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A poderosa 'távola redonda' de megaempresas que quer redefinir as regras do capitalismo americano

Jamie Dimon, chefe da Business Roundatble e CEO do banco JP Morgan Chase, diz que mudança levará ao sucesso empresarial no longo prazo - Getty Images
Jamie Dimon, chefe da Business Roundatble e CEO do banco JP Morgan Chase, diz que mudança levará ao sucesso empresarial no longo prazo Imagem: Getty Images

26/08/2019 11h22

Ela é a nata do capitalismo americano e agora quer mudar a maneira de fazer negócios naquele país.

A organização Business Roundtable reúne os presidentes executivos de 181 das maiores corporações dos Estados Unidos - da Amazon à Xerox, passando pelas maiores empresas de varejo (Walmart), tecnologia (Apple), energia (Exxon Mobil), telecomunicações (AT&T), automóveis (Ford), finanças (JP Morgan Chase), entre muitas outras áreas.

Juntas, as companhias têm mais de 15 milhões de funcionários e faturamento anual superior a US$ 7 trilhões.

Na segunda-feira passada (19/8), os líderes dessas empresas divulgaram comunicado em que anunciam uma mudança radical de visão sobre o propósito de suas corporações, rompendo com a política mantida há mais de 20 anos, que privilegiava a maximização dos lucros dos acionistas acima de tudo.

A partir de agora, diz o comunicado, o propósito dessas empresas será ampliado com o objetivo de favorecer também seus funcionários, clientes e as comunidades em que atuam.

Mas a que se deve essa mudança?

Além do lucro

Desde 1978, a Business Roundtable publica declarações sobre os princípios de governança corporativa e, em todos os documentos divulgados desde 1997, respalda o conceito da "primazia do acionista".

Essa visão se tornou popular na década de 1970, alimentada em grande parte pela doutrina elaborada pelo renomado e controverso economista Milton Friedman, da Universidade de Chicago, que publicou um artigo no jornal americano The New York Times afirmando que "a responsabilidade social de uma empresa é gerar lucro".

"Em um sistema de livre comércio e propriedade privada, um executivo corporativo é um funcionário dos donos da empresa. Ele tem uma responsabilidade direta com seus empregadores."

"Essa responsabilidade significa fazer negócios de acordo com seus desejos, que geralmente se resumem a fazer o máximo de dinheiro possível, respeitando as normas básicas da sociedade, tanto aquelas incorporadas nas leis quanto as entremeadas nos costumes éticos", escreveu Friedman.

A proposta do economista surgiu em um momento em que as empresas americanas ofereciam planos de aposentadoria generosos aos funcionários e faziam doações importantes para as comunidades, mas os gestores eram criticados por trabalhar mais em benefício próprio do que a favor dos acionistas.

Foi então que houve a guinada que levou à era da "primazia dos acionistas", na qual a política corporativa se concentra em maximizar os lucros às custas da redução dos benefícios dos empregados, assim como de quaisquer outras "despesas improdutivas".

Para garantir que essas mudanças ocorressem, as empresas também criaram programas de incentivo, em que o bônus de seus principais executivos depende dos dividendos produzidos pela empresa no curto prazo.

Mas, se os lucros das grandes empresas aumentaram, também reforçaram uma imagem pública negativa.

"A desconfiança em relação às empresas americanas cresceu a tal ponto que a própria ideia de capitalismo está sendo debatida na cena política",escreveu Andrew Ross Sorkin, colunista do New York Times, sobre a mudança proposta pela Business Roundtable. "O populismo está sendo acolhido nos dois extremos do espectro político, quer se trate do protecionismo comercial de Donald Trump ou da supremacia da rede de proteção social do senador (e pré-candidato à Presidência dos EUA) Bernie Sanders."

Ao mesmo tempo, Sorkin destaca suas dúvidas em relação à proposta do Business Roundtable, afirmando que mudar a "supremacia do acionista" é por enquanto apenas uma possibilidade, e não uma certeza.

Aposta no longo prazo

No novo posicionamento sobre o objetivo de suas corporações, a Business Roundtable se compromete com cinco pontos específicos:

- Entregar serviços ou bens de valor aos clientes.

- Investir nos funcionários e recompensá-los de maneira justa.

- Negociar de forma justa e ética com os fornecedores.

- Apoiar as comunidades em que as empresas estão inseridas.

- Gerar rentabilidade de longo prazo para os acionistas.

Jamie Dimon, chefe da Business Roundatble e CEO do banco JP Morgan Chase, destacou que essa guinada está vinculada a uma visão de sustentabilidade no longo prazo.

"O sonho americano está vivo, mas está se desgastando. Os grandes empregadores estão investindo em seus funcionários e em suas comunidades porque sabem que esse é o único caminho para serem bem-sucedidos no longo prazo".

"Esses princípios modernizados refletem o compromisso firme da comunidade empresarial de continuar a impulsionar uma economia que sirva a todos os americanos", acrescentou por meio de um comunicado à imprensa.

Tricia Griffith, presidente-executiva da seguradora Progressive Corporation, disse que, embora os gestores trabalhem para gerar receita e oferecer lucro aos acionistas, as melhores empresas vão mais além.

"Elas colocam os clientes em primeiro lugar e investem em seus funcionários e comunidades. No fim das contas, essa é a via mais promissora de construir valor no longo prazo", afirmou.

Promessas ou ações?

A Business Roundtable foi criada em 1972 pela fusão de três diferentes organizações que compartilhavam a crença de que o setor empresarial deveria desempenhar um papel ativo no desenvolvimento de políticas públicas.

Desde então, teve uma participação importante na aprovação e veto de uma série de propostas legislativas.

Em 1975, por exemplo, suas atividades de lobby foram consideradas fundamentais para derrubar uma proposta que buscava reformar as regras antimonopólio para permitir aos procuradores-gerais dos 50 Estados americanos processar empresas em nome dos cidadãos.

Em 1982, o grupo se opôs às metas de déficit fiscal propostas pelo governo do então presidente Ronald Reagan. Nos anos 1990, se mobilizou para fazer com que que o governo de George H.W. Bush promovesse o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta) com o México e o Canadá.

Nos últimos tempos, a Business Roundtable tem defendido uma reforma migratória que abra as portas e facilite a entrada e permanência não só de mão de obra qualificada, mas também de trabalhadores agrícolas nos Estados Unidos.

A mudança de visão do grupo em relação ao propósito de suas corporações, anunciada nesta semana, foi recebida com certo ceticismo.

"Não acreditamos que seja por benevolência que os CEOs (presidentes-executivos) da Business Roundtable finalmente reconheceram que precisam defender mais do que os interesses dos acionistas", escreveu Kenneth Roth, diretor-executivo da ONG Human Rights Watch, no Twitter. "Ignorar questões como a cumplicidade a abusos de direitos humanos é um convite a um desastre em termos de relações públicas."

https://twitter.com/KenRoth/status/1163861319830949888

Outros críticos destacaram que o anúncio é mais uma declaração de intenções do que um plano de ação, por isso é razoável que haja dúvidas em relação a sua real aplicação.

"Não se enganem, não foi a democracia dos acionistas que deu origem a este novo momento de iluminação. A indignação pública levou a isso."

"Os acionistas - com algumas exceções - não se deixaram convencer até que não tiveram escolha, a não ser entender que essas forças poderiam ter um impacto sobre seus investimentos", escreveu Ross Sorkin no jornal The New York Times.

Assim, essa mudança na visão dos propósitos corporativos das grandes empresas dos EUA é, por enquanto, uma semente, cujo cultivo não parece garantido.


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