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O que há de errado com a personalidade tipo A

Bryan Lufkin - BBC Capital

12/12/2018 07h26

Você provavelmente conhece alguém com personalidade tipo A - uma pessoa ambiciosa e competitiva que está sempre em busca do sucesso. Ou talvez esta seja a forma como você mesmo se descreveria.

Esse rótulo vem sendo atribuído há décadas a indivíduos poderosos e dominantes. Mas um estudo recente sugere que o termo personalidade tipo A pode ser equivocado.

Pesquisadores da Universidade de Toronto, em Scarborough, no Canadá, afirmam que a classificação pode ser inútil e errônea. Além disso, a forma como costuma ser empregada representa uma maneira antiquada de avaliar a personalidade.

É por isso que você deve pensar duas vezes antes de se apresentar como "tipo A" em sua próxima entrevista de emprego.

Nasce um mito?

De acordo com o dicionário de inglês da universidade de Oxford, as personalidades tipo A são caracterizadas pela ambição, impaciência e competitividade, sendo consideradas suscetíveis ao estresse e problemas cardíacos. Já o tipo B é identificado como relaxado e paciente, com um comportamento capaz de diminuir o risco de doenças do coração.

Dois cardiologistas americanos criaram o termo na década de 1950 para descrever homens brancos de classe média com certos traços de personalidade que os deixavam mais vulneráveis a doenças coronarianas.

Um artigo, publicado em 2012 na revista científica American Journal of Public Health, afirmou que a pesquisa foi fortemente financiada pela indústria tabagista para evitar qualquer alegação de que o cigarro fazia mal à saúde.

Nas décadas seguintes, o termo entrou para o vocabulário popular e as pessoas passaram a utilizá-lo como uma maneira de se posicionar em um campo ou outro.

Esse aspecto binário da personalidade - que pressupõe que um individuo é naturalmente do tipo A ou B - foi a principal descoberta de um estudo de 1989 publicado na revista científica Journal of Personality and Social Psychology.

Mas o pesquisador Michael Wilmot, que faz pós-doutorado na Universidade de Toronto, resolveu testar se essa hipótese ainda é verdadeira hoje. Junto a sua equipe, ele reproduziu estudos antigos, atualizados com métodos de pesquisa mais modernos, para verificar se os resultados seriam os mesmos. Suas descobertas devem ser publicadas na mesma publicação científica.

Os cientistas revisaram dados de arquivo de pesquisas realizadas com quase 4,5 mil pessoas, que haviam participado anos atrás de questionários sobre personalidade tipo A, nos Estados Unidos e no Reino Unido.

Mas não chegaram a resultados semelhantes - ou seja, que sugerissem que tipo A é um padrão de personalidade que ocorre naturalmente. Eles concluíram que a personalidade é melhor entendida como uma escala variável de características específicas, em vez de categorias.

"As pessoas adoram a ideia de categorias", diz Wilmot. "A ciência nos ajuda a entender o mundo, e as pessoas são as coisas mais interessantes para outras pessoas, por isso ajuda ter categorias."

Porém, atribuir a alguém uma categoria abrangente pode ser um problema.

De acordo com os pesquisadores, a questão em "ser" do tipo A é que você não pode efetivamente "ser" do tipo A. Melhor dizendo, você pode ter algumas características do tipo A e não ter outras, ou se encaixar num espectro de cada traço de personalidade.

Ou seja, ao sugerir que alguém é do tipo A, você pode estar afirmando que a pessoa possui certas características que ela sequer tem.

O estudo original de 1989 utilizou métodos de pesquisa considerados obsoletos, como questionários com respostas dicotômicas ("você é isso ou aquilo?"), em vez de avaliar as características (como competitividade ou impaciência) em escalas variáveis.

Essa é uma abordagem mais moderna: muitos psicólogos são cautelosos com testes que atribuem um único tipo, favorecendo aqueles que exploram várias dimensões da personalidade, cada uma das quais pode ser analisada em um espectro.

"Talvez alguém que esteja se esforçando para alcançar o sucesso possa não ser irritável ou impaciente", explica Wilmot.

Em outras palavras, alguém pode amar a competição, mas não a pressão do tempo. Mas ao classificar essa pessoa como tipo A, você está sugerindo que ela ama ambos.

O problema com os tipos

O modelo de comportamento tipo A ou B é considerado por muitos profissionais e acadêmicos como ultrapassado.

Sandra Matz é professora assistente na escola de negócios da Universidade de Columbia, em Nova York, especializada em psicometria e formas de medir a personalidade ou a capacidade cognitiva. Segundo ela, classificar alguém a partir de um tipo - seja A ou B ou usando tipologias como a de Myers-Briggs - é menos eficiente do que examinar suas várias dimensões.

"Os tipos são muito rudimentares", diz ela. "Esses tipos de parâmetros são superpopulares porque são muito fáceis de entender. É bom ter um rótulo que você possa usar."

De acordo com ela, precisamos de maneiras de descrever a personalidade de alguém que não seja apenas usando um número ilimitado de adjetivos. E quando você começa a listar em um currículo seus atributos associando a um determinado tipo - como tipo A "ambicioso", "organizado" ou " workaholic" - é fácil começar a ver as armadilhas de um sistema tão rígido.

"É uma concepção errada de como usamos a personalidade no mercado de trabalho: tentando descobrir que características tornam um funcionário incrível", diz Matz.

Segundo ele, deveria ser mais sobre encontrar "a melhor combinação para este trabalho específico".

Os testes de personalidade não costumam ser utilizados na contratação, explica Paula Harvey, da Society for Human Resource Management. Eles eram populares há cerca de 15 anos, mas desde então deixaram de ser aplicados gradualmente devido ao custo e às politicas de igualdade de oportunidade nas empresas.

"Os testes de personalidade são usados geralmente para fins de desenvolvimento dos atuais funcionários", acrescenta.

Qual seria uma alternativa melhor? Muitos especialistas entrevistados sugerem o teste "Big Five" (ou Modelo dos Cinco Grandes Fatores). Em vez de enquadrar você em um determinado tipo de personalidade, ele te posiciona em algum lugar ao longo do espectro de cinco escalas variáveis.

Essa avaliação se opõe ao indicador Myers-Briggs, que faz algo semelhante, mas depois usa essas escalas para determinar um tipo de personalidade.

Então, da próxima vez que alguém disser que é do tipo A e se gabar de ter chegado onde está hoje, fique com o pé atrás. O verdadeiro futuro do papel da personalidade no mercado de trabalho será menos preto no branco, com menos binários do tipo A ou B. Em vez disso, estará mais relacionado a encaixar a personalidade certa no ambiente certo.

"As pessoas que têm um trabalho que corresponde à sua personalidade são mais felizes no longo prazo e apresentam um desempenho melhor", diz Matz.

"Não se trata apenas de tentar encontrar esse perfil."

Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Capital.

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