Não é só a Previdência: outros 4 grandes desafios do governo Bolsonaro na economia
A equipe econômica do governo só pensa naquilo: reforma da Previdência. Quando o assunto é ajuste das contas públicas ou crescimento da economia, o argumento é sempre o de que o Brasil depende, antes de qualquer coisa, da mudança nas regras de aposentadoria e pensão.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, já disse por diversas vezes que, se aprovado, o projeto que objetiva reduzir a previsão de aumento do déficit da Previdência pode garantir crescimento da economia nos próximos dez anos. Em 2018, o déficit do regime geral de Previdência foi de R$ 195 bilhões. No final de março, Guedes chegou a dizer que a não aprovação da reforma da Previdência equivaleria à condenação das futuras gerações de brasileiros.
Embora a aprovação desse projeto seja considerada por muitos economistas e cientistas políticos o grande teste para o sucesso do governo Jair Bolsonaro, a equipe do presidente tem outros grandes desafios na área econômica. Essas tarefas têm a ver com o que Bolsonaro prometeu durante a campanha e com problemas que o Brasil acumula há décadas.
A BBC News Brasil ouviu especialistas e o Ministério da Economia para explicar, em quatro pontos, as principais áreas em que o governo precisa mexer para tentar melhorar o desempenho da economia e abrir espaço para a retomada da criação de empregos no país.
O secretário de Política Econômica, Adolfo Sachsida, disse que as ações do governo estão hoje divididas em duas grandes pautas: a questão fiscal e a agenda de produtividade.
"Pretendemos corrigir o problema fiscal aprovando a reforma da Previdência e também estamos cortando gastos ineficientes e cargos. Na produtividade, é fundamental adotarmos uma agenda pró-mercado. É a agenda que tanto Paulo Guedes quanto o presidente Bolsonaro falaram na campanha", afirmou Sachsida à BBC News Brasil.
Ao defender a urgência da reforma da Previdência, o governo argumenta que é insustentável o aumento dos gastos com aposentadorias e pensões. Diz, também, que ela vai ajudar a recuperar a economia e garantir espaço no orçamento para despesas em outras áreas, como saúde, educação e programas sociais.
A equipe do ministro Paulo Guedes projeta uma economia de R$ 1,1 trilhão em dez anos com a proposta original. Se for aprovado, contudo, o texto deve ser alterado pelos parlamentares, e a previsão de economia deve cair, já que até aliados do governo se mostraram contrários a pontos do projeto que mexem com a população mais pobre.
1. Reforma tributária
"Existe uma obsessão com a reforma da Previdência. Eu colocaria a tributária em primeiro lugar", afirmou o economista Roberto Piscitelli, professor da Universidade de Brasília (UnB).
Ao mesmo tempo em que o governo e diversos economistas defendem a necessidade de uma mudança profunda nas regras de aposentadoria, outros sugerem um foco maior na mudança do sistema de tributos.
"Parece que tudo está resumido à reforma da Previdência. Sou de uma linha que acha que as prioridades estão invertidas. Acho que a reforma mais importante é a tributária, que teria efeito maior, em prazo mais curto, e atingindo um número menor de pessoas, dada a extrema desigualdade no Brasil."
Piscitelli pondera, contudo, que "sempre há" ajustes que devem ser feitos na Previdência, inclusive devido ao envelhecimento da população, o que exige mudanças como na idade mínima de aposentadoria.
Sachsida, do Ministério da Economia, rebate a possibilidade de propor uma reforma da Previdência menor. "Não estamos aqui para remendos, estamos aqui para consertar. Aprovar um remendo é mais fácil, e você pode avançar com outra agenda. Entendo o ponto (dos críticos), mas discordo. A nossa proposta de reforma resolve o problema de longo prazo. Esse governo foi eleito para resolver problema. Podemos não conseguir, mas vamos tentar".
O secretário não respondeu se considera um "remendo" a retirada, por parlamentares, de trechos da proposta que afetam o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e a aposentadoria rural. "Prefiro não entrar em detalhes", disse. "O Congresso é soberano. Cabe a eles decidir o que é possível e o que não é, e isso será respeitado."
A economista Silvia Matos, que coordena o Boletim Macro, do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia), aponta que o sistema tributário brasileiro gera incentivos errados, ao permitir regimes especiais para algumas empresas e incentivos fiscais que nem sempre são revistos. Ela explica também que o problema do sistema tributário onera o trabalho formal --o que, por sua vez, estimula a informalidade no país.
"Temos complexidade de tributos, múltiplos tributos e muitos regimes especiais. Temos mais exceções do que regras. Além de perder resultado, tem certa injustiça: cria uma briga por regime especial, e não por eficiência", explica.
Ela aponta que pode ser "demais para este momento" pensar na possibilidade de a reforma tributária acontecer exatamente ao mesmo tempo em que a previdenciária tramita. "O risco é criar uma confusão e não passar nada, considerando o contexto atual."
2. Infraestrutura, concessões e privatizações
A economista-chefe da Fecomércio do Rio Grande do Sul, Patrícia Palermo, diz que a aprovação da reforma da Previdência é "o gol que define a partida", mas aponta também que o governo está "deixando outras coisas em segundo plano e, talvez, até paradas".
Entre as medidas que considera relevantes, Patrícia aponta as parcerias com a iniciativa privada na área de infraestrutura e diz que é necessário haver pelo menos uma sinalização da agenda de privatizações prometida durante a campanha.
"Este ano precisa ter uma agenda de privatizações acontecendo, até para sinalizar o compromisso deste governo", disse.
Sachsida argumenta que são necessários muitos passos até conseguir colocar uma empresa em condições de ser privatizada e garante que o processo, apesar de ser lento, está "andando".
"A legislação brasileira exige uma série de procedimentos para colocar a empresa no programa nacional de desestatização. Só depois disso é que começa a andar todo o desenho do processo. Demora. Vamos ter novidades, mas passo a passo. Entendo a ansiedade, mas temos que respeitar o ordenamento jurídico", disse, após ser questionado sobre quando as privatizações vão começar.
Silvia Matos lembra que os setores da economia, para se desenvolverem, demandam energia, estradas, serviços de comunicação.
"Como o Brasil tem crescido pouco, com setor público quebrado, temos depreciação da nossa infraestrutura. Se a gente tivesse crescendo, não ia ter energia, estrada. Temos muitos gargalos. Se o crescimento destravar e a infraestrutura não for adequada, vem inflação --com aumento da energia, por exemplo--, congestionamento..."
3. Abertura comercial
Mudanças na política comercial, para abrir a economia brasileira, também são aguardadas por especialistas, já que se trata de um dos pilares da política econômica prometida pelo novo governo.
A abertura comercial consiste na redução de tarifas e derrubada de medidas burocráticas que criam entraves a importações de bens de consumo, máquinas e equipamentos. Os economistas liberais acreditam que essa é uma forma de estimular a competição interna e aumentar a interação com outras economias.
"Um processo de abertura comercial permite maior aproximação da nossa indústria com outras fronteiras, através da aquisição de tecnologia", disse a economista Silvia Matos.
Ao comentar o tema, Sachsida cita Guedes e diz que é necessário "respeitar" o empresário nacional.
"O que o ministro fala é que temos que respeitar o empresário nacional, que está com carga tributária pesada e é difícil competir com quem não tem custo de produzir no Brasil. Vamos abrir a economia, de maneira gradual e exponencial (...) Vamos começar abrindo pouquinho e no último ano abriremos mais."
4. Redução da burocracia
É consenso entre os especialistas ouvidos pela reportagem que medidas que reduzem a burocracia podem --e devem-- ser tomadas em paralelo a reformas maiores.
"A economia brasileira é estrangulada pela burocracia. Você gasta muito tempo para informar sobre seus empregados formais, por exemplo. É muito burocrático e demorado. Isso gera um estímulo para a informalidade. Precisa de processo de desburocratização da economia brasileira, facilitar a vida das pessoas", afirmou Patrícia Palermo, da Fecomércio-RS.
A economista defende, por exemplo, a redução na quantidade de informações que as empresas têm que passar para o governo. "Você passa várias vezes as mesmas informações. Isso é um complicador, um excesso de obrigações acessórias que existem no Brasil."
Como exemplos de medidas já tomadas que poderiam reduzir a burocracia, Sachsida cita o decreto que estabeleceu o corte de 21 mil cargos, funções e gratificações do Executivo, além da decisão de revogar 250 decretos antigos.
Professor da UnB, Piscitelli diz que vários desses decretos já não estavam em vigor. Ele defende a necessidade de rever processos na administração pública e de aplicar medidas "que melhoram a vida das pessoas", mas alerta que não dá para confundir redução de burocracia com eliminação de controles essenciais.
"Na área de meio ambiente, por exemplo, você não pode, a título de agilizar processo, passar por cima de questões de segurança que são essenciais. Aí as barragens rompem, os prédios desabam, e assim por diante. Há um ponto de equilíbrio importante que passa pela manutenção da capacidade regulatória do Estado da qual não podemos abrir mão."
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