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Como o império de restaurantes do chef pop Jamie Oliver foi do auge à bancarrota

Chef Jamie Oliver durante visita a seu restaurante em São Paulo em 2016 - Lucas Lima/UOL
Chef Jamie Oliver durante visita a seu restaurante em São Paulo em 2016 Imagem: Lucas Lima/UOL

22/05/2019 11h42

Poucos teriam imaginado, há uma década, que o império gastronômico do conhecido chef britânico Jamie Oliver poderia quebrar.

Internacionalmente famoso por programas de culinária na TV, Oliver anunciou ontem que ficou "arrasado" com a decisão de colocar sua cadeia de restaurantes sob recuperação judicial.

Vinte e dois dos 25 restaurantes britânicos da rede foram fechados, acabando com aproximadamente mil empregos.

"Eu entendo como isso é difícil para todos os afetados", disse o chef, se dirigindo a funcionários, fornecedores e clientes.

Agora, seu grupo de restaurantes está sob a administração judicial da KPMG, encarregada de seguir com o processo legal.

Os novos administradores disseram que, embora Oliver tenha injetado US$ 5 milhões (o equivalente a R$ 20,20 milhões) do próprio bolso na rede em recursos adicionais desde o começo do ano, o investimento não foi suficiente para garantir a sobrevivência do negócio.

"Eu estou arrasado por ter nossos restaurantes britânicos tão queridos agora em recuperação judicial. Fico profundamente triste com esse desfecho e gostaria de agradecer a todo mundo que colocou coração e alma no negócio nos últimos anos", postou Oliver no Twitter.

Dois restaurantes, Jamie's Italian e Jamie Oliver's Diner, no aeroporto de Gatwick, em Londres, continuarão operando no curto prazo, enquanto os administradores estudam opções para os estabelecimentos.

O Fifteen Cornwall em Watergate Bay, também na Inglaterra, opera como franquia e não foi afetado. Os restaurantes internacionais com as marcas Jamie's Italian, Jamie's Pizzeria e Jamie's Deli também continuarão funcionando normalmente.

No Brasil, há três unidades da Jamie's Italian, localizadas em Campinas, São Paulo e Curitiba.

Como foi a derrocada?

Em um e-mail enviado à equipe na manhã de terça-feira, Oliver culpou "as amplamente divulgadas dificuldades do setor de a gastronomia, a decadência do grande comércio de rua no Reino Unido e os crescentes custos operacionais" pelo colapso da empresa.

Os administradores da KPMG fizeram coro, citando um ambiente comercial difícil.

As vendas do Jamie's Italian caíram mais de 10% no ano passado, provocando o fechamento de doze restaurantes e a demissão de cerca de 600 funcionários.

Na época, a rede só escapou da falência graças a uma injeção de dinheiro da fortuna pessoal do chef, no último momento.

Oliver chegou a responsabilizar o Brexit, ou seja, a decisão do Reino Unido de deixar a União Europeia, pelo encarecimento dos ingredientes usados para preparar seus pratos italianos - creditado, em parte, à desvalorização da libra esterlina desde que a decisão de saída do bloco foi aprovada em um referendo em junho de 2016.

Nos últimos anos, entretanto, era comum ler - em resenhas de jornais ou comentários em redes sociais - sobre experiências ruins em restaurantes da rede Jamie's.

Os clientes chaves, segundo uma funcionária que trabalhava em um restaurante Jaime's em Glasgow, passaram a ser "turistas ou pessoas que estavam passando", porque "pouquíssimas pessoas iam ao restaurante pela curiosidade e prazer de estar num restaurante Jaime's".

Ela disse que as resenhas e avaliações em sites como Trip Advisor já não ajudavam a levar novos clientes, porque "o restaurante era caro demais".

Do fama aos primeiros problemas

Jamie Oliver ficou nacionalmente conhecido quando ganhou seu próprio programa de TV, The Naked Chef, exibido pela BBC no final dos anos 90.

Desde então, ele construiu um império de restaurantes e publicações de livros e revistas - e se engajou em campanhas de sucesso como a que comandou promovendo uma alimentação mais saudável nas cantinas escolares.

"Lançamos o Jamie's Italian em 2008 com a intenção de transformar positivamente o mercado de alimentos de médio porte no Reino Unido, com grande valor e ingredientes de qualidade, os melhores padrões de bem-estar animal e uma incrível equipe que compartilhou minha paixão pela boa comida e serviço", disse o chef empresário.

"E foi exatamente isso que fizemos."

Mas a partir de 2015, começaram os problemas econômicos: alguns de seus restaurantes e lojas de artigos de cozinha foram fechados.

Já em outubro de 2017, sua revista de gastronomia deixou de ser publicada após quase 10 anos de circulação no mercado.

Declínio

Simon Mydlowski, analista especializado no setor, diz que Jamie não conseguiu acompanhar a constante mudança de tendências culturais e gastronômicas.

"Para ter sucesso neste setor, você precisa renovar continuamente desde as opções de menu e bebidas, até a forma de se relacionar com os clientes".

"Diante de aluguel, preços de alimentos e concorrência mais altos, os restaurantes precisam de um diferencial", acrescenta.

"Não é coincidência que marcas menores, com mais liberdade e flexibilidade, sejam as que estão se saindo melhor."

Por outro lado, o grupo de Oliver é apenas uma entre várias vítimas de um complexo cenário comercial no Reino Unido.

No início deste ano, a rede de cafés Patisserie Valerie teve falência decretada, com o fechamento parcial de suas lojas e a perda de quase mil empregos.

Outras redes de médio porte, como Byron Burger, Prezzo e Carluccio enfrentaram situações parecidas nos últimos anos.

A rede italiana Strada, vista como concorrente da Jamie's, foi reduzida a apenas três unidades, enquanto a Carluccio foi forçada a fechar aproximadamente um terço de seus restaurantes, depois de perder dezenas de milhões de libras.

'Sem culpa'

Jonathan Woodhouse, ex-gerente do Fifteen, um dos restaurantes do grupo de Oliver em Londres, diz que a rede "cresceu demais e tentou fazer demais", mas que o chef tem sido julgado injustamente.

As unidades de comida italiana da rede, diz ele, eram "franquias competentes" e administradas de um jeito muito diferente dos primeiros restaurantes do chef.

Woodhouse diz que trabalhar na Fifteen foi uma de suas melhores experiências profissionais, e que Oliver estava tentando fazer "algo especial" na rede, com seu inovador programa de aprendizagem.

"É triste ouvir que pode ir à falência", acrescenta.