Governo brasileiro tenta medir impacto do Brexit para empresas do país
A tumultuada saída do Reino Unido da União Europeia também provoca incerteza e pessimismo no Brasil, que no ano passado exportou para o mercado britânico cerca de US$ 3 bilhões, o equivalente a R$ 11 bilhões.
Para tentar ajudar o empresariado brasileiro a minimizar riscos e aproveitar eventuais oportunidades quando o Brexit se tornar realidade, a Embaixada do Brasil em Londres e a Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos) lançaram uma plataforma que promete monitorar futuras mudanças tarifárias e logísticas, além de novas exigências alfandegárias e legais.
Os dois órgãos também tentam medir as expectativas dos exportadores e o que chamam de "apetite" dos empresários brasileiros pelo mercado britânico. Para isso, enviaram um questionário para cerca de 2.000 empresas no Brasil, a maioria delas com histórico de exportação para o Reino Unido.
Mas, até o momento, apenas 40 empresas responderam ao questionário, entre elas companhias de pequeno, médio e grande porte, estas com até 20 mil funcionários, que atuam em segmentos distintos como o de calçados, alimentação e bebidas, agronegócio e máquinas.
Sete entre dez empresas que responderam à pesquisa acreditam que o impacto do Brexit deve ser negativo.
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O pessimismo está relacionado a um eventual aumento de custo e da burocracia em negócios com Inglaterra, Escócia, Irlanda do Norte e País de Gales. Empresários citam temores como a ampliação de gastos com logísticos e alfandegários, maior carga tributária, entraves relacionados às exportações via Europa, exigências de novos certificados e imposição de barreiras tarifárias e não tarifárias.
Mas há também quem veja a saída dos europeus do bloco como uma oportunidade, a exemplo de empresas que atuam no mercado de café. Segundo empresários entrevistados na pesquisa, há, entre possíveis impactos positivos, a possibilidade de melhoria das condições de competitividade dos produtos brasileiros, seja por imposição de impostos de importação aos produtos europeus, seja por redução de tarifas para a produção brasileira.
"O grande recado dessa pesquisa é que o empresariado está com medo de um mercado que ele não consegue vislumbrar como será", afirma o cientista político Leandro Consentino, professor do Insper e especialista em Relações Internacionais.
"Nenhuma empresa gosta de não poder prever, de não conseguir mensurar e de não entender os processos. O ambiente do Brexit ainda é incerto, e o Brasil já está inserido em países do bloco europeu, com quem mantém uma tradição forte de comércio", avalia Consentino. Ele pondera, no entanto, que há espaço para os brasileiros "desbravarem" as novas oportunidades que potencialmente podem surgir com o Reino Unido sendo forçado a buscar novos mercados e novas parcerias.
Impactos do Brexit
Estudo realizado pela consultoria alemã Bertelmann Stiftung calculou o impacto do Brexit para diferentes países e identificou que o Brasil pode ter ganhos comerciais de até € 1,7 bilhão (cerca de R$ 7,3 bilhões) a depender do modo pelo qual o Reino Unido deixará o bloco europeu.
Esse montante, segundo o estudo, se refere ao cenário de no-deal (sem acordo). Caso o Reino Unido mantenha a proximidade com o mercado europeu numa espécie de 'soft Brexit' (ou Brexit suave), o Brasil ainda pode obter ganhos de aproximadamente € 940 milhões (cerca de R$ 4 bilhões).
Mas o chamado hard Brexit (sem acordo) pode comprometer até 600 mil empregos, com um impacto maior na Alemanha e com efeitos negativos indiretos no Brasil. Um estudo do Instituto Halle de Pesquisa Econômica (IWH), também da Alemanha, avaliou os impactos desse cenário em 43 países e calculou que quase 10 mil trabalhadores em território brasileiro poderiam ser afetados em dezenas de setores ligados às exportações, principalmente na agricultura, atividade em que o país se destaca como o maior fornecedor da União Europeia.
No ano passado, o Brasil exportou quase 5% a mais para o Reino Unido que no ano exterior. Os britânicos, contudo, estão longe de estar entre os principais parceiros comerciais do Brasil. A maior parte das exportações brasileiras foi de ouro em formas semifaturadas (26%), seguido de silício (5,5%) e soja (5,25%).
Juntas, as exportações de preparação e conservas de carnes bovinas e de frango responderam por 6,6% das exportações brasileiras para o Reino Unido em 2018.
Tarifa zero
Produtos exportados pelo Brasil como frutas, café, tabaco e madeira recebem tributação, em média, de 6% a 18% para entrarem no Reino Unido. Mas a primeira-ministra britânica, Thereza May, já informou que, caso a saída seja sem acordo as tarifas sobre esses produtos seriam reduzidas a zero.
A ideia é ajudar as empresas a se prepararem para as mudanças. Com a plataforma, a Embaixada e a Apex pretendem ainda ajudar exportadores brasileiros a explorar novas fatias do mercado britânico, em especial porque muitos já competem com empresas europeias no Reino Unido.
Segundo a Embaixada do Brasil, o Reino Unido é a quinta maior economia mundial e um dos principais mercados importadores globais, com importações equivalentes a 32% de seu PIB (£ 658 bilhões ao ano, em 2018). No setor de alimentos e bebidas, por exemplo, importa 50% do que consome, sendo que 60% do total importado vêm da União Europeia.
Para Leandro Consentino, do Insper, a atual mudança de orientação política da diplomacia brasileira pode ajudar o país a aumentar os negócios com os britânicos.
"O Reino Unido pode se valer da nova orientação (do Brasil) de valorizar os países do Ocidente, da nova agenda nesse processo de desvinculação do bloco europeu", afirma, lembrando que no governo de Jair Bolsonaro há receio e resistência à chamada "invasão chinesa".
Prazo para o Brexit
Em 2016, o Reino Unido votou, por meio de um plebiscito, para deixar a União Europeia - o Brexit venceu com 51,9% dos votos. Desde então, o processo de saída, inicialmente marcado para o dia 29 de março, transformou-se numa novela. O acordo alinhavado pela primeira-ministra Thereza May com o bloco europeu já foi rejeitado três vezes pelo Parlamento.
May chegou a prometer que renunciaria ao cargo se o plano fosse aprovado, mas a promessa não surtiu efeito. A União Europeia concordou em estender o prazo, inicialmente, até dia 12 de abril, e os britânicos ainda discutem a forma como vão sair do bloco.
A primeira-ministra pede, oficialmente, uma nova prorrogação, desta vez para 30 de junho. Mas nos bastidores é negociada uma extensão flexível, possivelmente de 12 meses.
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