O surpreendente peso de duas variáveis externas sobre o seu voto
Eficiência e boa gestão determinam a popularidade e a chance de reeleição de governantes. É esse o senso comum, mas não é o que diz um estudo que será apresentado no Centro de Estudos Latino Americanos da Universidade de Oxford, no próximo dia 17 de outubro.
Mais do que mérito, a sorte de estar governando no momento certo - de ter duas variáveis externas em condições propícias - é o que esteve por trás da reeleição e dos bons índices de popularidade de presidentes de boa parte dos países da América Latina, dizem os professores Daniela Campello e Cesar Zucco, da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Segundo eles, o bom desempenho em eleições e em índices de aprovação popular dos governantes de pelo menos 10 países latino-americanos - entre eles Brasil, Venezuela, Bolívia, Equador e Argentina -, decorreram de dois fatores externos que fogem ao controle dos presidentes: a taxa de juros dos Estados Unidos e o preço das commodities (produtos primários, como alimentos, petróleo e minério).
Para chegar a esta conclusão, eles coletaram as variações nos juros norte-americanos e no valor das commodities entre 1982 e 2016 e criaram um índice, chamado de "Bons Tempos Econômicos".
Usando análises estatísticas, os dois pesquisadores verificaram o impacto desse índice nos resultados eleitorais e nas pesquisas de popularidade dos últimos 30 anos em 18 países da América Latina, separados em dois grupos - um com as nações de economia dependente da exportação de produtos primários e o outro menos dependente disso.
A pesquisa revelou que nos países onde a exportação de produtos primários e investimentos estrangeiros têm peso grande na economia - quase toda a América do Sul - tanto a popularidade dos presidentes quanto as perspectivas de reeleição se mostraram bem mais em sintonia com esses dois fatores externos do que com a percepção da qualidade da gestão dos governantes.
No outro grupo, formado por países como o México e nações caribenhas, que não são grandes exportadores de commodities, o impacto das duas variáveis externas foi baixo.
A lógica identificada pela pesquisa é a de que o eleitor vota de acordo com a situação da economia. E em países dependentes da exportação de produtos não industrializados e de investimentos estrangeiros, o cenário econômico varia conforme os preços das commodities e das taxas de juros dos EUA.
Ou seja, de acordo com a pesquisa, o eleitor premia com reeleição os presidentes que têm a "sorte" de governar em períodos de"bonança econômica" promovida pela queda na taxa de juros norte-americanose pelo boom das commodities, e pune os governantes que cumprem o mandato em período com indicadores externos menos favoráveis.
Fatores ligados à qualidade da gestão dos presidentes, como políticas sociais e ausência ou presença de escândalos de corrupção, até podem influenciar popularidade e resultado eleitoral, mas o impacto deles é bem menor que o dos fatores econômicos externos.
Pelos cálculos de Campello e Zucco, preços de commodities e juros, quando favoráveis, aumentam em cerca de 50% a chance de um presidente ser reeleito.
Na década de pior resultado do Índice de Bons Tempos Econômicos, nos anos 1980, o percentual de reeleições de presidentes ou eleições de sucessores escolhidos por eles foi de apenas 22% na América do Sul.
Nas primeiras duas décadas dos anos 2000, quando a América Latina se beneficiou com altos preços das commodities e baixas taxas de juros nos Estados Unidos, o sucesso eleitoral dos presidentes subiu para 60%.
"A chance de reeleição ou eleição de seu sucessor no período que o índice está muito alto é significativamente mais alto que quando o índice está ruim. De um cenário negativo, com taxa de juros altos e commodities baixas a um cenário positivo, de juros baixos e commodities com preços altos, essa variação vai gerar uma probabilidade de reeleição quase 50% mais alta", disse Campello em entrevista à BBC Brasil.
O resultado é ainda mais expressivo quando se analisa a aprovação popular dos governantes. Juros e preço de commodities determinam, segundo a pesquisa de Campello e Zucco, até dois terços - 66,6% - da variação de popularidade dos presidentes.
"A margem em que o esforço do candidato gera vitória eleitoral é baixíssima na América Latina", destaca Campello.
"Olhar para a economia diz muito pouco sobre a competência dos líderes. A economia pode estar indo bem ou mal e isso não tem nada a ver com competência, tem a ver com fatores exógenos. E se você está votando conforme a economia, você não está votando pelo cara mais competente, está votando no cara certo na hora certa", afirma Zucco.
Presidentes que tiveram sorte...a azar
Levando em consideração os resultados da pesquisa dos dois professores da FGV, é possível identificar os presidentes brasileiros que tiveram mais "sorte" ou "azar" quando governaram.
Zucco e Campello explicam que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) assumiu a presidência em um período relativamente bom de Índice de Bons Tempos econômicos no primeiro mandato (1995-1998), por causa da queda dos juros norte-americanos, que gerou injeção de investimentos externos a países da América Latina.
Mas, no segundo mandato, o cenário externo se deteriorou com a queda no preço de produtos primários decorrente de crises internacionais (crises Russa e Asiática) que contagiaram o contexto econômico do Brasil. FHC deixou o governo em 2002 com 24,4% de popularidade e não conseguiu eleger o candidato do seu partido, José Serra.
Campello e Zucco afirmam que o presidente com mais "sorte" em relação aos indicadores externos foi Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que governou durante período de alta acentuada do Índice de Bons Tempos Econômicos. De 2003 a 2011, o preço dos produtos primários cresceu muito, impulsionado por importações da China, e os juros norte-americanos permaneceram baixos.
Lula deixou o governo com 83% de popularidade e conseguiu eleger sua sucessora, Dilma Rousseff (PT). Campello e Zucco calculam que, se FHC tivesse governado no segundo mandato com as mesmas condições externas que Lula (mesmo Índice de Bons Tempos Econômicos), sua popularidade ao deixar o Planalto seria de 45.9%, em vez de 24.4%.
Já Lula, se tivesse o mesmo Índice de Bons Tempos Econômicos do segundo mandato de FHC, deixaria o governo, de acordo com os dois pesquisadores, com 34% de aprovação popular.
Não foi só no Brasil que os bons tempos econômicos garantiram reeleição. A maioria dos governantes da América do Sul neste período, como Hugo Chávez (Venezuela), Néstor Kichner e Cristina Kirchner (Argentina), e Evo Morales (Bolívia) conseguiu se reeleger e emplacar sucessores.
Dilma Rousseff, por sua vez, assumiu em 2011, no pico do Índice de Bons Tempos Econômicos, quando o preço de alimentos no mercado internacional estava bem elevado e a taxa de juros dos EUA, baixa. Mas o cenário se deteriorou rapidamente a partir daí, com queda acentuada do índice.
Ela conseguiu se reeleger com o índice em queda porém sem grandes repercussões - ainda - sobre indicadores econômicos nacionais, como desemprego e inflação. A popularidade dela despencou no segundo mandato, até o impeachment de agosto de 2016.
"Dilma pegou uma fase difícil do Índice de Bons Tempos Econômicos. O preço das commodities estava mais alto que na época do FHC, mas a queda foi muito acentuada", explica Zucco.
Qual o impacto disso tudo?
Os resultados da pesquisa preocupam, porque, segundo seus autores, indicam que há poucos incentivos para que um político da América do Sul invista na qualidade de sua gestão.
"Um presidente que sabe que vai ser eleito independentemente do que faça, tem muito pouco incentivo para desempenhar atividades em prol do eleitor. Incentivo ele tem para distribuir dinheiro para o próprio partido, gastar demais, ou até desviar", diz Campello.
"E do outro extremo isso também acontece. Se o presidente sabe que a eleição está perdida, ele tem incentivos para usar seus recursos para construir suas bases, garantir benefícios futuros ou para corrupção", completa a professora da FGV. "A margem que o esforço do candidato gera em termos de resultados eleitorais é muito estreita."
Segundo os dois professores, o ideal seria que presidentes economizassem recursos obtidos em épocas econômicas favoráveis para aplicá-los em períodos de crise, evitando, assim, que as dificuldades econômicas geradas por fatores externos afetem duramente a população.
Mas o incentivo para fazer isso é pequeno. O que acaba ocorrendo é que os políticos gastam em período de bonança e são forçados a conter gastos em época de dificuldades econômicas.
Campello e Zucco defendem a adoção, pelos países sul-americanos, de políticas anticíclicas que obriguem governos a economizar em período de crescimento econômico e gastar essa reserva em épocas de crise.
"A maneira seria impedir que a sensação de bem estar da população fosse determinado por fatores exógenos. Uma forma de fazer isso é usar politicas anticíclicas para impedir que um senador e prefeito possa gastar todo o dinheiro do período de crescimento", diz Campello.
"Se a gente tem orçamento razoavelmente fixo e a população conseguir perceber que a vida dele piorou mais num governo que no outro, a competência vai começar a impactar mais as eleições."
Outra medida para minimizar o peso da "sorte" na eleição presidencial seria melhorar o acesso à informação e a qualidade da educação nos países latino-americanos, para que os eleitores consigam identificar resultados econômicos alheios à gestão do presidente de medidas que resultaram diretamente da gestão.
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