Bolsonaro nos EUA: quais produtos o Brasil poderia vender mais para os americanos?
Em 2008, um ano antes de a crise financeira derrubar em 25% o volume total de importações dos Estados Unidos, o Brasil exportava cerca de US$ 27 bilhões para os americanos. Uma década depois, estamos praticamente no mesmo patamar: no ano passado, vendemos US$ 28,7 bilhões em produtos básicos e manufaturados para nosso segundo maior parceiro comercial, atrás apenas da China.
As razões apontadas para a estagnação são várias - desde a perda de competitividade da indústria brasileira e o foco preferencial no Mercosul até a dificuldade de acesso ao mercado americano - o país é bastante protecionista em algumas áreas.
O fortalecimento do comércio bilateral era uma das intenções da viagem do presidente Jair Bolsonaro a Washington nesta semana, a primeira visita oficial a outro chefe de Estado desde que assumiu o cargo - feito repetido apenas por João Goulart, recebido por John F. Kennedy em 1962.
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Assim como Jango, Bolsonaro volta ao Brasil sem um compromisso concreto por parte dos americanos - pelo menos na questão específica do comércio exterior.
No encontro, durante coletiva de imprensa no Salão Oval da Casa Branca, o presidente dos EUA, Donald Trump, foi vago, afirmando que "um dos grandes elementos da relação [entre os dois países] é o comércio".
"O Brasil faz ótimos produtos. Os Estados Unidos fazem grandes produtos. Então, acho que nossa relação comercial com o Brasil vai crescer em ambas as direções, e esperamos por isso. Acho que é uma das coisas que o Brasil gostaria de ver acontecer."
O Brasil, por sua vez, fez uma concessão unilateral ao país e anunciou que flexibilizará a entrada de trigo americano - 750 mil toneladas com tarifa zero. A balança comercial do trigo no Brasil é estruturalmente deficitária - nós não conseguimos produzir o suficiente para suprir nossa demanda.
Na prática, a decisão sinaliza que os Estados Unidos devem tomar parte de um mercado que hoje é da Argentina, nosso principal fornecedor da matéria-prima.
Analistas ouvidos pela BBC News Brasil fazem leituras distintas do encontro. Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior do governo federal, por exemplo, avalia que a primeira reunião é um espaço para "criar empatia", e que o governo não poderia "querer muito mais que isso".
Fabio Silveira, sócio-diretor da consultoria MacroSector, por outro lado, vê a viagem do presidente como uma "oportunidade perdida" para tentar "colocar na mesa" um debate sobre a redução de restrições que produtos brasileiros, especialmente básicos, enfrentam nos EUA.
Quotas, subsídios aos produtores rurais e sobretaxas
Um documento datado de junho de 2018 e elaborado pela Embaixada do Brasil em Washington - assinado pelo embaixador Sérgio Amaral, que fez parte da comitiva de Bolsonaro - lista 22 "desafios" nesse sentido.
Entre eles estão o comércio de produtos como açúcar, algodão, alumínio, carne bovina in natura, carne de frango, etanol, lácteos, soja, tabaco e siderúrgicos como aço.
Todos são itens nos quais o Brasil tem vantagens competitivas, avalia Silveira, e que esbarram em limitações impostas pelos EUA. A grande maioria é de produtos básicos.
"Não adianta pleitear acesso ao mercado de alta tecnologia. Nós não temos muito futuro a não ser ter mais acesso ao mercado de produtos básicos."
Sobre o açúcar, por exemplo, incide uma tarifa extra quando as importações excedem a quota de 152,7 mil toneladas.
O algodão, por sua vez, além de quota tarifária, enfrenta a concorrência do produto fortemente subsidiado no mercado interno.
A matéria-prima foi pivô de uma disputa entre os dois países na Organização Mundial do Comércio (OMC), a mais longa protagonizada pelo Brasil na instituição.
O contencioso se estendeu de 2002, quando o governo brasileiro ingressou com uma queixa formal contra o incentivo dado aos produtores americanos, a 2014, com a retirada de parte dos subsídios e o compromisso dos EUA de pagamento de uma compensação aos produtores de algodão do Brasil.
Alguns desses incentivos, no entanto, foram reinseridos na Lei Orçamentária de 2018, no chamado Bipartisan Budget Act of 2018.
O documento Desafios e Oportunidades à Exportação de Produtos Brasileiros aos Estados Unidos também destaca o milho e a soja como produtos prejudicados pelos subsídios dados pelo governo americano ao agronegócio.
O caso da carne bovina in natura é antigo. O Brasil solicitou a abertura do mercado americano para o produto em 1999 - o que foi concedido apenas em 2016. Pouco mais de um ano depois, entretanto, os EUA suspenderam as importações por causa de problemas relacionados à vacina contra febre aftosa, que vinha causando abcessos na carne.
O aço e o alumínio ganharam sobretaxas em 2018 no âmbito da guerra comercial entre EUA e China. A escalada de tarifas promovida pelos dois lados tem origem na visão do governo Trump de que os EUA são prejudicados pelo déficit na balança comercial com alguns países.
No caso da China, por exemplo, o desenvolvimento da indústria exportadora se daria à custa de empregos que poderiam ser criados nos EUA, por empresas americanas.
Barral, sócio-fundador da consultoria BMJ, ressalta que a sobretaxação do aço e do alumínio foi a única medida concreta dentro da orientação mais protecionista do governo Trump que de fato prejudicou o Brasil.
Ainda que tenha criticado o país, em outubro de 2018, o presidente americano não chegou a anunciar medidas específicas contra o Brasil, diz o especialista.
Na época, em uma coletiva de imprensa para anunciar o acordo com Canadá e México que substituiria o Tratado de Livre Comércio da América do Norte (Nafta, na sigla em inglês), Trump afirmou que o Brasil tratava de maneira "injusta" as empresas americanas.
A balança comercial Brasil-EUA
Apesar dos déficits consecutivos registrados nas trocas comerciais com os EUA na última década, a balança do Brasil com o país é equilibrada, avalia Silvio Campos Neto, da Tendências Consultoria.
Isso porque o saldo negativo, pontua o economista, não é estrutural - ou seja, existe potencial para que o Brasil exporte mais para os americanos e, eventualmente, volte a registrar superávits.
Na última década, ele avalia, o foco do Brasil no Mercosul - e a política de dar preferência aos acordos costurados com todo o bloco em detrimento de acordos bilaterais - contribuiu para amornar a relação com os americanos.
Assim, "um canal de negociação mais aberto e um foco em fazer bons acordos, mais pragmáticos", seria um caminho para o Brasil aumentar a corrente de comércio com os EUA.
Hoje, os principais produtos da pauta de exportações brasileira para o país são semimanufaturados de ferro e aço, petróleo, celulose e café. Juntos, esses produtos responderam por quase 30% dos embarques para os EUA em 2018, de acordo com os dados do Ministério da Economia referentes a 2018.
Do total das exportações, 6,8% foram aviões, refletindo a atuação - e a importância - da Embraer.
Entre os produtos que importamos dos americanos, pouco mais de 26% são combustíveis - óleo diesel e fuel-oil (18%), gás propano liquefeito (3,2%), gasolina (2,9%) e etanol (2,6%), levando em consideração os dados fechados de 2018.
E a China?
O volume de exportações brasileiras para a China é mais que o dobro do que para os EUA. Em 2018, vendemos US$ 64,2 bilhões aos chineses, alta de 35% em relação a 2017, com superávit US$ 29,4 bilhões na balança comercial.
A pauta das vendas do Brasil para os chineses, no entanto, é bem menos diversificada do que com os EUA - a soja representa 43% dos embarques, o petróleo, 22%, e o minério de ferro, 17%.
Ainda assim, os analistas destacam que a China é um parceiro fundamental. Não apenas pela questão da balança comercial em si - afinal, metade do superávit de 2018 veio das trocas com o país -, mas por sua atuação como investidor.
"Nós batemos nos chineses de forma gratuita", diz Silveira, da MacroSector, referindo-se à postura mais hostil de Bolsonaro em relação ao país asiático.
Durante a campanha, o capitão reformado chegou a dizer que o país tentava controlar setores essenciais da economia brasileira, como o de energia, e afirmou que a China não estava "comprando do Brasil, mas o Brasil".
"Até agora foram só declarações de desconfiança, o governo Bolsonaro ainda não divulgou a estratégia para a China", pondera Barral.
O presidente vem mudando o tom nos últimos dias. Em Washington, reforçou que fará visita ao país no segundo semestre e reconheceu que ele é o principal parceiro comercial do Brasil.
"Vou me preparar muito para essa questão, a China é importante para nós, mas o Brasil deixa de fazer de comércio com o mundo todo levando-se em conta o viés ideológico. É o novo Brasil que se apresenta."
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