Reforma da Previdência: Bolsonaro precisa conquistar Congresso e superar lobby para aprovar proposta
Aprovar regras que dificultam a aposentadoria dos trabalhadores e reduzem o valor dos benefícios é um desafio para qualquer governo em qualquer democracia. No Brasil, a missão tem um agravante: deverá ser enfrentada por um governo que foi eleito com o discurso de que não usaria velhos instrumentos de negociação com os parlamentares.
A instalação da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), prevista para esta quarta-feira, é o passo inicial para a tramitação da reforma da Previdência no Congresso. É esse o primeiro colegiado a analisar o texto enviado pelo Executivo.
Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil apontam que a impopularidade da reforma da Previdência e a necessidade de conquistar um grande apoio parlamentar vai desafiar o governo do presidente Jair Bolsonaro a construir uma articulação com deputados e senadores.
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"É um governo que tem dificuldade de fazer relacionamento com o Congresso Nacional porque fez um compromisso eleitoral de que não faria uso dos mecanismos tradicionais de negociação. É difícil imaginar um governo que tem vergonha de fazer política", afirma o cientista político Leonardo Barreto.
Ele avalia que a reforma tem boas chances de ser aprovada e que há disposição entre parlamentares para defender o governo, mas pondera eles esperam movimentos significativos do lado do Executivo.
"Precisa que o governo faça movimentos simbólicos, como incorporar esses grupos no governo, compartilhando a gestão. Além disso, querem ver Bolsonaro se sacrificando junto à sua base, como militares, para depois esses parlamentares também se sacrificarem com suas bases", disse Barreto.
Professor da FGV, o cientista político Carlos Pereira diz que o governo tem de oferecer moedas de troca ao Congresso, visto que a proposta de mudança nas aposentadorias gera muita pressão contrária.
"Essa é uma reforma que gera custos (políticos) concentrados e haverá oposição, que precisa ser superada. Para isso, o governo tem que ter moedas de troca. Uma das moedas de troca que o governo já sinalizou é a execução de emendas parlamentares. Além disso, vai ter que ofertar espaços de poder dentro do Executivo (aos partidos) para que parlamentares se sintam comprometidos", disse Pereira.
Política grande ou política pequena
Barreto explica que há várias formas de dar poder aos parlamentares, mas aponta que muitos deles não estão interessados em sair da típica negociação de liberação de verbas em troca de apoio.
"Vamos imaginar que há duas políticas: a pequena, da troca de verbas por apoio, e uma política grande. O Guedes tem uma proposta de política grande quando diz: 'Eu vou dar a chave do cofre para vocês, desvinculando o orçamento'. Do ponto de vista de empoderamento do congresso, não tem proposta mais forte que isso, a não ser o parlamentarismo", afirmou.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, defende o envio de proposta para acabar com despesas obrigatórias e vinculações no orçamento. Ao jornal O Estado de São Paulo, Guedes defendeu que os políticos devem controlar 100% do orçamento.
"Por incrível que pareça, tem forças no Congresso que preferem que permaneça como está. O Congresso espera a política pequena. Então eles estão vendo como resolver essa equação. Alguma política esse governo vai ter que fazer", concluiu Barreto.
Está prevista para esta quarta-feira um almoço de Paulo Guedes com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e líderes partidários.
Pressão dos servidores públicos
Outro grande desafio para a aprovação da reforma da Previdência é a pressão dos grupos que são contrários às mudanças em suas regras de aposentadoria e pensão.
O deputado Arthur Maia (DEM-BA), que foi relator da proposta de reforma da Previdência do governo Michel Temer, lembra que os principais grupos que fizeram lobby contra o texto foram aqueles ligados ao funcionalismo.
"Entre os servidores, as carreiras jurídicas (fizeram pressão contrária) com ainda mais intensidade, porque eles têm organização extremamente poderosa e são, sem dúvida alguma, os cargos mais privilegiados do serviço público", disse à BBC News Brasil.
Para Leonardo Barreto, é esperada uma oposição formal e legítima dos servidores.
"Isso não preocupa, porque a batalha da comunicação esse pessoal já perdeu por conta da crise econômica violentíssima que atingiu todo mundo, menos eles", disse. "O que mais preocupa é o outro lado desse processo, o da sabotagem. Os servidores têm capacidade grande de sabotar a reforma, especialmente os que ocupam posições em órgãos de investigação financeira, Ministério Público, Receita Federal."
Segundo Barreto, o vazamento de informações sensíveis pode ser usada como uma forma de inviabilizar discussões sobre temas importantes para o governo.
O valor médio da aposentadoria no regime dos servidores (R$ 9,5 mil) é mais de sete vezes superior ao benefício médio de quem recebe do INSS (R$ 1.290), segundo relatório divulgado nesta semana pela Instituição Fiscal Independente (IFI), vinculada ao Senado. Os dados são referentes a 2016.
E a reforma dos militares?
O envio de uma reforma no sistema de proteção social dos militares, que equivale à aposentadoria, é tema delicado para o governo.
A equipe econômica prometeu que isso acontecerá até 20 de março, mas militares que participam das discussões têm demonstrado preocupação com a possibilidade de uma eventual mudança para eles ser aprovada antes da PEC. O argumento é que a tramitação seria mais rápida, já que, no caso deles, não é necessário alterar a Constituição.
Arthur Maia opina que, sem enviar mudança para os militares, é difícil aprovar a PEC da reforma da Previdência. Ele diz que, quando foi relator do texto de Temer, o processo de conquistar apoio dos deputados foi muito dificultado pelo fato de o governo não ter enviado uma mudança para os militares.
"Além de mandar reforma dos militares, é preciso saber qual será a profundidade. Se tiver condições muito diferentes das demais categorias, elas vão se insurgir. Elas também têm seus legítimos representantes dentro do Congresso", disse o parlamentar.
A participação de muito militares no atual governo e a própria origem do presidente e do vice no Exército é apontada como uma razão para resistência em fazer alteração no sistema das Forças Armadas.
Reforma na reforma
Antes do início da tramitação da reforma da Previdência, alguns pontos do texto já foram apontados como sensíveis e devem ser alterados pelos parlamentares. O principal deles é a mudança no benefício assistencial, o BPC (Benefício de Prestação Continuada).
Atualmente, idosos a partir de 65 anos em situação de miserabilidade têm direito a receber um salário mínimo por mês. O texto propõe que o valor de um salário mínimo seja pago apenas àqueles com mais de 70 anos, e que pessoas com idade de 60 a 69 anos tenham direito a receber R$ 400.
Consultor do Senado, o economista Pedro Fernando Nery aponta que a experiência mostra que o Legislativo costuma atenuar propostas como a da Previdência e diz que a previsão de uma economia de mais de R$ 1 trilhão em apenas dez anos é difícil de ser mantida.
"Há espaço fiscal para negociação, em pontos de menor impacto nas contas que são caros aos mais pobres. Entre eles, BPC, rural e tempo mínimo de contribuição", afirmou.
A maior batalha a ser enfrentada agora, segundo ele, é a da comunicação, para convencer sobre a necessidade das mudanças. "A reforma não só é necessária para evitar outra grande crise como pode abrir um ciclo de crescimento sustentável nos próximos anos", disse Nery.
Ao mencionar o custo de popularidade de uma reforma da Previdência, Leonardo Barreto diz ser claro que pessoalmente Bolsonaro não gostaria de ter de aprovar o endurecimento de regras de aposentadoria, mas aponta que o sucesso do governo está vinculado à implementação da reforma.
"Eu não sei se ele sabe o quanto o destino do governo dele está atrelado à aprovação da reforma da Previdência, importante para alavancar expectativas para voltarem a investir no Brasil. A questão é: quanto ele vai estimular a tropa dele?"
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