidos tendem a superar mais as expectativas das empresas e dos investidores do que extrovertidos carismáticos.
Como competir?
Se você acha que tem de ficar mais visível, mas ser falastrão não é o seu estilo, há algo que você possa fazer?
Pela própria experiência, Taylor diz acreditar que qualquer um pode aprender a se destacar, e defende que pessoas mais quietas, mas duronas, podem ter um sucesso notável.
Antes de receber orientações dela, há dois anos, o executivo Gerry Tyrrell, de 44 anos, permanecia em silêncio durante reuniões.
Como um experiente auditor financeiro em uma empresa multinacional de tecnologia na Escócia, ele tinha confiança em sua experiência, mas ficava inibido para se manifestar.
Principalmente, diz ele, quando seus colegas faziam bullying ou adotavam uma 'mentalidade de camaradagem' para ganhar pontos.
Ele sempre fez seu trabalho diligentemente, detectando riscos financeiros e compartilhando suas opiniões com pessoas antes ou depois de encontros importantes, mas sentia que a falta de reconhecimento não estava ajudando sua carreira.
"Sabia que precisava me projetar mais um pouco", diz ele.
De fala mansa, e com uma tendência a falar mais rápido quando nervoso, Tyrrell aprendeu a desacelerar, escolher um ou dois pontos e transmitir sua mensagem.
Mas ele está agora pronto para ficar sob os holofotes da mesma forma que seus colegas?
"Dois anos atrás, eu nunca teria feito isso. Agora eu posso fazê-lo, mas não vou trair o meu estilo de ser. Vou fazer as coisas do meu jeito", afirma.
Hirshon lembra-se de outro exemplo. Ele teve de treinar um empreendedor para ser mais efusivo.
"Tinha um cliente na Suécia que tinha uma tecnologia incrível de reconhecimento facial, melhor do que qualquer outra coisa disponível no mercado, e toda vez que a mencionavam, usavam o adjetivo bom", lembra ele.
"Finalmente consegui convencê-lo a dizer: 'Nós temos algo que é realmente único'", acrescenta.
Ainda assim, Hrishon diz acreditar que nem todo mundo deve aprender a aparecer.
"Quando todo mundo grita junto, a pessoa que sussurra acaba sendo ouvida", diz ele.
"Se uma empresa tem um ótimo produto, se você promovê-lo de forma discreta e factual, as pessoas vão entender a mensagem e vão comprar sua ideia."
"As relações públicas não são um jogo de quem grita mais alto. É um jogo de xadrez", conclui.
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